Segundo painel de seminário sobre o caso Shell debate consequências da contaminação para saúde física e psicológica de trabalhadores

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Coordenado pela presidente do Tribunal Regional do Trabalho da 15ª Região, desembargadora Gisela Rodrigues Magalhães de Araujo e Moraes, o segundo painel do seminário "As grandes contaminações e suas repercussões" apresentou as consequências da poluição ambiental provocada pela Shell, em Paulínia, para saúde física e psicológica de trabalhadores e familiares. Realizado na manhã de sexta-feira (2/8), na sede judicial do TRT-15, a apresentação teve como palestrantes os médicos Marcos Oliveira Sabino, da Prefeitura Municipal de Campinas e do Ministério Público do Trabalho, e Heleno Rodrigues Corrêa Filho, da Universidade de Brasília.

 

Perito do Ministério Público do Trabalho e médico de saúde pública da Prefeitura de Campinas, onde atua no Centro de Referência em Saúde do Trabalhador desde 1993, Marcos Sabino apresentou o contexto histórico da chegada do Centro Industrial da Shell em Paulínia. Inicialmente, a multinacional se instalou na Vila Carioca, no município de São Paulo. Um desastre ambiental, entretanto, provocou o fechamento da unidade, que migrou para o interior de São Paulo, nas margens no rio Atibaia.

"São Paulo e Paulínia são dois exemplos de uma série de migrações de riscos de indústrias químicas para os países em desenvolvimento das chamadas tecnologias não limpas. Isso passou a ocorrer após a implantação de padrões de controle mais rigorosos nos países centrais", afirmou Marcos Sabino. Outro exemplo apresentado foi o do município de Bhopal, na Índia, que recebeu uma unidade transmigrada e, em 1984, registrou uma das grandes tragédias mundiais da indústria química. Um vazamento de vapor tóxico provocou 2.000 mortes instantâneas, outras 25.000 pessoas morreram como consequência do acidente e mais de 300 mil adquiriram doenças crônicas.

No Brasil, as tragédias não se limitaram a Paulínia. Duque de Caxias, no Rio de Janeiro, Santo Amaro da Purificação, na Bahia, Cubatão, Mauá e Campinas, no estado de São Paulo, também possuem manchas históricas provocadas pela indústria química. Paulínia, entretanto, destacou-se pelas práticas utilizadas na fábrica. "Quando começamos a analisar documentos e a ouvir trabalhadores de Paulínia descobrimos tantas barbaridades e irregularidades que, em um primeiro momento, foi difícil acreditar que tudo fosse verdade. Veneno lançado no rio, aldrin lançado pelas chaminés com concentrações muito acima do limite permitido à época. Todas práticas condenadas nos Estados Unidos desde a década de 1970", explicou.

"Infelizmente, essas tentativas de se desenvolver a qualquer custo, com tecnologia suja ou limpa, têm muita repercussão na vida da coletividade", disse o médico Marcos Sabino. Foram dezenas de trabalhadores mortos ou que adoeceram de cânceres, doenças endócrinas e metabólicas. "Houve pessoas que morreram um ou dois meses após descobrirem a doença. Os sobreviventes têm que lidar, ainda hoje, com a dor da dúvida. Será que eu vou adoecer? Será que meus filhos ou netos vão adoecer? Outra consequência foi o desemprego. Ninguém contratava um empregado com o carimbo da Shell na carteira", concluiu.

Vulnerabilidade persiste

 

O médico Heleno Rodrigues Corrêa Filho, professor aposentado da Unicamp e pesquisador voluntário da Faculdade de Ciências Coletivas da Universidade de Brasília, destacou a importância da atuação do Ministério Público do Trabalho e da Justiça do Trabalho no caso Shell/ Basf. "Teve uma repercussão internacional, não apenas no mundo do Direito e da lei, mas também mundo da ciência, da tecnologia, especialmente na área epidemiológica", disse.

Para o professor Heleno, a principal causa da grande repercussão foi o fato de, desde a sentença da vara do trabalho de Paulínia, o Judiciário Trabalhista ter afastado a aplicação do antigo método de tratar as intoxicações e as exposições de trabalhadores a poluentes individualmente, pelo nexo causal. "A decisão teve ressonância mundial por reconhecer que o vínculo do nexo causal de cada pessoa não pode ser sobreposto aos danos causados à coletividade, ao entendimento construído com a participação dos trabalhadores", destacou.

Durante o andamento do processo, chamou a atenção do professor o fato de jovens desenvolverem doenças relacionadas à contaminação incomuns para a faixa etária. "Presenciei trabalhador jovem, com menos de 40 anos, morrendo com câncer de tireoide. Isso não é normal. Não pode haver 6 diagnósticos desse tipo em grupos de 700 pessoas".

O professor mostrou, também, preocupação com a vulnerabilidade atual dos trabalhadores da região de Paulínia e Campinas, destacando uma lacuna na destinação dos recursos da indenização para prevenção. "Não tenho reparo a fazer sobre o mérito das instituições que receberam as destinações. Mas o que me preocupa é que isso vai ocorrer novamente e ainda não temos uma estrutura para atingir as metas propostas nos acordos", ressaltou. Ele lembrou que um dos projetos traçados na conciliação, ainda não realizado, era que os ex-trabalhadores formassem uma rede de vigilância epidemiológica que ensinaria aos novos trabalhadores como vigiar os seus próprios ambientes.

 

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Comunicação Social