Na conferência de abertura do Congresso do TRT, professora portuguesa trata da importância do direito diante das plataformas de trabalho da Revolução 4.0
Celebrada por muitos como uma nova era de flexibilidades, tempo livre e cooperação, a chamada Revolução 4.0 e as novas tecnologias do trabalho foram submetidas a um cuidadoso escrutínio e a uma rigorosa desmistificação na conferência de abertura do 19º Congresso Nacional de Direito do Trabalho e Processual do Trabalho do TRT-15, realizada na manhã desta quinta-feira (6/6), em Paulínia. "As novas formas de trabalho só poderão ser consideradas verdadeiramente um sucesso se estiverem alinhadas com as necessidades dos trabalhadores, se respeitarem os direitos sociais e se forem aliadas do trabalho decente", afirmou a professora auxiliar da Escola de Direito da Universidade do Minho, em Portugal, Teresa Coelho Moreira.
Em palestra apresentada pela presidente do TRT-15, desembargadora Gisela Rodrigues Magalhães de Araujo e Moraes, a professora Teresa Coelho defendeu a tese de que o trabalhador não é uma mercadoria que deva ser substituída pelo progresso e que as tecnologias são neutras, podendo ser usadas de forma positiva ou negativa. "O que não se pode admitir é que as tecnologias sejam utilizadas para transformar o empregado em mercadoria vendida pelo preço mais baixo. Trabalhadores são seres humanos", disse. Para sustentar sua proposição, ela organizou seus argumentos em seis categorias: mutações globais, formação do trabalhador, competitividade, tempo do trabalho, discriminação e segurança e saúde no trabalho.
Sobre as mutações, ela explicou que uma das características do trabalho na Revolução 4.0 é o fato de ele recorrer a plataformas para conectar operários digitais de todo o mundo. Se o novo trabalho é em rede – distribuído e fiscalizado por algoritmos –, as mutações e atualizações no direito do trabalho, defende a professora, precisam ser globais. "Há necessidade de agir globalmente. A Organização Internacional do Trabalho, a OIT, tem recomendado o desenvolvimento de uma governança internacional para as plataformas digitais, para que elas respeitem certos direitos e condições mínimas de trabalho", disse a professora. Tratados, protocolos, recomendações e outros documentos, vinculativos ou não, precisam ser elaborados para regular o mercado e a economia global, além de servirem para orientar o desenvolvimento do novo operário digital.
O segundo argumento defendido pela professora tratou da alteração do tipo de formação de novos e velhos trabalhadores. "As pessoas devem ser educadas para enfrentarem os desafios e as constantes transformações. Deve haver uma formação em que as habilidades sociais e digitais recebam atenção privilegiada", defendeu. Para corroborar a ideia, a docente portuguesa citou o poeta Fernando Pessoa, para quem "não é o trabalho, mas é o saber trabalhar que é o êxito no trabalho". Outro exemplo dado por ela sobre a importância de um desenvolvimento holístico dos trabalhadores são pesquisas que afirmam que 65% dos jovens de hoje trabalharão em atividades que ainda não existem.
As modernas formas de competitividade, terceiro argumento, são outro objeto de atenção nas novas formas de trabalho digital. Se a colaboração prevalece no discurso das novas plataformas, na prática, a Revolução 4.0 tem acirrado ainda mais a competição. A incerteza sobre a remuneração faz com que o motorista vinculado a um aplicativo esteja sempre online em busca de uma nova corrida. O mesmo vale para o trabalho em rede, no qual o trabalhador aguarda horas em uma fila digital para realizar uma tarefa de segundos ou minutos e, após concluí-la, submete-se ao estresse de saber que sua remuneração está, muitas vezes, submetida à satisfação do cliente. "Retornamos aos tempos da primeira Revolução Industrial, quando o direito do trabalho surgiu para regular as jornadas de trabalho, diminuir a exposição do trabalhador a riscos físicos e mentais e implantar outros direitos fundamentais. Espero que não me entendam mal, mas o velho trabalho escravo se tornou o atual trabalho colaborativo", defendeu. Outro risco competitivo é o surgimento de castas digitais. "Podemos passar para uma situação de controle total, com os algoritmos tendo acesso a informações da esfera mais íntima, com aumento de assédios e discriminações", disse.
O tempo no trabalho foi o quarto argumento apresentado pela professora para problematizar as novas formas de labor. "O direito à desconexão é, na verdade, o direito do trabalhador à vida privada. Aqui não estamos falando de um novo direito, mas algo que precisa ser consagrado em tempos de Revolução 4.0. O trabalhador não pode ser perturbado em seu repouso, ele precisa ter a chance de promover o equilíbrio entre vida pessoal e profissional", enfatizou. França, Itália e Portugal já debatem ou até já implantaram normas relacionadas à desconexão como um direito. Entretanto, o tratamento dado ao tema tem tido o caráter de norma programática, sem prever sanções para os empregadores que a desrespeitem, ressaltou.
Já o cuidado para que as novas plataformas de trabalho não reproduzam as velhas formas de discriminação de gênero, raça e etnia foi o penúltimo arrazoado feito pela professora. "Há uma predominância de homens na área de tecnologia da informação. Deve-se pensar em políticas que incentivem a participação das mulheres em áreas ditas masculinas, como o mercado de trabalho digital". Ela afirmou ainda que a diminuição da discriminação de gênero também passa pelo estímulo da presença dos homens em áreas consideradas femininas, retomando o argumento da necessidade de formação dos cidadãos em habilidades sociais, não apenas técnicas. "Os algoritmos podem reproduzir tendências e preconceitos históricos. Para que sejam utilizados de maneira positiva, é preciso pensar em lhes impor um novo conceito de igualdade."
Por fim, a professora Teresa explicou as relações entre novas tecnologias, segurança e saúde no trabalho. O envio de mensagens por robôs enquanto motoristas conduzem ou técnicos de TI dormem somado à falta de formação específica e à falta de clareza no que precisa ser feito nas plataformas eleva a probabilidade de acidentes diante da exaustão física e mental. "Supervisionados por robôs e por algoritmos, os trabalhadores estão expostos a um grande nível de ansiedade. É necessária uma atuação proativa da sociedade", afirmou.
Defesa do direito do trabalho
Para concluir a conferência, a professora Teresa reforçou a importância do direito do trabalho nestes novos tempos de Revolução 4.0. "Permitam-me citar [Henri Dominique] Lacordaire. ‘Entre os fortes e os fracos, entre ricos e pobres, entre senhor e servo, é a liberdade que oprime e a lei que liberta.' Nestes 100 anos de OIT, devemos nos lembrar dos valores que estão na base da Organização. É necessária a existência de um direito do trabalho forte, robusto, que mantenha a sua função protecionista essencial", concluiu, devolvendo a palavra para a presidente do TRT-15.
"Depois de ouvi-la, professora, ficamos todos atordoados com o tamanho da nossa responsabilidade. Os problemas que vivemos não são novos, eles se perpetuam", afirmou a desembargadora Gisela Moraes, reforçando a importância do Congresso do TRT-15 na modernização do direito do Trabalho no Brasil e no enfrentamento das dificuldades provocadas pela Revolução 4.0.
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