Desafios para a inclusão social de negros no Brasil são tema de seminário no TRT-15
"É muito comum ouvirmos falar sobre o problema negro, sobre a questão negra. Nós não somos o problema. Somos a solução para o desenvolvimento do Brasil", destacou, no início da segunda metade do Seminário Racismo Estrutural, o professor da Fundação Visconde de Cairu e pesquisador da temática sociorracial, Hélio Santos, que proferiu palestra com o fundador e reitor da Faculdade Zumbi dos Palmares, José Vicente. Eles foram os responsáveis por analisar as políticas de ação afirmativa e a inclusão social dos afrodescendentes no Brasil. O evento foi realizado na manhã de sexta-feira (28/6) no plenário do Tribunal Regional do Trabalho da 15ª Região, com a participação de mais de 350 magistrados, procuradores, advogados, servidores, estudantes e outras pessoas interessadas no tema.
Em mesa coordenada pelo presidente da Comissão da Verdade sobre a Escravidão Negra no Brasil da subseção da OAB de Campinas, o advogado Ademir José da Silva, o professor Hélio Santos escolheu o desenvolvimento como tema central de sua análise sobre as ações afirmativas. "Não há um único país do mundo que tenha se desenvolvido deixando de lado uma parcela expressiva da população", destacou.
Para o professor, as barreiras atuais para o desenvolvimento do Brasil ainda são um desdobramento do 14 de maio de 1888, dia seguinte à sanção da Lei Áurea. "A lei possui apenas dois artigos. O primeiro diz, em português arcaico, que é declarada extincta a escravidão no Brasil. O segundo revoga todas as disposições em contrário. Faltou um artigo, aquele que diria que a coroa deveria desenvolver um grupo de trabalho para tratar da inclusão dos libertados de uma forma que o desenvolvimento fosse harmonioso. Ali era o momento de fazer a mudança", ressaltou.
De acordo com o professor Hélio, as cotas são uma metodologia das políticas de ação afirmativa, que têm como objetivo reparar erros do passado no presente. Elas existem na legislação brasileira há décadas. Em 1931, o decreto nº 20.291 exigia que em cada estabelecimento com três ou mais empregados fosse mantida uma proporção de 2/3 de brasileiros para 1/3 de estrangeiros. Na educação, uma dos primeiros atos instituindo cotas foi a Lei nº 5.465, de 3 de julho de 1968, conhecida como a "Lei do boi". Ela reservava 50% das vagas de ensino médio agrícola e das escolas superiores de agricultura e veterinária mantidas pela União para filhos de proprietários rurais. "As cotas existem há muito tempo. Elas só se tornaram motivo de polêmica quando começaram a beneficiar negros", afirmou.
Zumbi tem poder
O último painel do seminário foi coordenado pelo desembargador Lorival Ferreira dos Santos, presidente do TRT-15 no biênio 2014-2016, com palestra do reitor da Faculdade Zumbi dos Palmares, José Vicente, que tratou da inclusão social de afrodescendentes. "Nós, negros, brasileiros, temos gratidão pela coragem e pelo compromisso deste Tribunal, desembargador Lorival, de ter sido o primeiro a incluir cotas para negros nos concursos da magistratura. Durante a sua administração, o senhor teve a coragem que nenhum político teve", frisou José Vicente.
Além do trabalho realizado pelo TRT-15, José Vicente apresentou aos participantes as ações realizadas pela Faculdade Zumbi dos Palmares, criada em 2004 com o objetivo de diminuir as desigualdades entre negros e brancos. Desde então, a instituição de ensino tem como desafio uma realidade extremamente adversa. De acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, em 2017, apenas 9,3% dos alunos que concluíram graduações no Brasil eram pretos e pardos. Entre a população desempregada, entretanto, no quarto trimestre de 2018, também de acordo com IBGE, 64,6% eram negros. Pesquisa realizada pelo Centro de Estudos das Relações de Trabalho e Desigualdades, em parceria com a Aliança Jurídica pela Equidade Racial, constatou que os negros são menos de 1% entre advogados de grandes escritórios.
"Como os números demonstram, 130 anos depois de tentarmos dar um salto civilizatório, com o fim da escravidão, ainda temos um apartheid na sociedade brasileira. Continuamos separados e desiguais", afirmou José Vicente. Embora a realidade seja adversa, ele ressaltou que o trabalho da Faculdade que coordena tem contribuído para reduzir distâncias. A Zumbi dos Palmares possui atualmente 1.500 alunos, dos quais 80% são negros autodeclarados. Entre os professores, 50% são negros. Em 15 anos de funcionamento, ela formou aproximadamente 2.500 jovens. Desses, 1.200 foram treinados em programas corporativos, com 900 efetivações. "Zumbi tem poder", afirmou.
Os feitos mais recentes da Faculdade Zumbi dos Palmares foram a conquista de dois Leões no Festival de Publicidade de Cannes em 2019. A campanha do livro Caixa Preta ficou com o Leão de Ouro, ao contar histórias de africanos que se destacaram na astronomia, medicina, matemática e outros assuntos. Já a campanha Machado de Assis Real, que esclarece que o mais importante escritor da literatura brasileira era negro, levou o bronze.
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