TRT e MPT firmam parceria para implementar o projeto Cidadão Aprendiz, voltado a jovens e adolescentes em vulnerabilidade socioeconômica
Por Patrícia Campos de Sousa
O presidente do TRT da 15ª Região, desembargador Fernando da Silva Borges, e a procuradora do trabalho Ana Raquel Machado Bueno de Moraes, do Ministério Público do Trabalho (MPT) em Araçatuba (SP), firmaram nesta sexta-feira (2/2), em audiência pública realizada na cidade, um termo de cooperação técnica visando promover a formação profissional, na condição de aprendizes do projeto Cidadão Aprendiz, de adolescentes e jovens do município em situação de vulnerabilidade socioeconômica, bem como daqueles em acolhimento institucional – que cumprem medida socioeducativa em meio aberto ou em semiliberdade – ou egressos da Fundação Casa. A parceria envolveu ainda o Ministério do Trabalho, o Ministério Público de São Paulo, o Tribunal de Justiça do estado, o Município de Araçatuba, a Fundação Casa e o Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial (Senac), instituição responsável pela formação profissional dos aprendizes.
A audiência pública, realizada no auditório do Serviço Nacional da Indústria (Senai) de Araçatuba, contou com a participação de representantes de cerca de 200 empresas da cidade, além de magistrados, promotores, procuradores, advogados, fiscais do trabalho, integrantes do Sistema S, servidores públicos e membros de entidades de assistência social. A iniciativa teve como objetivo reafirmar, perante o empresariado, a importância do cumprimento das cotas de contratação de jovens aprendizes definidas na Lei 10.097/2000, a chamada Lei da Aprendizagem, e estimular a adesão dos empreendedores ao Projeto Cidadão Aprendiz, que visa à contratação prioritária daqueles que mais precisam e ao rompimento das barreiras culturais que dificultam a efetivação dos seus direitos.
A Lei 10.097 determina que empresas de médio e grande porte são obrigadas a contratar de 5% a 15% de aprendizes, percentual calculado sobre o total de empregados cujas funções demandem formação profissional. O contrato de trabalho do aprendiz pode durar até dois anos e, durante esse período, o jovem é capacitado por uma instituição formadora e pela empresa, combinando teoria à prática.
Prioridade para os que mais precisam
A audiência foi aberta pelo juiz Adhemar Prisco da Cunha Neto, coordenador do Juizado Especial da Infância e Adolescência (Jeia) da Circunscrição de Araçatuba. O magistrado, que é titular da 1ª Vara do Trabalho (VT) do município, falou sobre a origem e a meta do projeto, fruto da comunhão de esforços de várias instituições do poder público estadual e municipal. "Nosso foco são os jovens com algum grau de vulnerabilidade social, aqueles que, por uma ou outra razão, não têm a mesma oportunidade de acesso à educação e ao bem-estar socioeconômico. São os que mais precisam de oportunidades para construir um futuro digno."
Dirigindo-se aos empresários, Adhemar disse que a contratação de aprendizes não é um custo, mas sim um investimento em pessoal qualificado. "Eu acredito muito no projeto. Acho que o juiz tem de sair do gabinete e participar mais da vida da sociedade. Usar a força da instituição como agente transformador. Nós damos os meios, e os senhores podem abraçar essa ideia", concluiu o juiz.
"Da obrigação legal de cumprimento das cotas de aprendizes você já sabem. Nosso objetivo aqui é falar não só do dever legal, mas também da responsabilidade social dos senhores em dar uma oportunidade a esses adolescentes, criados em uma estrutura familiar complicada, que precisam ter a autoestima resgatada. Não podemos fechar as portas para eles", afirmou, por sua vez, a procuradora Ana Raquel, à frente do projeto desde o seu início. Ela reafirmou o empenho do MPT em fazer cumprir a Lei de Aprendizagem e disse que o órgão está disposto a negociar com as empresas inadimplentes. "Eventuais multas impostas em decorrência do descumprimento da lei podem, por exemplo, ser canceladas em razão da adesão da empresa ao programa Cidadão Aprendiz."
Representando o procurador-geral do Ministério Público de São Paulo, Gianpaolo Poggio Smanio, o promotor da Infância e Juventude de Araçatuba, Joel Furlan, ressaltou a segurança do projeto e conclamou todos a romperem com o preconceito. "O perfil dos adolescentes da Fundação Casa na cidade não é violento. A maioria está internada por tráfico de drogas, por trabalhar para os traficantes, ou seja, são também vítimas dessa situação." Segundo ele, o poder público "prende bem", mas pouco tem feito em termos de prevenção, como prover os bairros pobres de uma infraestrutura de serviços adequada e promover a educação e a formação profissional dos jovens que neles habitam.
Também pediram a adesão ao projeto o gerente regional do Ministério do Trabalho em Araçatuba, Marcos Antônio Figueiredo, e o juiz Adeilson Ferreira Negri, juiz titular da 2ª Vara das Execuções Criminais e Anexo da Vara da Infância e Juventude da cidade, que deu um depoimento emocionante sobre sua história de vida. Tendo iniciado no trabalho como aprendiz, aos 14 anos, ele atribuiu ao fato de contar com uma estrutura familiar firme a possibilidade de ter chegado à Magistratura.
Mãos unidas
Falando em nome do Poder Executivo de Araçatuba, a vice-prefeita Edna Flor lembrou que entre os direitos assegurados no artigo 4º do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) está o de profissionalização. "Precisamos buscar novos caminhos para nossas crianças e adolescentes. O Estatuto tem de valer para as crianças das periferias pobres da cidade. Esse é o momento de renovar as esperanças. Acredito na força das mãos unidas. Poder público, entidades sociais, sistema S, sindicatos patronais e de trabalhadores."
Representando o secretário de Justiça e da Defesa da Cidadania de São Paulo e presidente da Fundação Casa, Márcio Fernando Elias Rosa, o diretor regional oeste da instituição, Júlio César Padovan, contou que a Fundação recebe cerca de 150 adolescentes por ano com histórico de violência e negligência, dos quais apenas 5% são meninas. A taxa de reincidência, informou, é de cerca de 20%. "Sem acesso a políticas públicas, vivendo num submundo, esses jovens sofrem a influência do crime organizado. Na Fundação Casa, porém, eles têm acesso a educação, cultura, saúde, esporte e também a profissionalização, graças a esse convênio com o Senac de Araçatuba, retaguarda fundamental ao trabalho realizado". Segundo Padovan, o projeto logo será replicado em outros municípios. "Em Marília, já em agosto; depois em Bauru, Presidente Prudente e Rio Preto."
Marlene dos Santos Zequin, gerente do Senac de Araçatuba, ressaltou, por sua vez, que o Programa Cidadão Aprendiz visa não apenas à qualificação profissional dos jovens e adolescentes internos e egressos da Fundação Casa, mas também ao resgate de sua cidadania, para que tenham conhecimento dos seus direitos. "Temos 20 turmas por ano, de 20 a 30 alunos, em Araçatuba e cinco turmas em Birigui. Da turma que começou ano passado, seis estão ligados ao Projeto, dos quais três cumprem medidas socioeducativas. Temos hoje uma rede de proteção integrada."
Um dos pontos altos do evento foi o depoimento de Antônio de Vizo, proprietário da rede de supermercados Rondon, pioneiro na adesão ao projeto. "Eu já estava cumprindo a minha cota legal de aprendizes, mas resolvi participar desse projeto piloto. Aderi de coração. Inicialmente tive receio, mas deu tudo certo. Não tenho nenhuma restrição", garantiu o empresário. Em nome das instituições ali representadas, o juiz Adhemar entregou a Vizo um certificado de reconhecimento pela "imprescindível parceria" e pediu que o seu exemplo seja seguido por outras empresas e em outras cidades.
Integrante do MPT em Campinas, o procurador do trabalho Ronaldo José de Lira falou sobre a possibilidade de empresas que atuam em atividades insalubres ou perigosas – como vigilância, por exemplo – negociarem a contratação de aprendizes para realizar atividades no Fórum, na Prefeitura ou em outro órgão público, ou seja, para cumprirem a cota de forma indireta. "Se a empresa tiver interesse de contratar nessa modalidade, o Ministério do Trabalho fará o encaminhamento. Isso já tem sido feito com sucesso em outros estados."
Em seu discurso, o desembargador João Batista Martins César, presidente do Comitê de Erradicação do Trabalho Infantil e de Estímulo à Aprendizagem da Justiça do Trabalho da 15ª Região, parabenizou o juiz Adhemar por se aproximar da sociedade araçatubense. "Nosso país somos nós aqui, que lutamos pela transformação, e não o Brasil que a TV mostra. A Coreia do Sul já mostrou que a educação é a mola propulsora de uma sociedade. Após pesados investimentos em educação no final da década de 1960, o país, a despeito do pequeno território, tem um PIB do tamanho do brasileiro. A aprendizagem é essa porta. Estamos perdendo a genialidade de nossos jovens para o crime organizado. Abram essa porta", conclamou o magistrado.
Engajamento
Encerrando a série de pronunciamentos, o desembargador Fernando Borges elogiou a iniciativa pioneira de Araçatuba, cidade onde iniciou sua carreira como servidor da Justiça do Trabalho. Ele disse que o TRT-15 há muito está engajado não só no combate ao trabalho infantil e no encaminhamento dos adolescentes maiores de 14 anos à aprendizagem profissional, mas também na luta em favor do trabalho decente e da segurança no trabalho. "São áreas sociais em que o Tribunal atua com efetividade. Somos o único regional trabalhista que instalou Jeias. Mas tem de haver engajamento também das outras instituições e, principalmente, dos empresários. A Constituição Federal de 1988 é muito clara quanto à função social das empresas. O proprietário do supermercado Rondon mostrou bem isso."
O presidente do TRT lembrou ainda a iniciativa da administração do colega Lorival Ferreira dos Santos, presidente do TRT no biênio 2014-2016 e também presente ao evento, de engajamento do Tribunal em projeto para convencer o empresariado a promover o primeiro emprego dos meninos e meninas afrodescendentes, que enfrentam grande discriminação. Destacou também o projeto Aprendizes da Justiça, implementado em Ribeirão Preto, que propõe a contratação de aprendizes para atuar em unidades judiciárias, e prometeu implantá-lo também no Fórum Trabalhista de Campinas. "O que se faz agora com as crianças é o que elas farão depois com a sociedade", concluiu o magistrado, citando o sociólogo húngaro do século XIX Karl Mannheim.
Participaram ainda da audiência, entre outras autoridades, o desembargador do trabalho João Alberto Alves Machado, os juízes Alcione Maria dos Santos Costa Gonçalves, titular da 2ª VT de Araçatuba, e José Roberto Dantas Oliva, titular da VT de Presidente Venceslau, membro da Comissão Nacional do Programa de Combate ao Trabalho Infantil e de Estímulo à Aprendizagem da Justiça do Trabalho e coordenador do Jeia da Circunscrição de Presidente Prudente, o juiz diretor do Fórum da Comarca de Araçatuba, Emerson Sumariva Júnior, representando o presidente do TJSP, desembargador Manoel de Queiroz Pereira Calças, e o diretor do Senai de Araçatuba, Aparecido Dias de Souza.
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