Violência no trabalho é tema do seminário no TRT-15 sobre saúde e segurança do trabalhador
Por: Roberto Machini
A violência no ambiente laboral foi o tema do 2º painel do seminário "Os desafios na proteção à saúde e segurança do trabalhador em face da reforma trabalhista", promovido em 27/4 pelo Comitê Regional do Trabalho Seguro do TRT-15 com apoio da Escola Judicial da Corte. Apresentada pela desembargadora Gisela Rodrigues Magalhães de Araujo e Moraes, vice-presidente judicial do Tribunal no biênio 2014-2016, a atividade teve como painelistas Ney Stany Morais Maranhão, juiz titular da 2ª Vara do Trabalho de Macapá (TRT da 8ª Região/PA-AP) e membro do Comitê Gestor Nacional do Programa Trabalho Seguro no biênio 2016-2018, e José Roberto Montes Heloani, professor titular e pesquisador da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas) na área de Gestão, Saúde e Subjetividade e livre-docente em Teoria das Organizações.
A relação de emprego como microcosmo facilitador de contextos de vulnerabilidade
Ney Stany Morais Maranhão, que também é doutor em Direito do Trabalho pela Universidade de São Paulo e professor do Curso de Direito da Universidade Federal do Pará (graduação e pós-graduação), registrou que "falar de violência é reconhecer o que nós já sabemos por sentir na pele", e enfatizou que violência laboral não é só a agressão física, mas sobretudo a verbal e a psicológica.
O juiz apontou três fatores inerentes ao vínculo de emprego que potencializam as condições de vulnerabilidade do trabalhador. O primeiro é o fato de o contrato de trabalho ser marcado pela relação de continuidade, que, para o palestrante, tende a "suscitar contextos de fragilidade". O segundo é que, na relação empregatícia, há mais do que uma contratualidade stricto sensu, mas uma verdadeira "faceta existencial", posto que o empregado depende do salário. Por último, a subordinação jurídica acirra esse contexto de fragilidade, pois o empregador detém uma série de prerrogativas sobre o empregado. Desse modo, o palestrante concluiu que, "quando você tem na relação de emprego a junção do signo da continuidade, o elemento da vinculação existencial e um contexto jurídico que está assentado numa assimetria contratual, você tem um microcosmo facilitador de contextos de vulnerabilidade, prenhe de possibilidades de violência".
Meio ambiente de trabalho e violência
Ney Maranhão chamou a atenção para a influência do meio ambiente de trabalho nas situações de vulnerabilidade. Ele afirmou que "a organização, as condições de trabalho e a qualidade das relações interpessoais suscitadas nesse microcosmo social são, em regra, estabelecidos de forma unilateral por aquele que detém os meios de produção" e podem se constituir em importantes fatores de risco para o estabelecimento do arbítrio e, por consequência, de assédio e de outras formas de violência.
Para o magistrado, é necessário implementar a disposição constitucional no sentido de que um meio ambiente de trabalho equilibrado é um direito fundamental do trabalhador, nos termos do artigo 7º, XXII, da Constituição Federal de 1988. Ele disse também que o Estado precisa cumprir "o seu papel de legislar fazendo interferências legítimas nas relações privadas para compensar juridicamente essa assimetria socioeconômica natural do vínculo de emprego", além da necessária participação direta dos trabalhadores, "pois os avanços que tivemos no campo do meio ambiente de trabalho estão diretamente relacionados à possibilidade de imprimir uma tônica democrática dentro da organização de trabalho".
No que tange às modificações trazidas pela Reforma Trabalhista (Lei 13.467/2017), Ney Maranhão afirmou que houve uma ampliação dos riscos a que estão submetidos os trabalhadores. Como exemplo, citou a inversão do ônus da prova quanto ao labor insalubre vedado às gestantes. Ele disse que, com a nova legislação, se a gestante estiver sujeita a um labor com níveis mínimo ou médio de insalubridade, fica presumida a inoquidade do meio ambiente do trabalho, cabendo à trabalhadora provar que aquelas condições são nocivas para a sua saúde e a de sua criança. Para o palestrante, tal disposição é "uma inversão indevida de papéis, pois o ônus técnico de avaliação dos riscos ambientais trabalhistas, quaisquer que sejam, está e sempre estará nas mãos do empregador, sendo dele o dever de promover o equilíbrio no ambiente de trabalho".
A desembargadora Gisela Rodrigues Magalhães de Araujo e Moraes frisou a importância da distinção entre local e meio ambiente de trabalho, tal como feita pelo palestrante, que definiu o segundo como um elemento sistêmico, complexo, intrinsecamente humano e que deve ser analisado dentro do microcosmo de trabalho. Para a magistrada, em outras palavras, isso significa que "é necessário haver uma adequação do ambiente laboral para que o trabalhador possa, de uma forma real e justa, exercer a sua atividade", e destacou que "esse equilíbrio é a própria premissa do trabalho, que deve ter uma condição segura, saudável e, acima de tudo, respeitosa".
Violência invisível e hematomas na alma
José Roberto Montes Heloani iniciou sua apresentação mostrando fotos de hematomas em dois trabalhadores e perguntando: "Quais crimes hediondos eles cometeram para serem marcados como gado?". No primeiro caso, esclareceu, o empregado havia reivindicado o pagamento de salários atrasados; no outro, a trabalhadora tinha resistido a assédio sexual. Na verdade, porém, o palestrante usou as imagens para chamar a atenção para o crescente número de violências não tão explícitas, mas também cometidas no ambiente de trabalho e que criam, na subjetividade de quem recebeu a ofensa, "um hematoma que custa meses, anos, décadas para sumir. E muitas vezes não desaparece..."
O professor disse que as imagens dos ferimentos são, sim, terríveis, porém fáceis de identificar, inclusive para fins de direito. Mas questionou, e as "discriminações que nós sofremos no ambiente de trabalho? E quando o sujeito é tratado de forma diferente pela cor da pele? E quando a mulher, embora dedicada, tal como seu colega homem, recebe até 40% a menos? E quando a mulher tem que optar entre ser uma excelente funcionária ou ser mãe, caso contrário não será promovida? Isso não é uma forma de violência? Isso não fere a alma? Isso não causa transtornos mentais?".
O palestrante citou que o Brasil é o segundo país no mundo em número de clínicas de reprodução assistida, segundo ele porque, devido à discriminação profissional, as mulheres postergam a maternidade para poder ascender na carreira. Ele disse também que há empresas "que fazem um verdadeiro rodízio no que concerne à maternidade. Obviamente nada por escrito, mas é sabido de forma subliminar quem pode e quem não deve engravidar". Para o pesquisador, que também é doutor em Psicologia pela PUC/SP e tem pós-doutorado em Comunicação pela USP, todas essas situações são formas de violência invisíveis.
Assédio horizontal e Consenso de Washington
O professor criticou o atual modelo gerencial produtivo de cobrança por metas e avaliação por resultados, no qual não haveria análise do processo. Para ele, nesse modelo não importa como o trabalhador atingiu o resultado. "Como é que você chegou lá é problema seu. Se você enlouqueceu, se separou, se destruiu sua família... não interessa!". O palestrante acrescentou ainda que "nós trabalhadores introjetamos e reproduzimos essa lógica", o que explicaria a destruição dos laços de solidariedade e o crescimento dos casos de assédio moral horizontal, que envolvem empregados entre os quais não há relação de hierarquia.
Heloani disse que essa lógica foi construída na década de 1980 nos países capitalistas centrais, com participação ativa de grandes corporações multinacionais e do capital financeiro, que buscavam uma reorganização do chamado Estado de Bem-Estar Social, com a eliminação de uma série de garantias dos trabalhadores e o estabelecimento de um Estado mínimo. Para o pesquisador, o chamado Consenso de Washington chegou ao Brasil nos anos 1990 e "agarrou-se de forma neurótica às organizações privadas e foi transposto acriticamente para o setor público". Em virtude de tais circunstâncias, o professor afirmou que "nós vamos ter uma organização do trabalho que, de per si, gera riscos psicossociais e cria uma cultura organizacional eminentemente competitiva", e concluiu dizendo que "é isso que nos adoece, é isso que faz com que nós nos sintamos sozinhos, é isso que produz assédio moral", pois "você não confia em mais ninguém, você é obrigado a representar o tempo todo. É esse cinismo que nos enlouquece, porque a toda hora você não consegue ser você mesmo".
Elogiando a eloquência do palestrante, a desembargadora Gisela Rodrigues Magalhães de Araujo e Moraes disse que o discurso do professor José Heloani foi "forte, lúcido, verdadeiro e emocionante". Ela também parabenizou os organizadores do seminário e agradeceu o convite feito pelos desembargadores Manoel Carlos Toledo Filho e Lorival Ferreira dos Santos para mediar o debate.
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