Quarta Câmara reconhece como justificada ausência de professora municipal a horas de trabalho por motivos religiosos
Por Ademar Lopes Junior
A 4ª Câmara do TRT-15 julgou parcialmente procedentes os pedidos de uma professora municipal de Desenvolvimento Infantil (PDI) que pediu o reconhecimento do caráter justificado de sua ausência às reuniões de Horas de Trabalho Pedagógico Coletivo (HTPC) realizadas às sextas-feiras à noite. O colegiado também condenou a reclamada, o Município de Guararapes, a restituir à professora os valores descontados em virtude das ausências referidas, além do pagamento de honorários advocatícios de 15% sobre o valor da condenação, em favor do sindicato que assiste a reclamante.
Segundo constou dos autos, a professora, que trabalha para o município desde 10/2/2014, se negou a participar as reuniões de HTPC, justificando que para ela, que professa a religião dos adventistas do sétimo dia, o horário em que se realizam as reuniões (sexta-feira à noite) deve ser preservado, e "o fiel não deve praticar nenhuma atividade profissional ou acadêmica".
Segundo ela afirmou, "o reclamado, em determinado momento, alterou o horário designado para o cumprimento das horas de trabalho pedagógico coletivo (HTPC) na unidade", que passou a ser às sextas-feiras, das 19h às 21h. Para a reclamante, essa alteração "teria se destinado a privilegiar outros professores, que mantêm mais de um emprego", mas para ela, "a modificação in pejus promovida pelo réu causou-lhe inominável prejuízo, na medida em que, em razão dos ditames da sua religião, não mais pode participar das reuniões de HTPC em referência, porquanto realizadas, agora, em dia de guarda".
Em seu pedido, a professora pediu que fosse determinado ao município a designação de outro dia para o cumprimento das horas de trabalho coletivo, bem assim a condenação na restituição dos descontos oriundos das ausências às reuniões em questão.
Defendendo-se, o município afirmou que "as horas de trabalho pedagógico coletivo são obrigatórias nos termos das normas municipais", mas ressaltou que a negativa da trabalhadora em participar dessas reuniões "representa recusa a obrigação a todos imposta, nos termos do art. 5º, VIII, da CF". Aponta que tal conduta pode gerar, inclusive, dispensa por justa causa.
Para o Juízo de primeira instância que proferiu a sentença e que julgou improcedentes os pedidos da professora, "as horas em referência, porquanto de caráter coletivo, não admitem fracionamento" e "está justificada a opção do município, de realizá-las no período noturno, de modo a favorecer a maioria dos professores que mantêm mais de um emprego", afirmou.
Para o relator do acórdão, desembargador Luiz Dezena da Silva "não pairam dúvidas de que o município alterou, de maneira unilateral, o horário designado para as horas de trabalho pedagógico coletivo", mas salientou que o fundamento primordial do pedido da professora repousa no art. 5º, inc. VIII, da Constituição Federal, que diz que "Ninguém será privado de direitos por motivo de crença religiosa ou de convicção filosófica ou política, salvo se as invocar para eximir-se de obrigação legal a todos imposta e recusar-se a cumprir prestação alternativa, fixada em lei". Segundo o acórdão, esse fundamento constitucional "apresenta, de início, uma regra de pleno respeito à crença religiosa e às convicções filosóficas ou políticas do cidadão", e que "o ordenamento jurídico e a atuação estatal deve se pautar, por primeiro, pela consideração às crenças e convicções dos indivíduos, de modo a não permitir discriminação com base nesses parâmetros imateriais".
O colegiado ressaltou, porém, que mesmo a norma "magna" prevê uma exceção à regra, de que "quando o cidadão invocar tais crenças ou convicções como motivação para se eximir de obrigação a todos imposta e, ao mesmo tempo, se recusar a cumprir obrigação alternativa prevista em lei". Nesse sentido, para se configurar a exceção, é preciso que haja "a recusa do indivíduo ao cumprimento de obrigação a todos imposta" e "a existência de obrigação alternativa passível de ser atendida pelo indivíduo e a recusa, por este, ao seu cumprimento substitutivo".
Para o colegiado, é aí que "reside o equívoco do recorrido, quando invoca tão somente a recusa da reclamante no atendimento da obrigação imposta a todos os professores municipais", uma vez que "o requisito inserido ao final do inciso constitucional serve a dar plena garantia à regra maior de não discriminação por motivo religioso ou de convicção política/filosófica". Afinal, "sem uma obrigação alternativa possível, todos os indivíduos poderiam ser coagidos a cumprir obrigações dissonantes das suas convicções pessoais, bastando que elas fossem legalmente impostas a todos", salientou.
No que se refere ao caso concreto, o acórdão ressaltou que o município "em nenhum momento acenou com a existência possível de obrigação alternativa, capaz de substituir a presença da autora nas tais reuniões". Pelo contrário, "insistiu na obrigatoriedade pura e simples de participação nesses eventos, inclusive apontado a possibilidade teórica de a taciturnidade da obreira autorizar sua demissão por justa causa", afirmou.
Para o acórdão, uma vez fixada a premissa de que não há obrigação alternativa passível de cumprimento pela reclamante, o que se tem é que a exceção prevista na norma constitucional não está autorizada. Nesse sentido, então, "não parece absurdo ou despropositado que seja autorizado à reclamante que substitua sua participação nas reuniões por exemplo de sexta-feira pela confecção de relatórios analíticos envolvendo os assuntos tratados na reunião imediatamente anterior".
O colegiado concluiu, assim, em dar provimento ao recurso da reclamante, para reconhecer como justificada a sua ausência às horas de trabalho pedagógico coletivo designadas para o período entre o pôr do sol de sexta-feira e o pôr do sol do sábado, a partir de abril de 2015 (limite objetivo da inicial). Determinou ainda a restituição dos descontos operados a partir disso. "O caráter justificado de tais ausências prevalecerá até a fixação, pelo município, de obrigação alternativa a ser cumprida pela reclamante", afirmou o colegiado, que também condenou o reclamado a restituir à reclamante os valores descontados em virtude das ausências referidas, bem como ao pagamento de honorários advocatícios de 15% sobre o valor da condenação, em favor do sindicato que assiste a reclamante. (Processo 0010661-51.2016.5.15.0061)
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