Possibilidade da prevalência do negociado sobre o legislado é tema do quinto painel do Congresso do TRT-15

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A estipulação de condições de trabalho em patamares abaixo do mínimo legal, via negociação coletiva, foi objeto de análise no 5º painel do 18º Congresso Nacional de Direito do Trabalho e Processual do Trabalho do TRT-15. A desembargadora do Tribunal, Rita de Cássia Penkal Bernardino de Souza, a quem coube apresentar o debate, destacou na abertura do painel que a possibilidade da prevalência do negociado sobre o legislado é um dos aspectos centrais e mais polêmicos da Reforma Trabalhista (Lei 13.467/2017).

Foram convidados para analisar o alcance e a eficácia da negociação coletiva entre as representações de patrões e empregados o advogado Cesar Augusto de Mello, presidente da Comissão de Direito Sindical e membro da Assessoria Especial de Negociação Coletiva da Seção de São Paulo da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB/SP),  o desembargador João Alberto Alves Machado, integrante da Seção de Dissídios Coletivos (SDC) e da 5ª Turma (10ª Câmara) do TRT-15, e Mauricio César Arese, professor doutor de Direito do Trabalho e da Seguridade  Social da Faculdade de Direito e Ciências Sociais da Universidade Nacional de Córdoba, Argentina.

A nave pousou

Cesar Augusto de Mello iniciou sua fala apresentando uma conjuntura desafiadora como premissa para análise da viabilidade da prevalência do negociado sobre o legislado. Ele citou a globalização, na qual a abertura comercial permite que produtos fabricados por trabalhadores precarizados e mal remunerados, principalmente na Ásia, tomem mercado dos produtos nacionais e pressionem a redução de custos das empresas brasileiras. Registrou o avanço da automação e da mecanização nos processos produtivos, exemplificando que uma colheitadeira de algodão hoje desemprega cerca de 100 trabalhadores no campo. Anotou que a terceirização "veio para ficar" e, por fim, destacou a desigualdade social, afirmando que atualmente 1% da população mundial concentra mais renda do que os 99% restantes.

O painelista, que também é consultor jurídico da Central Força Sindical, da Confederação Nacional dos Trabalhadores na Indústria Química (CNTQ), da Federação dos Trabalhadores nas Indústrias Químicas e Farmacêuticas do Estado de São Paulo (Fequimfar) e do Sindicato dos Trabalhadores em Refeições Coletivas de São Paulo, lembrou que a organização sindical brasileira está baseada na unicidade sindical, ou seja, no monopólio da representação, e, até então, na forma de custeio compulsória (contribuição sindical), pois o Brasil não adotou a convenção nº 87 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), relativa à Liberdade Sindical. Ele afirmou que "é sobre esse enfoque que devemos fazer a discussão" e enfrentar os desafios da Reforma Trabalhista, defendendo a urgência na adoção de medidas pois "a nave pousou", e que devido à conjuntura e a pressão dos empregadores os "trabalhadores estão voltando para os sindicatos e querem uma solução imediata".

 O advogado respondeu a algumas críticas sobre a suposta passividade da representação sindical durante a aprovação do texto da Reforma Trabalhista no Congresso Nacional e falou das dificuldades que o movimento enfrentou. Ele disse que as centrais sindicais se reuniram para "cotizar um anúncio de 20 segundos para denunciar a reforma" pela televisão, mas que "nenhuma emissora aceitou veicular o anúncio". Ele também registrou que as manifestações em Brasília foram infiltradas por "black blocs", que "iniciaram o quebra-quebra e colocaram fogo nos prédios públicos", o que tirou o foco da mobilização contra a Reforma e resultou numa ação de indenização de R$ 106 milhões da União em face das centrais sindicais, que "sobrou para a CUT, a CSB e a Força Sindical".

Falta de legitimidade

O desembargador João Alberto Alves Machado iniciou sua fala destacando o "quadro caótico que se instalou no ordenamento jurídico do país, principalmente no Direito Coletivo do Trabalho", devido às alterações promovidas pela Reforma Trabalhista. Ele afirmou que o legislador da reforma "briga com a realidade", em referência a uma antiga advertência do jurista francês George Ripert, que escreveu que "quando o Direito ignora a realidade, a realidade se vinga, ignorando o Direito". O desembargador disse, ainda, que a Reforma foi aprovada num ambiente de "retórica quase eleitoral", segundo o qual se facilitaria o empreendedorismo e o aumento do emprego, o que não ocorreu, arrematou.

Para o desembargador, que é bacharel pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo - USP, com habilitação em Direito do Trabalho e da Segurança Social, a Reforma Trabalhista "padece de falta de legitimidade", pois não foi discutida em profundidade com a sociedade civil, e alertou que a pressão que norteou as alterações legislativas foi a de reduzir custos. Para o painelista, a Reforma tem uma tendência precarizante, e exemplificou afirmando que a ampliação das hipóteses legais de trabalho temporário vai fazer com que os atuais empregos permanentes sejam transformados em temporários, sem a abertura de novos postos de trabalho.

O desembargador disse que a nova norma "não soluciona os problemas do sistema cartorial brasileiro", e acrescentou que as organizações sindicais no país têm "poucos associados e escassa capacidade de mobilização", e que tal falta de representatividade agrava ainda mais as condições para uma efetiva e livre negociação coletiva. Em relação à forma de organização sindical que melhor representasse os trabalhadores nesse contexto de ampla negociação coletiva, João Alberto Alves Machado disse que o "mundo ideal" seria a ratificação da convenção 87 da OIT pelo Brasil, mas com alguma forma de transição do sistema de custeio atual, compulsório, para o de ampla liberdade associativa.

Um dos pontos mais destacados pelo magistrado foi o de que não pode haver mera renúncia de direitos, de modo que para o negociado prevalecer sobre o legislado deverá ser demonstrado que ocorreu uma efetiva transação, a qual também deverá ser formal e legitimamente aprovada pelos trabalhadores, posto que o sindicato não é titular dos direitos, requisitos sem os quais a negociação coletiva não possui eficácia. João Alberto destacou ainda que "existe um patamar mínimo, um conteúdo imperativo" que não pode ser afastado pela negociação, tais como as normas de saúde e segurança do trabalho.

Nem todo sólido se desmancha no ar

Destacando que no atual período histórico o Direito do Trabalho está sendo duramente impactado, Mauricio César Arese iniciou sua apresentação utilizando uma versão da frase presente no Manifesto do Partido Comunista, de Karl Marx e Friedrich Engels, que diz que "Tudo o que era sólido se desmancha no ar, tudo o que era sagrado é profanado".  Na versão do estudioso, em referência as normas de proteção laboral historicamente constituídas pelos trabalhadores, "Nem todo sólido se desmancha no ar, nem todo sagrado pode ser profanado".


O painelista argentino partiu da premissa de que todo o arcabouço jurídico que normatiza as relações de trabalho, desde os acordos coletivos, os códigos e leis estatais, e até mesmo as normas constitucionais laborais, derivam das instituições do Direito Coletivo do Trabalho: dos sindicatos, das greves e das negociações coletivas, entre outras, pois seria a partir da atuação destas que as normas de direito autônomo e heterônomo do trabalho são geradas.

Ao falar sobre as principais características do Direito do Trabalho argentino, o professor Arese disse que o desenho normativo do sistema parte do princípio da proteção, expresso no Artigo "14 bis" da Carta Constitucional ("El trabajo en sus diversas formas gozará de la protección de las leyes..."). Ele afirmou também que o sistema de relações do trabalho daquele país está baseado no princípio da irrenunciabilidade, nos termos do artigo 12 da Ley de Contrato de Trabajo (LCT). O professor registrou, ainda, que as convenções coletivas de trabalho são rigidamente controladas pelo Ministério do Trabalho, que realiza um "exame de legitimidade"  no qual o acordo ou convenção que estabelecer renúncia de direitos previstos em lei não é homologado. Assim, concluiu que o sistema de Direito do Trabalho argentino é o da indisponibilidade.

Por outro lado, o painelista anotou que o sistema argentino prevê a possibilidade de mitigação das normas de ordem pública em situações de crise, de modo que é possível a negociação coletiva para a redução de jornadas e salários em troca da manutenção dos empregos, mas frisou que tal procedimento é de exceção e transitório.

O professor Arese, que também é advogado trabalhista, assessor sindical e foi juiz da Câmara do Trabalho de Córdoba, disse que, tal como no Brasil, há uma enorme pressão na Argentina pela desregulamentação das relações de trabalho. Ele relatou "ataques aos juízes do trabalho" daquele país e que há pedidos de impeachment de magistrados por conta de decisões "pró-trabalhadores". Ele ainda apontou que na mídia argentina há um clamor expresso pela frase  "Reforma Trabalhista já", mas que a CGT (Confederação Geral do Trabalho da República Argentina) estabeleceu que "não se toca" nas disposições legais e contratos de trabalho coletivos com o objetivo de suprimir ou reduzir direitos.

 

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