Mantida decisão que bloqueou valores de autarquia para atendimento médico a trabalhador acidentado
Por Ademar Lopes Junior
A 4ª Câmara do TRT-15 negou o recurso da Superintendência de Controle de Endemias (Sucen) e manteve a decisão do Juízo de primeiro grau que determinou o sequestro de bens da reclamada. O acórdão determinou de ofício, entre outros, em obediência aos princípios da efetividade, celeridade e utilidade da decisão, "independentemente do trânsito em julgado, após a presente sessão de julgamento, a expedição de carta de ordem à Vara de origem para o cumprimento das tutelas de urgência concedidas, concernentes à contratação de plano de saúde ao autor e implantação da pensão mensal na folha de pagamento da executada". A decisão teve como objetivo garantir o tratamento de saúde de um funcionário que se acidentou em serviço em 2010 e que ainda sofre com as graves sequelas físicas e mentais.
A Sucen não concordou com o sequestro de verbas públicas da autarquia, alegando que "a execução de valores deve ser feita através de requisição de pequeno valor e precatório" e por isso pediu que fosse julgado "insubsistente o bloqueio efetivado" e, ainda, a devolução à autarquia dos valores bloqueados em sua conta bancária.
Segundo consta dos autos, o reclamante foi admitido em 4 de agosto de 2008 para exercer a função de desinsetizador e, no exercício de suas funções, sofreu acidente do trabalho, em 10 de março de 2010, ocasião em que caiu em um buraco no local em que realizava inspeção, no qual havia um ferro na transversal (mata-burro), coberto de grama. A queda a cavaleiro atingiu seus órgãos genitais externos, causando-lhe trauma na coxa e na região perineal. O laudo médico diagnosticou "trauma em regiões genitais, estenose uretra pós-trauma e transtorno depressivo recorrente com sintomas psicóticos". O laudo pericial psiquiátrico concluiu ser o autor portador de "transtorno de personalidade e de comportamento em adultos, sendo necessário uso de medicamentos e tratamento em psicoterapia".
Em primeira instância, o reclamante acidentado teve seus pedidos decorrentes do acidente do trabalho julgados improcedentes pelo Juízo da 4ª Vara do Trabalho de Sorocaba. Seu recurso, julgado em 2014 pela 11ª Câmara do TRT-15, condenou a reclamada a pagar a indenização por danos morais, no importe de R$ 50 mil, além das despesas comprovadas nos autos, assim como as futuras, enquanto durar o tratamento, e da pensão no valor equivalente ao último salário percebido, a contar da data de seu afastamento por ocasião do acidente" até a idade de 60 anos. Determinou, ainda, a regularização do pagamento das parcelas vincendas, com a implantação da parcela em folha de pagamento da reclamada. O Juízo de origem homologou os cálculos apurados pelo perito nomeado, fixando o valor total da execução em R$ 133.677,82, sem prejuízo de implementação em folha de pagamento das verbas vincendas. Posteriormente, julgou procedentes os embargos à execução da reclamada e retificou a conta de liquidação para excluir a multa por obrigação de fazer, totalizando o crédito em R$ 125.974,32 (28/2/2014). Por precatório, foi efetuada a transferência de R$ 68.594,13, diretamente na conta corrente em nome do autor, em 31/10/2014, e a executada comprovou a implantação do autor em sua folha de pagamento.
O reclamante chegou a requerer sequestro humanitário para pagamento de 70% do valor total em execução, o que foi indeferido pela Presidência deste Regional, mas mantido pelo Acórdão do Tribunal Pleno, que "negou provimento ao agravo regimental interposto pelo exequente, por entender que o autor estava recebendo o tratamento indicado, fornecido pelo poder público e por já ter recebido o importe de R$ 68.594,13, correspondente a quase 70% do valor da condenação, sendo incabível o pagamento do total das parcelas vincendas da pensão arbitrada, devendo o valor remanescente ser pago por precatório, observada a ordem cronológica".
Diante das despesas realizadas pelo autor e já comprovadas nos autos (R$ 23.398,95), o Juízo de primeiro grau determinou a intimação da ré para pagar o valor no prazo de 48 horas, sob pena de sequestro, mediante o bloqueio em sua conta corrente e transferência imediata ao Juízo. O bloqueio via Bacenjud, no importe de R$ 23.398,95, foi efetivado em 5/1/2016.
A executada não concordou com o bloqueio e opôs embargos à execução/penhora, os quais foram julgados improcedentes. Inconformada, insistiu, no agravo de petição, alegando "ter sido colocado à disposição do exequente o tratamento médico junto ao Hospital Regional de Sorocaba, porém, o obreiro recusou-se a dar continuidade no tratamento, preferindo fazê-lo de forma particular", e ressaltou que o próprio TRT-15, por decisão proferida em sede de Agravo Regimental pelo Órgão Especial, tinha indeferido o pedido de sequestro humanitário, o que para ela era "bastante para impedir o prosseguimento da execução por sequestro".
A relatora do acórdão, desembargadora Rita de Cássia Penkal Bernardino de Souza, porém, entendeu diferente. Ela salientou que a reclamada, além da indenização por danos morais de R$ 50 mil e pensão mensal, "foi condenada a pagar as despesas médicas, decorrentes do acidente do trabalho, enquanto durar o tratamento", além de implantar o pagamento das parcelas vincendas na folha de pagamento, sob pena de multa.
Segundo se confirmou nos autos, quanto à indenização por dano moral e às parcelas vencidas da pensão mensal, o reclamante levantou, de forma preferencial, o importe de R$ 68.594,13, em 31/10/2014, devendo, quanto ao restante, seguir o rito por requisição de pequeno valor ou precatório. Para o colegiado, porém, não é correta a alegação da autarquia de que o indeferimento do pedido de sequestro humanitário pelo Tribunal Pleno deste Regional impediria o prosseguimento da execução, "pois o valor ali inserido refere-se ao valor remanescente das parcelas vencidas e indenização por dano moral, as quais devem obedecer às regras previstas nos dispositivos legais e constitucionais invocados pela executada".
Em relação aos danos materiais relativos às despesas médicas apresentadas e as que vierem a ser despendidas pelo reclamante, enquanto durar o tratamento, conforme sua necessidade física e psiquiátrica, o acórdão ressaltou que "não há como compeli-lo a aguardar tais regras, por tratar de sua vida e de sua saúde, sob pena de tratar inócuo o tratamento".
A Câmara reafirmou que é da reclamada a responsabilidade de custear o tratamento médico e psiquiátrico do trabalhador acidentado, independentemente do dano moral e da pensão mensal, os quais a executada também foi condenada a pagar. Segundo consta dos autos, o Hospital Regional de Sorocaba apenas agendou para o autor a consulta médica urológica. Segundo o acórdão, não ficou claro se também "seriam disponibilizados procedimentos médicos urgentes, nem a cirurgia urológica indicada para o caso, revelando que se iniciaria a 'via crucis' em busca de tratamento perante o hospital público, sabidamente moroso, o que, àquela altura, não poderia mais aguardar, não havendo, portanto, falar em recusa pelo obreiro ao tratamento oferecido".
Além disso, necessitando o autor de tratamento específico e urgente (uretrotomia e estenose para desobstrução do colo vesical), "não lhe restou outra alternativa senão pagar a tão necessitada cirurgia e, após realizá-la, apresentar os recibos para ressarcimento". O colegiado afirmou que agiu com acerto o Juízo de origem em determinar o sequestro de verbas da autarquia, com respaldo no citado julgamento do Superior Tribunal de Justiça, que reconheceu a possibilidade de sequestro de dinheiro público no caso em que "o Estado não esteja cumprindo a obrigação de disponibilizar os tratamentos médicos postulados, acarretando risco à saúde e à vida do demandante".
O acórdão acrescentou ainda que, "nos termos do art. 497 do NCPC, havendo condenação de prestação de fazer ou de não fazer, o juiz, se procedente o pedido, deverá conceder a tutela específica ou determinará providências que assegurem a obtenção de tutela pelo resultado prático equivalente".
Assim, no caso, como a executada não tem cumprido a determinação de fornecer o tratamento médico adequado ao autor, causando grave lesão à sua saúde, "revela-se válido o sequestro de numerário para o ressarcimento de despesas médicas pagas pelo exequente", afirmou o acórdão.
A Câmara ressaltou que o trabalhador acidentado já se submeteu a cirurgia para "tentar resolver a parte física da patologia", mediante "desobstrução do colo vesical, com a incisão endoscópica, dilatando a uretra sob anestesia, para melhorar a micção, devendo as dilatações serem espaçadas e até abandonadas, conforme sua resposta ao tratamento". Quanto à questão da ereção, o laudo pericial constatou que "há grande componente emocional", e indicou manter o auxílio de psiquiatra, mas lembrou que se o quadro não melhorar com as injeções intracavernosas, seria indicada a prótese peniana, mas o reclamante não aceitou a ideia.
O acórdão destacou, por fim, o fato de o trabalhador ser um jovem que sofreu acidente do trabalho em 2010, quando contava com 31 anos de idade, acarretando-lhe sequelas físicas e psicológicas graves, que necessitam de procedimentos frequentes, e tratamentos específicos e urgentes. O colegiado salientou que "a saúde é um dos direitos fundamentais do cidadão, prevista no art. 6º e 196 da Constituição Federal, não podendo a autarquia utilizar argumentos de natureza burocrática, como insuficiência de reservas, para se eximir da responsabilidade em cumprir a obrigação a que foi condenada".
A Câmara concluiu que, com o descumprimento da tutela provisória concedida pela tentativa infrutífera de acordo entre as partes, e que obrigava a Sucen a proceder a vinculação do exequente a um convênio médico, além de restituir a ele os valores gastos com as despesas médicas, foi determinado o bloqueio de valores da conta bancária e imediata transferência para conta judicial, tendo sido expedidas em favor do exequente as guias de retirada, totalizando o importe de R$ 51.667,95.
Em relação às "astreintes" (multas), no valor de R$ 280 mil, foi determinada, inclusive, a citação pessoal da executada, por oficial de Justiça, para pagamento, sob pena de caracterização de pena de desobediência e improbidade administrativa. A empresa até tinha iniciado o procedimento de tomada de preços para contratação de plano de saúde, mas não noticiou a efetiva contratação. Por tudo isso, e "estando diante de situação que visa assegurar a vida e a saúde do reclamante, com dignidade", o colegiado manteve a decisão quanto ao bloqueio de valores e sua liberação ao exequente. (Processo 0001861-16.2010.5.15.0135)
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