Aposentadoria de atletas profissionais, mercado de transferências e tutelas de urgência são alguns dos destaques de mais uma edição do Simpósio de Direito do Trabalho Desportivo
Por: Francisco Turco
Entre as atividades do segundo dia do VI Simpósio Nacional de Direito do Trabalho Desportivo, realizado nos dias 16 e 17 de agosto no auditório do Centro Universitário Salesiano (Unisal), em Campinas, um destaque foi a mesa-redonda "Peculiaridades e nuances da aposentadoria de atletas profissionais e não profissionais", que contou com a participação dos advogados Felipe Augusto Leite, presidente da Federação Nacional dos Atletas Profissionais de Futebol (Fenapaf), Paulo Sérgio Marques dos Reis, ex-vice-presidente jurídico do Clube de Regatas Vasco da Gama, e Felipe Souza, da Associação dos Atletas Profissionais de Basquetebol (AAPPB). O mediador foi o procurador do Tribunal de Justiça Desportiva da Federação Brasiliense de Futebol Fabrício Trindade de Sousa, que é auditor do Tribunal Pleno da Federação Brasiliense de Futebol de Salão e membro da Comissão de Direito Desportivo da OAB-DF.
O procurador do Tribunal de Justiça Desportiva da Federação Brasiliense de Futebol e membro da Comissão de Direito Desportivo da OAB-DF, Fabrício Trindade de Sousa, defendeu que o financiamento da aposentadoria dos atletas profissionais não deve ser público
Fabrício de Sousa abriu a discussão defendendo que o financiamento da aposentadoria dos atletas profissionais não deve ser público. O mediador afirmou não ser uma utopia que, no futuro, o atleta só possa se profissionalizar após concluir o ensino superior.
O primeiro expositor, Felipe Augusto Leite, afirmou que uma possibilidade de solução do problema seria um sistema de transição, com aposentadoria parcialmente pública, uma vez que o atleta, na imensa maioria dos casos, muda de profissão em média após os 26 anos de idade. Na visão do palestrante, poderia haver também algum tipo de benefício continuado para o ex-atleta que atingisse os 55 anos (a ser pago até completar 65 anos), desde que ele comprovasse estado de miserabilidade e não tivesse renda superior a um terço do salário mínimo, benefício este que, na sugestão dele, seria custeado por um percentual das transferências internacionais.
O presidente da Fenapaf disse que existem atualmente no Brasil cerca de 20 mil atletas profissionais, e que quase ninguém aparece nas assembleias dos sindicatos que tratam de assuntos do interesse deles. Afirmou também que não conhece quase nenhum atleta que tenha estudado. Felipe Augusto Leite lembrou ainda que o futebol brasileiro não se resume aos 20 clubes da série A e alertou para a imensa quantidade de casos de alcoolismo, marginalidade, depressão e suicídio entre esses atletas.
Paulo Reis, por sua vez, disse que algum tipo de benefício previdenciário para atletas de alto rendimento atingiria apenas uma "meia dúzia" deles, e que não há união entre os jogadores profissionais de futebol para discutir propostas relativas à aposentadoria e outros assuntos de interesse da classe. O advogado lembrou que o Clube de Regatas Vasco da Gama, preocupado com o futuro de seus jogadores, oferece cursos de cozinheiro e barman, entre outros, ainda pouco procurados, e incluiu o São Paulo Futebol Clube entre os entes esportivos que oferecem uma maior atenção nesse nível aos ex-jogadores. Paulo Reis afirmou também que a educação financeira dos atletas, inclusive durante a concentração, não deve ser um tabu.
Já Felipe Souza disse que buscar a solução no Estado não é o caminho mais adequado. Segundo ele, o ideal seria se pensar na transição para a vida normal desde os primeiros anos escolares. "O primeiro responsável por mudar o quadro atual é o próprio atleta. Ele precisa assumir uma posição", defendeu. O advogado citou como exemplo de transições bem-sucedidas aquelas fruto do trabalho das entidades que comandam o basquete norte-americano, como a NBA, que apresentam ao ex-atleta um cardápio de oportunidades. Ele contou que lá eles podem ser comentaristas, técnicos ou trabalhar na área de finanças ligada aos times, entre outras atividades. "Essas entidades não fazem isso por serem boazinhas, mas porque este tipo de ação representa retorno no grande mercado em que elas atuam", complementou.
Transferências e conflitos
Sob a presidência do desembargador Samuel Hugo Lima, corregedor da 15ª Região, o quarto e último painel do simpósio abordou vários temas. Coube ao juiz do trabalho do TRT da 10ª Região (DF e TO) Marcos Ulhoa Dani, autor do livro "Transferências e registros de atletas profissionais de futebol" e membro da Academia Nacional de Direito Desportivo (ANDD), tratar das "Tutelas de urgência, habeas corpus e outras medidas liminares para a rescisão antecipada de contratos desportivos".
O magistrado começou sua exposição apresentando exemplos de atletas longevos, como o jogador de futebol Pedro da Sorda, que se aposentou aos 68 anos de idade, em um clube paraibano, e o goleiro da seleção do Egito na Copa do Mundo da Rússia El Hadary, que aos 45 anos se tornou o atleta mais velho a atuar na competição em todos os tempos. Por outro lado, chamou a atenção para a média de idade dos jogadores na Copa de 2018, que girou entre 26 e 27 anos de idade.
O palestrante reforçou que a carreira do jogador de futebol é curta e destacou o caso do jogador Paolo Guerrero, da Seleção do Peru, que após ter sido acusado de doping, chegou a ser suspenso e previamente impedido de disputar a Copa do Mundo da Rússia. O Judiciário da Suíça, no entanto, reviu a decisão da última instância da justiça arbitral (TAS - Tribunal Arbitral do Esporte, também sediado na Suíça) e concedeu ao atleta o direito de disputar a competição, considerando, na sua fundamentação, a idade do jogador (34 anos) e a probabilidade de aquela ser a última oportunidade de Guerrero disputar uma Copa do Mundo. Segundo o magistrado, a decisão foi baseada no pragmatismo jurídico, figura incorporada no nosso ordenamento.
Marcos Ulhoa falou também sobre a contraposição entre a liberdade para trabalhar e as consequências financeiras da liberação do atleta. Tratando das tutelas antecipadas, abordou especialmente o caso do habeas corpus, que, no entendimento dele, é uma medida "pesada", mais voltada a ato de abuso de poder ou ilegalidade. O magistrado comentou ainda o princípio da congruência, segundo o qual o que está sendo pedido deve ter congruência com a realidade fática.
A análise sobre "Nuances da engrenagem federativa para o registro e as transferências de jogadores" esteve a cargo de Gustavo Delbin, vice-presidente de Registros, Transferências e Licenciamento da Federação Paulista de Futebol. O palestrante, que é membro da Academia Nacional de Direito Desportivo (ANDD) e conselheiro do Instituto Brasileiro de Direito Desportivo (IBDD), comemorou o fato de que vários departamentos da Federação Paulista de Futebol foram renovados e disse que o objetivo principal dessa renovação foi preservar a essência do futebol paulista, com foco na autoestima do futebol. Delbin contou que sua entidade organiza 17 competições por ano, com um total de 4.800 partidas no período, e que em 2017 foram feitos registros de 23.110 contratos de atletas profissionais e amadores. Enfatizou ainda que o atleta de base tem de estar na escola, em cumprimento a uma lei estadual, situação que a FPF fiscaliza com rigor.
André Carvalho Sica, que é diretor jurídico da Sociedade Esportiva Palmeiras, assessor jurídico da Federação Paulista de Futebol e diretor do IBDD, tratou da "Resolução de conflitos gerados por rescisões unilaterais de contratos de futebol". Ele inciou discorrendo sobre alguns casos que repercutiram na mídia, como o do atleta belga Bosman, que processou seu clube de origem na Bélgica e acabou ganhado, entre os anos de 1995 e 1996, o direito de jogar por um clube francês, com base na legislação da União Europeia, que permite o livre trânsito naquele continente, inclusive para trabalhar. Segundo ele, a medida acabou com uma forma moderna de escravidão.
André defendeu que o não cumprimento das obrigações financeiras por parte do clube justifica a rescisão do contrato, conforme explicitado no artigo 31 da Lei Pelé. "Não se trata de direito subjetivo", complementou. Ele também observou que os clubes passaram "a se cuidar melhor" para não perder o atleta. No caso do jogador Scarpa, que é alvo de disputa judicial entre o Palmeiras e o Fluminense, o palestrante disse que em sua vida profissional nunca viu um caso de rescisão indireta tão claro. "O clube praticamente não pagou nada", argumentou.
Concluindo o painel, o desembargador Samuel Hugo Lima cumprimentou os palestrantes e defendeu que nem sempre a litigiosidade é a melhor solução. "Devemos pensar também em outras formas de resolução de conflitos e meditar sobre até que ponto vale a pena o litígio".
Encerramento
A cerimônia de encerramento do seminário foi conduzida pelos coordenadores do evento, os desembargadores Ana Paula Pellegrina Lockmann e Francisco Alberto da Motta Peixoto Giordani e pelo advogado Leonardo Andreotti Paulo de Oliveira, presidente do IBDD. Ana Paula, que é vice-diretora da Escola Judicial do TRT, enfatizou que pela sexta vez o evento estava se encerrando com "brilho, pompa e circunstância". "Foi um simpósio de muito brilho, e tudo isso só aconteceu por termos vocês aqui com a gente", completou. Já o desembargador Giordani disse que todas as palestras foram excelentes e que o direito pode dar uma contribuição excepcional para que o esporte brasileiro se torne ainda mais competitivo. "O esporte, assim como o direito, está nas nossas veias." Leonardo Andreotti ressaltou, por sua vez, a qualidade do simpósio, cuja realização "só foi possível diante do trabalho incansável de todos os envolvidos, especialmente da comissão organizadora". Ele agradeceu também a direção da Unisal e a equipe do TRT da 15ª Região, pelo apoio à realização do evento.
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