Numa abordagem do que será a advocacia do futuro, Congresso do TRT-15 debate as novas formas de solução de conflitos
Por Luiz Manoel Guimarães
Com uma referência às "boas práticas de mediação e conciliação" do TRT-15, "que levaram o Tribunal a conquistar projeção nacional", a desembargadora Ana Paula Pellegrina Lockmann abriu o 3º painel do 19º Congresso Nacional de Direito do Trabalho e Processual do Trabalho da Corte, no reinício das atividades do encontro na manhã desta sexta-feira, 7, no Theatro Municipal de Paulínia. Coordenadora do Núcleo Permanente de Métodos Consensuais de Solução de Conflitos (Nupemec) do Regional, a magistrada presidiu a mesa do painel, que pôs em pauta o tema "A advocacia do futuro: novas formas de solução de conflitos" e contou com a participação do advogado Júlio Cesar Beltrão, diretor jurídico e de Compliance da Unilever para o Brasil e América Latina, e da juíza Amanda Barbosa, que coordena o Centro Judiciário de Métodos Consensuais de Solução de Disputas da Justiça do Trabalho (Cejusc-JT) de Ribeirão Preto.
Com 25 anos de experiência profissional, Beltrão é pós-graduado em direito do trabalho pela PUC-SP. Na Unilever, que tem instaladas na jurisdição do TRT-15 quatro de suas 10 unidades no País, nas cidades de Valinhos, Vinhedo, Indaiatuba e Aguaí, o advogado está há cinco anos e administra, no que concerne aos aspectos jurídicos, as relações da empresa com um tipo de trabalhador cujo perfil, afirma Beltrão, não raramente difere muito do empregado tradicional. "Precisamos muitas vezes enxergar essa relação sob o prisma de quem está chegando agora ao mercado de trabalho e está em busca de novas opções de contratação."
As experiências são as mais diversas na Unilever, revela o palestrante. "São novas formas de trabalho", sublinha. "Temos casos de empregados que, por um interesse pessoal – funcionárias que se tornaram mães, por exemplo -, optaram pela redução de jornada com a correspondente redução salarial." Outra medida de sucesso é o home office, garante o advogado. "Não implantamos de forma improvisada, mas com fundamento em pesquisas, e a iniciativa tem sido bem-sucedida, os empregados gostam. Eles ressaltam sobretudo o ganho de tempo com a supressão dos deslocamentos de casa para o trabalho e vice-versa. Em vez de gastarem tempo todo dia nesses trajetos, muitas vezes até algumas horas por dia, eles podem usufruir mais a vida, passando mais tempo com os filhos, frequentando academias etc." Para serviços específicos, como, por exemplo, em mídias digitais, a companhia tem investido na contratação de freelancers. "Desenvolvemos uma plataforma similar ao Tinder, de relacionamentos amorosos. O sistema cruza as informações do objetivo proposto com as dos candidatos até acontecer o ‘match'", revela Beltrão, que mencionou ainda o chamado Talent Swap, modelo em que as empresas promovem uma espécie de "permuta temporária" de empregados, emprestando um funcionário para outra companhia e recebendo, pelo mesmo período, alguém que desempenhe as mesmas funções. "É uma troca de experiências valiosa", sublinha. Todas essas são formas de, entre outros benefícios, "atrair talentos", enfatiza o palestrante.
Gestão é palavra de ordem nesse trabalho de buscar os melhores resultados possíveis nas relações entre a companhia e seu quadro de funcionários. "Precisamos ser pragmáticos. Muitas vezes, na hora de decidir se recorremos ou não contra uma decisão judicial, deixamos a CLT e o CPC de lado e temos numa calculadora HP nossa grande ferramenta", diz ele, numa alusão ao custo com que se tem de arcar quando a conclusão do processo é postergada.
Prevenção também é outra preocupação constante na gestão de pessoas na Unilever, assegura Beltrão. "Um terço de nossa demanda trabalhista diz respeito a trabalhadores terceirizados. Por isso, contratamos uma empresa parceira para monitorar toda a trajetória desses trabalhadores na companhia, desde a sua contratação até a dispensa, quando essa parceira faz uma auditoria para verificar se tudo foi cumprido corretamente. Se algo supostamente incorreto for detectado, ela ‘acende o sinal amarelo', e nós entramos em cena para resolver o problema e prevenir o ingresso de mais uma ação trabalhista", detalhou Beltrão, que comemorou a queda de 44,67% em apenas dois anos no número de processos trabalhistas ajuizadas contra a Unilever no Brasil, de 1.305 em 2016 para 722 em 2018.
Menina dos olhos da presidente do TRT-15, desembargadora Gisela Rodrigues Magalhães de Araujo e Moraes, a conciliação é outra aliada fundamental do Departamento Jurídico da Unilever. "Foi uma grande satisfação receber, quatro anos atrás, quando ela era vice-presidente judicial do Tribunal, um convite da desembargadora Gisela para nos juntarmos ao seu projeto de incremento da solução consensual de processos na 15ª Região. Coincidiu com a minha chegada à empresa. Foi nessa época que o TRT criou o CIC [Centro Integrado de Conciliação], que, mais tarde, daria origem aos Cejuscs. Fomos a primeira empresa a aderir à iniciativa e vivemos desde então uma história de sucesso. É um caminho sem volta. Os Cejuscs estão muito mais bem preparados para as audiências de tentativa de conciliação, com servidores formados em mediação e uma estrutura que inclui, entre outros recursos, mesas-redondas que aproximam as partes do processo", observou Beltrão, que se disse "um fã" dos Cejuscs.
O advogado lembrou ainda de uma mediação comandada em 17 de outubro de 2017 pelo então vice-presidente judicial do TRT-15, desembargador Edmundo Fraga Lopes, que pôs fim a um impasse que já durava 20 dias na unidade de Vinhedo da Unilever, inclusive com paralisação das atividades. Ficou estabelecida a implantação de um Programa de Desligamento Voluntário (PDV), pelo qual os trabalhadores que se deligaram da empresa tiveram direito, entre outros benefícios, a uma indenização de 30% do salário-base para cada ano de trabalho, manutenção do direito ao plano de saúde por doze meses após o desligamento e auxílio na recolocação profissional.
Menestrel da conciliação
"Qual a nossa matéria-prima e qual a finalidade do nosso trabalho? Seriam a lei e a aplicação da lei ao caso concreto?", questionou a juíza Amanda Barbosa, ao dar início à sua palestra. "Não. O ser humano e todos os conflitos que o cercam são na verdade nossa ‘matéria-prima', e a finalidade do nosso trabalho tem de ser a tentativa de ser um instrumento para a pacificação desses conflitos", respondeu ela própria.
Não só fã mas uma das protagonistas da mediação e da conciliação na Justiça do Trabalho da 15ª, a magistrada, que é formada em mediação de conflitos pelo Straus Institute for Dispute Resolution da Pepperdine University (Califórnia, EUA) e pós-graduada em direito e processo do trabalho, enfatizou que os novos métodos de solução de conflitos podem ser de grande valia em todos os ramos da Justiça. Para comprovar sua fala, citou dois casos de grande repercussão.
O primeiro envolveu o empresário Abílio Diniz, ex-CEO do Grupo Pão de Açúcar (GPA), o maior conglomerado varejista da América Latina, e o grupo francês Casino, que em 2012 adquiriu do empresário o controle do GPA. Depois de três anos de impasse na Justiça e muito dinheiro perdido, o imbróglio foi resolvido em apenas seis dias, após a contratação de um mediador para intermediar as negociações entre as partes. "Está certo que se tratava de ‘o' mediador, nada menos do que um dos autores do best-seller Como chegar ao sim [editado no Brasil pela Sextante], William Ury, mas na prática o que ele precisou fazer foi apenas, em última análise, perguntar às partes quais eram os seus reais interesses. ‘Minha liberdade', apenas isso, foi a resposta de Abílio Diniz, que desejava tão somente suprimir uma cláusula do contrato com o Casino, que o impedia de atuar no mesmo ramo por outro grupo empresarial", esclareceu a juíza Amanda, não sem antes revelar que a ideia de contratar um mediador partiu da esposa de Abílio, Geyze Diniz. "Ouçam suas esposas", recomendou a magistrada, em tom bem-humorado.
O outro caso, prosseguiu ela, foi a bem-sucedida instituição da chamada Câmara de Indenização Extrajudicial para resolver as demandas das famílias das 199 vítimas fatais do acidente que, em 17 de julho de 2007, destruiu no Aeroporto de Congonhas, na capital paulista, o Airbus A320-233 que fazia o voo 3054 da TAM, vindo de Porto Alegre. "À luz da percepção das necessidades emergenciais das famílias, como, por exemplo, auxílio para o reconhecimento dos corpos e o acolhimento em São Paulo, montou-se um grande modelo de indenização extrajudicial que atendeu, em apenas 14 meses, nada menos do que 56 de 59 pleitos."
Mestre em direito pela USP de Ribeirão Preto e membro do grupo de estudos "A transformação do direito do trabalho na sociedade pós-moderna", da mesma instituição, a juíza Amanda defendeu que "a nossa grande falha tem sido empobrecer o conceito de conflito". Para ela, conflito "não é simplesmente um sinônimo da lide jurídica, pedido versus contestação. Vai além de qualquer categoria jurídica. Segundo a moderna teoria do conflito, ele nem mesmo deve ser encarado como algo negativo, pelo contrário. Pode ser um agente de mudanças, uma oportunidade de correção de eventuais falhas e de crescimento".
No contexto trabalhista, a magistrada enfatiza que a defesa da conciliação não significa a busca do acordo a qualquer custo. "Pautamos nosso trabalho na ética e na decisão informada das partes. É natural associar políticas públicas de autocomposição à preocupação com a redução da sobrecarga de trabalho nos tribunais, mas o controle do volume de processos deve ser encarado como uma consequência da conciliação, e não o seu grande objetivo. A solução negociada dos processos não é mais uma porta para precarização."
Professora de métodos adequados de solução de conflitos e de direito do trabalho em cursos de graduação e pós-graduação, a juíza não refuta a arbitragem, agora incorporada à CLT, no artigo 507-A, pela reforma trabalhista de 2017. A palestrante lecionou que, além de a possibilidade de opção pela arbitragem se restringir a trabalhadores cuja remuneração era superior a duas vezes o teto do Regime Geral de Previdência Social, o equivalente a R$ 11,6 mil em valor de hoje, e ainda que o contrato de trabalho estabeleça a chamada cláusula compromissória, através da qual as partes se comprometem a submeter à arbitragem os litígios que possam vir a surgir, não está vedado ao trabalhador levar o eventual conflito à Justiça. "Se ele assim preferir, estará configurada a renúncia à cláusula compromissória. Já há julgados do STJ ratificando esse entendimento", concluiu a palestrante, que, antes de deixar o púlpito, surpreendeu a plateia cantando, e bem, muito bem, a bela "Tempos Modernos", de Lulu Santos: "Eu vejo um novo começo de era, de gente fina, elegante e sincera, com habilidade pra dizer mais sim do que não, não, não...". O público aplaudiu com vontade.
Encerrando o painel, a desembargadora Ana Paula reforçou que, no TRT-15, "o acordo não é feito a qualquer custo, mas, sim, com respeito às partes, à ética e ao valor do trabalho, tanto do trabalhador quanto da empresa".
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