Com participação do ministro Luiz José Dezena da Silva, do TST, último painel do Congresso do TRT-15 discute o futuro do contrato de trabalho
"Diante de tudo o que já foi debatido aqui nestes dois dias de encontro, esse tema se mostra de suma relevância. Na era digital em que estamos vivendo, o modelo atual de contrato de trabalho tem futuro? E quanto às novas modalidades de trabalho, como o home office? Como seria realizada a fiscalização da jornada e dos intervalos?" Com essas ponderações, o ministro Luiz José Dezena da Silva, do Tribunal Superior do Trabalho (TST), deu início ao 5º e último painel do 19º Congresso Nacional de Direito do Trabalho e Processual do Trabalho do Tribunal Regional do Trabalho da 15ª Região, nesta sexta-feira, 7 de junho, em Paulínia. Para discutir as perspectivas e dilemas das novas formas de contratação e como o Direito do Trabalho regulará essas relações foram convidados os painelistas Nelson Mannrich, livre-docente em Direito pela Universidade de São Paulo (USP), José Francisco Siqueira Neto, professor titular do programa de pós-graduação em Direito Político e Econômico da Faculdade de Direito da Universidade Presbiteriana Mackenzie, e João Leal Amado, professor associado da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, de Portugal.
Ainda que por caminhos distintos, os três professores chegaram à conclusão de que o contrato de trabalho deve permanecer ainda como o principal instrumento de ajustamento das relações dessa natureza. Contudo, eles apontaram, também de forma uníssona, que o emprego clássico, por prazo indeterminado e com subordinação jurídica plenamente caracterizada, está fadado a desaparecer e será substituído por outras modalidades de relações de trabalho. Outro aspecto que chamou a atenção na fala dos três painelistas foi o de que a sociedade, por meio do canal político, é que deverá se pronunciar pelo maior ou menor alcance da Justiça do Trabalho na regulação dessas novas modalidades de contrato de trabalho.
A crise veio para ficar
Nelson Mannrich disse que a crise atual do modelo de contratação data dos anos de 1970, com o fim do período de forte crescimento econômico em meio à crise do petróleo, "que destruiu o modelo protetivo da relação de emprego regulado pelo Direito do Trabalho e, com base no fim da verticalização das empresas [conceito no qual toda a produção está sob a inteira responsabilidade da própria empresa], instituiu o processo de flexibilização da produção e consequente terceirização do trabalho". Contudo, ele destaca que esse processo "impulsionou ganhos de competitividade e de produtividade".
O livre-docente da USP afirmou que os robôs e a inteligência artificial são os grandes aniquiladores de emprego, mas, otimista, disse que "a destruição criativa de emprego poderá gerar inúmeras novas formas de ocupação". Como exemplo ele citou o emblemático fim das atividades de produção de carruagens nos fins do século XIX, registrando o aumento exponencial no nível de emprego com a nascente indústria automobilística, que substituiu aquela atividade. Outro aspecto relacionado por Mannrich às consequências da aplicação tecnológica nas relações de trabalho foi o movimento de repatriação de algumas empresas, "que, graças à robotização, estão voltando para seus países de origem". Ele explicou que os ganhos de produtividade e a redução de custos permitiram que "a indústria têxtil, dizimada nos anos 1990 nos EUA, voltasse ao país depois de ter mandado suas operações para o Terceiro Mundo, passando a ser um setor exportador".
Kondratiev, Schumpeter e Marx
Para tentar explicar o atual momento tecnológico da humanidade, o professor José Francisco Siqueira Neto apresentou a teoria dos "Ciclos longos", do economista russo Nikolai Kondratiev, para quem, a cada período de cerca de 40 a 60 anos, há uma grande descoberta científica que rompe o paradigma anterior e estabelece novos padrões de produção. Assim, ele pontuou os ciclos da 1ª Revolução Industrial, de 1790 a 1850, na qual a máquina a vapor foi a grande catapultadora do desenvolvimento; o período de expansão das ferrovias e da metalurgia, na segunda metade do século XIX; o desenvolvimento do motor à combustão e a descoberta da eletricidade, entre 1896 e 1930; o boom das telecomunicações e da petroquímica, entre 1930 e 1973; e, por fim, o paradigma atual, da telemática, da robotização e da biotecnologia, iniciado nos anos de 1970. Siqueira Neto disse que esse pensamento está presente no Manifesto do Partido Comunista, de Karl Marx, no momento em que, para caracterizar as crises do capitalismo, a obra afirma que "tudo que é sólido desmancha no ar". Entretanto, para Siqueira Neto, essa teoria foi mais bem captada pelo economista austríaco Joseph Schumpeter, que cunhou a expressão "destruição criadora" e anotou que "os ciclos tecnológicos fazem parte da história da humanidade, e estamos agora próximos do fim do paradigma digital".
Citando a precarização do trabalho, medidas da Reforma Trabalhista que considera um retrocesso e a própria colocação em questão, por alguns setores da sociedade, da existência da Justiça do Trabalho, o professor anotou que a saída para a humanidade é "aquela que a gente ama odiar: a política", pois a única forma de "pensar um projeto para o país" é por meio dela.
Robôs não consomem
João Leal Amado disse que o contrato de trabalho tal como o conhecemos é um "produto da 1ª Revolução Industrial, do chão de fábrica e dos operários", e que o elemento essencial dessa relação consistia na subordinação jurídica. Ele concorda que "esse contrato de trabalho por tempo indeterminado está em crise", mas asseverou que há uma série de modalidades de contratação em plena expansão, cujas características de "parasubordinação e de dependência econômica" os atraem para a órbita de regulação do Direito do Trabalho. Como exemplo, citou a condição de motoristas de aplicativos, dizendo não acreditar que "cada um seja um microempresário", mas que, de fato, trata-se de um tipo de trabalhador mais flexível, cuja relação de trabalho híbrida pode e deve ser regulada pelo Direito do Trabalho.
Sobre a perspectiva de fim do trabalho humano, o especialista português disse que "o progresso vai destruir milhares de empregos" e que a velocidade de destruição continuará a ser maior do que a de criação de novas ocupações, mas que, se a sociedade, por meio do poder político, tomar o processo em suas mãos, o progresso técnico pode ser uma "fonte de libertação da humanidade" do trabalho repetitivo, sacrificante e penoso. Para simbolizar o paradoxo de nosso tempo, no qual o aumento da produtividade pela tecnologia impõe o corte de postos de trabalho, João Leal Amado contou a história de um industrial que percorria a área de produção automatizada de sua fábrica e que teria dito a um sindicalista, em tom de provocação, que "os robôs não contribuem para o sindicato", com o que o sindicalista respondeu: "Eles também não compram seus produtos".
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