Dois painéis e leitura da Carta de Campinas encerram seminário do TRT-15 sobre o combate ao trabalho infantil

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A segunda parte do Seminário de Proteção à Criança e ao Adolescente, promovido pelo Comitê de Erradicação do Trabalho Infantil e de Estímulo à Aprendizagem do TRT da 15ª Região e pela Escola Judicial da Corte (Ejud-15), realizado na sexta-feira (26/4), no plenário Ministro Coqueijo Costa, no edifício-sede do TRT-15, contou com dois painéis que trataram da inserção de jovens e adolescentes no mercado de trabalho e de medidas protetivas especiais que devem ser asseguradas a eles no exercício dos contratos de aprendizagem. O evento foi encerrado com a leitura da Carta de Campinas, que reúne os compromissos firmados pelos participantes para a erradicação do trabalho infantil.

 

Antes da retomada das atividades da tarde, os participantes foram recepcionados pela orquestra dos Patrulheiros de Campinas, formada por 38 adolescentes e jovens de 13 a 25 anos, com a regência do maestro Douglas Wagner Vieira. A orquestra encantou o público com a execução de obras clássicas e populares, como o Guarani, de Carlos Gomes, Carinhoso, de Pixinguinha, e Aquarela do Brasil, de Ary Barroso.

A Justiça do Trabalho dá o exemplo

 

"No país de mais de 12 milhões de desempregados, numa sociedade cada vez mais dependente da tecnologia, não é concebível a existência de vagas de trabalho que não são preenchidas por falta de qualificação profissional", alertou a juíza Ana Cláudia Pires Ferreira de Lima, coordenadora do Juizado Especial da Infância e Adolescência (Jeia) da circunscrição de Bauru, que presidiu o 3º painel do dia, que tratou das Boas Práticas da Justiça do Trabalho na Aprendizagem Profissional. A magistrada abriu os debates afirmando que as empresas devem enxergar nas cotas de aprendizagem (obrigação legal de contratar de 5 a 15% do número de trabalhadores existentes em seu estabelecimento como aprendizes) "uma oportunidade de capacitar futuros empregados" e de dar "oportunidade aos jovens e adolescentes, assegurando-lhes o direito à profissionalização".

 

O sucesso do projeto Aprendiz Cidadão, programa de formação profissional de jovens e adolescentes em situação de vulnerabilidade socioeconômica ou de acolhimento institucional (que cumprem medidas socioeducativas), em Araçatuba, foi objeto do painel do coordenador do Jeia local, juiz Adhemar Prisco da Cunha Neto. "A chave do trabalho bem-sucedido é construir pontes", disse o magistrado ao explicar os contatos que foram realizados com todas as esferas do poder público, entidades assistenciais, instituições de ensino e empresários para viabilizar a iniciativa.

Adhemar Prisco também ressaltou a importância da formalização do termo de compromisso entre os diversos parceiros, de modo que o projeto seja institucionalizado e, ainda, transformado em "política pública", perpetuando-se, independente da troca de comando nos órgão e entidades conveniadas. Atualmente, com o projeto Aprendiz Cidadão consolidado, ele disse que é o momento de "propagar e replicar a ideia", registrando que há uma conversa avançada para implementar a iniciativa na cidade de Birigui e que o projeto foi inscrito na 16ª edição do Prêmio Innovare.

 

Os resultados do projeto Aprendiz da Justiça, no qual os aprendizes atuam no Fórum Trabalhista de Ribeirão Preto, foram apresentados pelo juiz Tarcio José Vidotti, responsável pelo Jeia na região. O magistrado enfatizou a necessidade de se dar uma capacitação diferenciada a esse público-alvo, pois são jovens com grandes carências sociais e familiares que vão ter que disputar um mercado de trabalho altamente competitivo. Ele explicou que a capacitação em auxiliar de serviços jurídicos ofertada pelo projeto torna a mão de obra dos aprendizes "atraente para escritórios de advocacia, cartórios e departamentos jurídicos de empresas", e registrou que todos os participantes do projeto conseguiram se colocar no mercado, sendo que 3 cursam faculdade de Direito e trabalham em cartórios da cidade, 2 conseguiram empregos em outras áreas e 1 deles foi admitido por uma montadora de automóveis.

Para o magistrado, devido ao perfil social dos assistidos, os programas não podem se limitar à formação profissional. "Não há a menor chance do projeto ir adiante se não houver assistência para o jovem e sua família, inclusive com acompanhamento psicológico", afirmou. Ele ponderou que foi preciso fazer uma "escolha de Sofia", acolhendo um número menor de adolescentes para propiciar-lhes uma atenção integral. "Prefiro emancipar 8 jovens a atender 80 sem fazer a diferença em suas vidas".

 

Na palestra Aprendizagem Social, o auditor-fiscal Vanderlei Polizel, chefe do Setor de Inspeção do Trabalho da Gerência Regional do Trabalho e Emprego em Campinas, refutou a alegação de inúmeras empresas que se recusam a cumprir a cota de aprendizagem por atuarem em atividades insalubres ou perigosas. O auditor anotou que, nos termos do artigo 66 do decreto 9.579/2018, é obrigação do empregador cumprir a cota de aprendizagem, ainda que não haja possibilidade do exercício da experiência prática no local, "pois a legislação possibilita que a aula prática seja realizada fora do estabelecimento, por meio de convênio com entidade ou órgão público que ofereça a vaga, sem que isso represente desoneração da responsabilidade financeira".

Com a palavra os aprendizes

 

Geraldo Dionísio da Silva, Sara Guedes e Hemilly Araújo Carlos compartilharam suas experiências como aprendizes com os participantes do seminário no intervalo entre o 3º e 4º painéis. Geraldo, que foi dos Patrulheiros, contou um pouco de sua trajetória e como a aprendizagem o capacitou e o preparou para o mercado de trabalho. Ele tem curso superior em Farmácia e atualmente trabalha em uma das maiores empresas do ramo no País. Casado e pai de dois filhos, Geraldo disse que seu sucesso "é fruto da atenção e educação que recebi lá atrás". Sara, da Associação de Ensino Social Profissionalizante (Espro) de Campinas, disse como o contrato de aprendizagem ajudou em seu desenvolvimento pessoal e também "a ter responsabilidades", e contou, emocionada, como foi efetivada no emprego. Emily, também da Espro, falou como é trabalhar na fábrica de uma grande multinacional em Valinhos e como foi o início, pois "não tinha nenhuma visão de uma empresa". Ela garantiu que vai levar tudo o que aprendeu "para a vida toda".

Inserção segura do jovem no mercado de trabalho

 

Conduzido pelo desembargador Edmundo Fraga Lopes, presidente da Comissão de Responsabilidade Socioambiental e de Meio Ambiente do Trabalho da 15ª Região, o 4º painel do seminário tratou da "Proteção e segurança do jovem no mercado de trabalho". O desembargador salientou a relevância do tema e, tendo em vista a proximidade com o dia 28 de abril, lembrou que a data é marcada como o Dia Mundial da Segurança e da Saúde no Trabalho, instituída pela Organização Internacional do Trabalho, e que, no Brasil, a Lei 11.121/2005 instituiu na mesma data o Dia Nacional em Memória das Vítimas de Acidentes e Doenças do Trabalho.

 

"Trabalho seguro e aprendizagem protegida" foi a abordagem feita pela juíza do trabalho Eliana dos Santos Alves Nogueira, coordenadora do Jeia de Franca, que iniciou sua palestra afirmando que a aprendizagem deve ser uma medida segura de ingresso dos jovens e adolescentes carentes no mercado de trabalho. A magistrada ressaltou que, em Franca, 100% do público-alvo do programa de aprendizagem é de baixa renda, pois para os adolescentes de classes média e alta "o contrato de aprendizagem não é uma via de saída", pois eles têm condições de só estudarem por mais tempo e ocuparem as melhores colocações no mercado de trabalho.

A juíza titular da 2ª Vara do Trabalho de Franca apresentou uma notícia de que um robô de uma confecção multinacional instalada na China faz 800 mil camisetas por dia e perguntou: "qual é o adolescente que eu quero preparar e em qual profissão ele ingressará de modo seguro e protegido no mercado de trabalho?". Para ela, num mundo em que a taxa de desocupação dos jovens é de 28,1% e em que 65% das crianças de hoje trabalharão em profissões que ainda não existem "é preciso pensar em ocupabilidade, em desenvolver as competências e habilidades voltadas para o novo mercado de trabalho". Para ela, deve haver foco no empreendedorismo e no cooperativismo.

Outro aspecto importante apontado pela juíza Eliana Nogueira foi o da pré-aprendizagem, na qual os adolescentes precisam desenvolver competências comportamentais ("soft skills") para se comunicar e cooperar. A juíza disse que muitas vezes os mais jovens não sabem se portar ou falar no ambiente corporativo, devendo ser treinados até mesmo para fazer contato visual com o interlocutor.

 

"A crueldade do trabalho infantil atravessa gerações e se perpetua. No Brasil, ela deita raízes em três séculos de trabalho escravo", denunciou o procurador do Ministério Público do Trabalho em Campinas, Ronaldo José de Lira, que falou sobre os "Acidentes de Trabalho e Doenças Ocupacionais com Crianças e Adolescentes". O procurador sublinhou, ainda, "que 66% das crianças em situação de trabalho infantil são pretas e pardas. É a continuação da história que não terminou com a Lei Áurea", criticou. O procurador disse que esse ranço escravista se materializa no senso comum de que seria preferível a criança trabalhar do que "ficar na rua e virar bandido", mas que essa afirmação só é feita em contexto de crianças pobres, majoritariamente negras e mestiças.

Um dado alarmante apresentado pelo procurador foi o de que entre 2007 e 2018 o Brasil registrou mais de 43 mil acidentes de trabalho com crianças e adolescentes, com 662 amputações, a maior parte dos acidentes ocorreu em atividades da chamada lista TIP (sigla que identifica as piores formas de trabalho infantil, instituída pelo decreto 6.481/2008), como em borracharias, na construção civil, madeireiras e na própria rua. Lira registrou a importância dos Juizados Especiais da Infância e Adolescência nesse cenário, porque contam com juízes que são especialistas, "que vão até as periferias, conversam com os assistentes sociais, têm conhecimento de causa", mas lamentou que o TRT-15 seja o único tribunal do trabalho que os tenha instituído.

Para Ronaldo José de Lira, o princípio da proteção integral (artigo 227 da Constituição Federal) impõe o "dever de todos nós" na proteção da infância. Ele lembrou as recentes mortes de jovens no incêndio ocorrido no centro de treinamento do Flamengo, no Rio de Janeiro, bem como do caso do rompimento da barragem de rejeitos de mineração da Vale, em Brumadinho, que também vitimou jovens trabalhadores. "Não podemos ser burocratas se queremos proteger as nossas crianças".

Carta de Campinas

 

Incumbida de encerrar o evento com a apresentação da Carta de Campinas, a vice-presidente judicial do TRT-15, desembargadora Tereza Aparecida Asta Gemignani, ao lado do presidente do Comitê de Erradicação do Trabalho Infantil e de Estímulo à Aprendizagem do TRT-15, desembargador João Batista Martins César, destacou a feliz coincidência entre a data da realização do seminário e o Dia do Juiz do Trabalho, também celebrado em 26 de abril. "É sempre uma satisfação poder reunir um grupo expressivo de pessoas, sobretudo hoje, para debater ideias que visem ao desenvolvimento sustentável do Brasil. E é disso que se trata quando nós nos reunimos para, por meio da instrução, da orientação e das ações, tornar menos angustiante a dura realidade do trabalho infantil", afirmou.

A vice-presidente judicial do TRT-15 também apresentou aos participantes dados divulgados no dia anterior, quinta-feira (25/4), sobre a geração empregos na Região Metropolitana de Campinas. Em março foram criados apenas 327 postos com carteira assinada, o pior saldo mensal desde 2017, segundo o Cadastro Geral de Empregados e Desempregados, da Secretaria do Trabalho do Ministério da Economia. "A região onde está instalada a sede deste Tribunal foi, até um passado muito recente, um dos mais importantes centros de desenvolvimento econômico e cultural do país. Hoje estamos vendo o degringolar desse panorama", ressaltou a magistrada, que lembrou o quanto a economia influencia a quantidade de crianças e adolescentes em situação irregular de trabalho.

Na Carta de Campinas, lida pela desembargadora, os participantes do seminário manifestaram a convicção de que uma educação básica dos quatro aos dezessete anos, universal, gratuita, de qualidade, atrativa e em tempo integral é fundamental para a erradicação do trabalho infantil. Também ressaltaram, entre outras medidas, a legitimidade e a constitucionalidade da ação civil pública como instrumento para controle de políticas públicas. Defenderam, ainda, a importância da valorização da Justiça do Trabalho e dos Jeias do TRT-15 para o fortalecimento do sistema de justiça utilizado na proteção trabalhista infantojuvenil.

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