Quarto painel debate novos desafios da jornada de trabalho
Por Ademar Lopes Junior
Os "Novos desafios da jornada de trabalho" foram o tema do quarto painel do encontro, apresentado pela desembargadora Maria Madalena de Oliveira, e que contou com a participação da desembargadora do TRT-1 (RJ) Vólia Bomfim Cassar, e da ministra do Tribunal Superior do Trabalho (TST), Kátia Magalhães Arruda.
A primeira palestra, conduzida pela desembargadora Vólia Cassar, abordou as principais mudanças trazidas pela nova reforma trabalhista (Lei 13.467/17) no que se refere à jornada de trabalho, especificamente no que diz respeito a oito itens: tempo à disposição, fim das horas "in itinere", mudança do contrato por tempo parcial, compensação de jornada, flexibilização da jornada e intervalo, teletrabalho, supressão de intervalo e prorrogação do trabalho insalubre sem licença prévia. A magistrada afirmou, logo de início, que procuraria não assumir uma posição pessoal sobre as mudanças, mesmo assim, destacou que dos 117 artigos da CLT que sofreram alteração com a reforma, 77 são de direito material e desses, apenas sete são favoráveis aos trabalhadores. Com essa informação, a palestrante disse não ter dúvidas de que a reforma trabalhista "veio para flexibilizar o direito do trabalho". No que diz respeito às discussões jurídicas sobre a aplicação da lei, a magistrada afirmou que adotou o entendimento de que a nova lei se aplica aos contratos em curso, salvo nos casos em que se comprova a redução de salário.
A palestrante, que também é mestre em Direito Público pela Universidade Estácio de Sá (Unesa), doutora em Direito e Economia e pós-graduada em Direito do Trabalho, Processo Civil e Processo do Trabalho pela Universidade Gama Filho (UGF), e mestre em Direito Público pela Universidade Estácio de Sá (Unesa), destacou, no que se refere ao tempo à disposição do empregador (art. 4º, § 2º), o que ela considera a "primeira grande modificação trazida pela reforma". Ela destaca que o texto não considera como período extraordinário o tempo que exceder a jornada normal, quando o empregado, por escolha própria, permanecer nas dependências da empresa para exercer atividades particulares (incluindo nesse sentido a troca de roupa ou uniforme, quando não houver obrigatoriedade de realizar a troca na empresa). Para a magistrada, a lei não é clara ao elencar atividades praticadas pelo empregado, além da jornada, por escolha própria, dentro da empresa, e por isso é preciso adotar uma "interpretação extensiva", seguindo o princípio (ainda não revogado) do "in dubio pro misero", enquanto a doutrina e a jurisprudência não firmarem entendimento.
Com relação ao fim das horas "in itinere" e ao tempo parcial (art. 58, § 2º), a desembargadora comentou que a nova lei contraria o entendimento do TST (cancelamento de parte da Súmula 366 do TST, das Súmulas 90, 320 e da Súmula 429 do TST), mas lançou a dúvida a respeito da Súmula 118. Quanto ao tempo parcial (art. 58A, § 3º, 5º a 7º), aquele que pela nova lei não exceda 30 horas semanais (sem possibilidade de horas suplementares semanais) ou o que não exceda 26 horas semanais (com a possibilidade de acréscimo de até seis horas semanais), a magistrada ressaltou a falta de horas extras para esses contratos, bem como a revogação do art. 130A da CLT. Para a palestrante, é possível admitir uma "reformatio in pejus", porém alertou para o fato de que a lei não pode afrontar a Constituição.
A palestrante também discorreu sobre as demais mudanças, no regime de compensação de horas, e quanto ao teletrabalho, o conceito, segundo a magistrada, estaria equivocado, considerando-se a exclusão do capítulo "Da duração do trabalho" e por fim, questionou se seria do trabalhador a responsabilidade pela doença profissional e acidente de trabalho. Por fim, a magistrada encerrou sua exposição falando sobre os bancos de hora (art. 59), que com as mudanças promovidas pela reforma, tirou do empregado o domínio de sua jornada, e ainda sobre o regime de 12 x 36h (art. 59A) e da prevalência da convenção coletiva e do acordo coletivo de trabalho sobre a lei (art. 611), o que segundo ela contraria todo o entendimento da Organização Internacional do Trabalho (OIT).
A segunda palestrante do painel, a ministra Kátia Magalhães Arruda, que também é doutora em Políticas Públicas pela Universidade Federal do Maranhão e mestre em Direito Constitucional pela Universidade Federal do Ceará, além de coordenadora do Programa Nacional de Combate ao Trabalho Infantil, do TST, e membro da Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados do Trabalho (ENAMAT), fez uma apresentação menos técnica (sem a abordagens de artigos da reforma trabalhista), porém se aprofundou num passeio histórico sobre a evolução do direito do trabalho, traçando assim um paralelo sobre os avanços alcançados nos últimos 300 anos, mas com foco principalmente no retrocesso trazido pela Lei 13.467/17.
Para a magistrada, os tempos atuais "servem para uma revisão de conceitos e de estudo de questões que sempre foram básicas e que, agora, parecem desmoronar".
Num panorama histórico, traçado a partir do fim do século XVII, quando o médico italiano Bernardino Ramazzini fez as primeiras correlações científicas entre jornada de trabalho excessivo e perda da saúde, a ministra Kátia relembrou os avanços trazidos em 1802 pelo Moral and Health Act, primeiro ato em defesa de práticas humanitárias, em pleno período da Revolução Industrial, na Inglaterra, em favor dos trabalhadores menores, proibindo o trabalho noturno e diminuindo a jornada diurna.
Nessa esteira, a magistrada destacou também outros marcos na conquista dos direitos trabalhistas, como a limitação da jornada de trabalho em 10 horas, em 1847, a melhor jornada de trabalho de 8 horas (1876) e a confirmação dos direitos dos trabalhadores pela encíclica Rerum Novarum, escrita pelo Papa Leão XIII em 15 de maio de 1891. A limitação da jornada de trabalho é, assim, segundo a palestrante, um tema da maior importância no direito do trabalho, e sempre esteve vinculada à saúde do trabalhador. Ela lembrou que o assunto foi tema da primeira Convenção da OIT e, o Brasil, desde 1932, garante jornada de 8 horas, e essa garantia se deve, fundamentalmente, a razões sociais (trabalhador é um cidadão), econômicas(rendimento do trabalho é maior em jornadas limitadas) e biológicas (esgotamento da saúde traz prejuízos econômicos).
Em contrapartida, o aumento da jornada acarreta mais acidentes, o que impacta frontalmente no próprio Estado. E por isso, para a magistrada é que causa muito estranhamento "esse louvor à jornada de 12 x 36h", que representa na verdade um retorno de 300 anos na história.
A ministra encerrou sua exposição apontando dados que situam o Brasil, de forma contraditória, entre as 10 maiores economias do mundo e, ao mesmo tempo, entre os 10 países de maior desigualdade social. Por isso ela defendeu a ideia de pleno desenvolvimento e não simplesmente de um crescimento econômico.
A magistrada defendeu, por fim, que apesar de toda essa "desconstrução do direito do trabalho", com redução de direitos sociais e insegurança jurídica, os brasileiros, que ainda sofrem com a "falta de um projeto de nação", ainda podem contar com sua Constituição Federal, um farol que aponta para novos paradigmas.
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