Violações da dignidade da pessoa humana no contexto do trabalho escravo contemporâneo são tema de palestra no TRT-15
O seminário "Trabalho escravo contemporâneo e tráfico de pessoas: dilemas e experiências na justiça criminal", realizado na última sexta-feira, 3/8, no Tribunal Regional do Trabalho da 15ª Região (TRT-15), contou com a palestra "Dignidade da Pessoa Física: Fluxo Migratório, Trabalho Escravo e Discriminação", ministrada pelo professor Ricardo Rezende Figueira, que é doutor pelo programa de pós-graduação em Ciências Humanas, com ênfase em antropologia, da Universidade Federal do Rio de Janeiro.
O seminário é uma iniciativa do Comitê Regional de Erradicação do Trabalho Escravo, Tráfico de Pessoas e Discriminação do TRT-15 para marcar o Dia Mundial de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas, celebrado em 30 de julho, e foi promovido pelo TRT-15 com apoio da Escola Judicial da 15ª Região (Ejud).
A apresentação da palestra ficou a cargo da desembargadora Helena Rosa Mônaco da Silva Lins Coelho, vice-presidente administrativo do TRT-15, que agradeceu a presença de todos e registrou a profunda capacidade acadêmica do palestrante. Porém, a magistrada ressaltou que "o mais importante, além de todo esse conhecimento técnico, é o lado humano do professor, porque ele vivenciou todas estas situações por longos anos", e concluiu que a experiência de vida do professor Ricardo Rezende Figueira, que foi padre na Diocese de Conceição do Araguaia (Tocantins), com atuação na Comissão Pastoral da Terra (CPT) em meio aos conflitos agrários da região, seria fundamental para a reflexão sobre o tema.
Desumanizar para escravizar
Ricardo Rezende Figueira, que é graduado em Filosofia pela Universidade Federal de Juiz de Fora (MG) e tem mestrado em Ciências Sociais em Desenvolvimento, Agricultura e Sociedade pela Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro, afirmou que um dos mecanismos para legitimar a escravidão é a desqualificação do outro. Nesse pensamento, o "outro é menor do que eu, não é igual a mim e não goza da minha humanidade". Assim, o ser humano escravizável é "o outro, por ser estrangeiro, por ser de outra nacionalidade, ser de outra etnia, por ter a cor de pele diferente, por ter uma religião distinta ou, ainda, porque é pobre". Ele sublinhou também que "a discriminação de cor é um forte componente na escravidão do passado e do presente".
Destacando o descumprimento da legislação pelo próprio Estado brasileiro, que permitiu que mais de 750 mil escravos africanos fossem trazidos ao país no período de 1831 a 1850, já na vigência da Lei Feijó, de 7 de novembro de 1831, que dispunha que "Todos os escravos, que entrarem no territorio ou portos do Brazil, vindos de fóra, ficam livres", o palestrante afirmou que o fim do tráfico de escravos só se consumou com a ameaça da Inglaterra de capturar ou afundar os navios negreiros. E concluiu que "nós tivemos aqui um momento muito intenso de tráfico ilegal sob os olhos e a cumplicidade das autoridades".
Em relação à Lei de Terras, de 1850, que estipulou que "Ficam prohibidas as acquisições de terras devolutas por outro titulo que não seja o de compra", o palestrante citou o sociólogo José de Souza Martins, que escreveu que o regime escravocrata, "pensando na liberdade dos negros, aprisiona as terras". Assim, o acesso à terra não se dava mais pelo trabalho, mas pela compra, o que impediu o acesso "tanto para os negros que poderiam ser libertos como para os chamados trabalhadores livres".
Ao citar os imigrantes europeus, que chegavam com a dívida do custo do transporte marítimo, somada à necessidade de comprar comida na fazenda em que trabalhavam e de adquirir as próprias ferramentas de trabalho, Ricardo Rezende afirmou que "nesse sistema, quanto mais tempo os trabalhadores ficavam na fazenda maior era a dívida", eternizando a servidão. O palestrante disse, ainda, que os trabalhadores imigrantes passaram a ser "descartáveis", pois no caso de morte o "prejuízo era menor", ao contrário dos escravos, que eram considerados patrimônio do fazendeiro. Ricardo Rezende disse que esta categoria de trabalhadores "descartáveis" também é uma das marcas da escravidão contemporânea.
Outra característica do trabalho escravo moderno para o palestrante é a "superabundância de mão de obra facilmente aliciável, em função da pobreza, da miséria e do desemprego". O pesquisador disse que, graças ao modelo econômico vencedor, "há uma quantidade enorme de pessoas existentes no mundo que vive uma angústia que nenhuma geração viveu, que é a geração para a qual não existe e não existirá trabalho", e que as soluções apresentadas pelos Estados limitam-se a medidas de segurança, com aumento da força policial, das forças armadas e um alto grau de vigilância social. Mas registrou que o "Estado não tem o poder de conferir essa segurança sem oferecer segurança na área do trabalho e da previdência social".
Ao encerrar a palestra, a desembargadora Helena Rosa Mônaco da Silva destacou que os temas tratados no evento, relativos ao respeito à dignidade da pessoa humana, à exploração do trabalho do homem pelo homem e ao preconceito de todas as formas são "sensíveis e até mesmo penosos", e traçou um paralelo com a manhã fria e chuvosa daquele dia em Campinas para afirmar que "o mundo chora até hoje por conta deste tipo de situação que estamos vivendo".
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