Seminário sobre combate ao trabalho infantil lota Plenário do TRT e mobiliza rede de proteção à criança e ao adolescente de Campinas

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"De acordo com o Observatório Digital do Trabalho Escravo no Brasil e com o Observatório Digital de Saúde e Segurança do Trabalho, em nosso país, de 2003 a 2017, 900 crianças e adolescentes foram resgatados de situação análoga à escravidão e, de 2012 a 2017, quase 16 mil menores de 18 anos foram vítimas de acidente de trabalho", denunciou a presidente do TRT-15, desembargadora Gisela Rodrigues Magalhães de Araujo e Moraes, em seu pronunciamento na abertura do Seminário de Proteção à Criança e ao Adolescente, promovido pelo Comitê de Erradicação do Trabalho Infantil e de Estímulo à Aprendizagem do TRT da 15ª Região e pela Escola Judicial da Corte (EJud-15) nesta sexta-feira (26/4), na sede do Tribunal, em Campinas. São números que preocupam, tanto por sua magnitude quanto por sua atualidade, e justificam a intensidade com que o Regional investe, em conjunto com as demais instituições que formam a chamada rede de proteção à criança e ao adolescente, nessa "verdadeira cruzada nacional", conforme enfatizou a magistrada. "Somos todos responsáveis pela prevenção, combate e erradicação do trabalho infantil, esse grave problema que nos entristece, nos incomoda e fere de morte nossa dignidade. A exploração da criança é um problema social, econômico e político, que merece, dos Poderes constituídos, todas as ações necessárias à sua erradicação."

 

A desembargadora observou que já é vasta a legislação que não só fundamenta como também determina o engajamento nessa causa. "A própria Constituição Federal, o Estatuto da Criança e do Adolescente, a Declaração Universal dos Direitos da Criança, proclamada pela Assembleia Geral da ONU em 20 de Novembro de 1959, e convenções da Organização Internacional do Trabalho, por exemplo, estabelecem as medidas que devemos observar, assecuratórias do direito de crianças e adolescentes a uma vida íntegra e saudável, com lazer, aprendizagem e orientação profissional. Nesse sentido, o governo federal lançou em 2018 o 3º Plano Nacional de Prevenção e Erradicação do Trabalho Infantil, que determina um conjunto de medidas a serem adotadas para acabar com essa prática. A meta do Brasil é erradicar o problema até 2025", afirmou a presidente do Regional. "Lugar de criança é na escola. Infelizmente essa frase precisa ser repetida com frequência no Brasil", advertiu a desembargadora, ao mesmo tempo em que noticiou um dado que revela o quanto ainda há por ser feito: "Em 2018, o Ministério Público do Trabalho ajuizou mais de 160 processos sobre trabalho infantil no País, número 17% maior do que as 137 ações registradas no ano anterior".

"No âmbito da Justiça do Trabalho, os Tribunais Regionais vêm disseminando ideias e fomentando ações concretas", prosseguiu a magistrada, que, no que concerne ao TRT-15, destacou a criação e instalação dos Juizados Especiais da Infância e Adolescência, os Jeias, "que se firmam como uma realidade nos Fóruns Trabalhistas de Campinas, Franca, Presidente Prudente, Ribeirão Preto, Araçatuba, São José dos Campos, São José do Rio Preto, Sorocaba e Bauru, bem como na Vara do Trabalho de Fernandópolis". Segundo a desembargadora, "os Jeias vêm desenvolvendo, nas comunidades locais, visão crítica sobre a necessidade de erradicação do trabalho infantil, assim como sobre a importância da aprendizagem como meio para garantir aos adolescentes o ingresso adequado no mercado de trabalho".

Grande repercussão

 


Com entrada franca, o seminário reuniu no Plenário Ministro Coqueijo Costa, no 3º andar do edifício-sede do Tribunal, e no auditório localizado no mesmo pavimento, cerca de 350 pessoas, entre magistrados, membros do Ministério Público, advogados, servidores, educadores, representantes de conselhos tutelares, assistentes sociais e estudantes de Campinas e região. Os desembargadores do TRT-15 Tereza Aparecida Asta Gemignani (vice-presidente judicial e membro do Comitê Regional de Erradicação do Trabalho Infantil e de Estímulo à Aprendizagem), Maria Madalena de Oliveira (vice-corregedora regional), Fernando da Silva Borges e Edmundo Fraga Lopes prestigiaram o evento.

 

Ainda na cerimônia de abertura, o ministro Breno Medeiros, da 5ª Turma do Tribunal Superior do Trabalho (TST), ressaltou o "esplêndido trabalho realizado pelo TRT da 15ª Região no combate ao trabalho infantil, um tema tão caro a todos nós", e destacou o "protagonismo nacional" do desembargador João Batista Martins César, presidente do Comitê de Erradicação do Trabalho Infantil e de Estímulo à Aprendizagem do TRT-15. O próprio desembargador, que também participou da solenidade, observou que, graças ao trabalho do Jeia de Franca, coordenado pela juíza Eliana dos Santos Alves Nogueira, a cidade atingiu o percentual de 70% de cumprimento da cota de contratação de aprendizes pelas empresas. "É o dobro da média nacional", comemorou o magistrado. A Lei 10.097/2000 determina que as médias e grandes empresas devem contratar um número de aprendizes equivalente a no mínimo 5% e no máximo 15% do total de empregados cujas atividades exijam qualificação profissional. Também se manifestaram na abertura o vice-diretor da EJud-15, desembargador Carlos Alberto Bosco, e a coordenadora do Jeia de Campinas, juíza Camila Ceroni Scarabelli, que agradeceram a presença maciça de público no evento.


Painéis

"Ação Civil Pública como instrumento de políticas públicas" foi o tema do primeiro painel, coordenado pela desembargadora Gisela Moraes, e que teve, como palestrantes, o ministro Breno Medeiros e a desembargadora do TRT-15, Luciane Storel da Silva.

 

O ministro apresentou, inicialmente, o conceito das políticas públicas que buscam, de modo geral, tanto atingir os objetivos fundamentais do Estado como articular e alocar recursos e esforços com vistas a solucionar problema coletivo, podendo ser consideradas, ainda, como uma conduta comissiva ou omissiva da Administração Pública, voltada à consecução de programa ou meta previstos em normas legais, sujeitando-se a controle jurisdicional especialmente no tocante à eficiência dos meios empregados e à avaliação dos resultados alcançados. Dentre os objetivos, o palestrante destacou o caráter das políticas públicas de efetivação dos direitos fundamentais, sobretudo os direitos sociais (elencados nos artigos 3º e 6º da Constituição Federal).

O magistrado apresentou também os mecanismos do ciclo de implantação das políticas públicas, com a identificação das prioridades a partir de critérios técnicos ou emergenciais, definição de agenda, formulação dos programas, tomada de decisão, implementação e avaliação do impacto das ações empreendidas.

No âmbito da Justiça do Trabalho, o ministro Breno Medeiros destacou a importância das políticas públicas como forma de erradicação do trabalho infantil, principalmente após a Emenda Constitucional 45/2004, que ampliou significativamente a competência da Justiça do Trabalho (art. 114. I e IX), incluindo matérias objeto da ação que não derivam da relação de trabalho. O ministro ressaltou, porém, o que para ele ainda consiste no mais "espinhoso e tormentoso dos assuntos", que é a incompetência da Justiça do Trabalho para processar e julgar ação civil pública que vise à implementação de políticas públicas. Em sua conclusão, o ministro destacou a necessidade de um "minucioso planejamento e execução sincronizada das políticas públicas", justificado por projeto de lei atualmente em trâmite, que prevê como pressuposto de admissibilidade da ação coletiva a razoabilidade do pedido e da atuação da Administração, exigindo-se que o provimento da pretensão à implementação e controle dessas ações obedeça, de alguma forma, à sistemática do ciclo de políticas públicas.

Ação histórica

 

Ainda dentro do primeiro painel, coube à desembargadora Luciane Storel da Silva apresentar o que para a Justiça do Trabalho da 15ª Região marcou o ineditismo no julgamento de uma Ação Civil Pública (ACP 1001/99), que envolveu a regularização dos direitos trabalhistas de jovens do Serviço de Orientação Multidisciplinar para Adolescentes (Soma) de Americana. Parte da importância do julgado, ocorrido em 2002, se deveu ao período histórico vivido pelo país à época, quando ainda muito pouco se falava da defesa dos direitos das crianças e dos adolescentes. A desembargadora lembrou que promulgação da Constituição Federal (1988) era ainda muito recente, bem como o Estatuto da Criança e do Adolescente (1990), e que ela mesma se valeu de leis esparsas e, principalmente, da Convenção Internacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (ratificado pelo Brasil em 2000) para fundamentar seu julgamento. O mais importante de sua decisão, que garantiu a regularização dos contratos de estágio e aprendizagem dos jovens do Soma, segundo a magistrada, foi a quebra dos paradigmas de defesa dos direitos de crianças e adolescentes carentes, para quem até então seria mais importante garantir trabalho a qualquer custo e se livrar das ruas, e menos a defesa real e eficaz de seus direitos a um desenvolvimento pleno e garantidor de inclusão social, por meio do estudo e da aprendizagem.

Flash Mob

 

No intervalo entre os dois painéis da manhã, cerca de 20 alunos da Associação de Ensino Social Profissionalizante (Espro), de Campinas, fizeram uma  "performance" de dança e apresentaram um jogral, revelando dados sobre a realidade ainda atual do trabalho infantil no Brasil, com cerca de 2,7 milhões de pessoas (de 5 a 17 anos), a maioria na região Sudeste (854 mil). Os jovens vieram acompanhados da coordenadora Beatriz Corbo, da instrutora de treinamento Tatiana Soto e da assistente social Flávia Ruiz.

Boas práticas

O segundo painel do dia, coordenado pelo juiz Valdir Rinaldi Silva, responsável pelo Juizado Especial da Infância e da Adolescência (Jeia) de Sorocaba, apresentou boas práticas da Justiça para a erradicação do trabalho infantil. Dividido em três partes, o painel teve como temas os "Jeias no âmbito do TRT-15", a cargo da juíza Camila Scarabelli, do Jeia de Campinas; "Busca ativa e recenseamento", conduzido pelo juiz Mouzart Luís Silva Brenes, do Jeia de Presidente Prudente; e "Justiça restaurativa", ministrado pelo juiz Marcelo da Cunha Bergo, da Vara da Infância e da Juventude de Campinas.

 

À juíza Camila Scarabelli coube apresentar o projeto do Jeia Campinas "Conhecendo a Justiça do Trabalho e os Jeias do TRT-15", com foco na educação para prevenção. A magistrada falou da bem-sucedida experiência local de intercâmbio com crianças e adolescentes da rede pública de ensino, que fazem periodicamente visitas ao Fórum Trabalhista de Campinas para participarem de um "momento de despertar da cidadania", como a própria magistrada definiu o projeto. "É importante que esses jovens se conscientizem de que são os reais destinatários da proteção e possam, com esses encontros, abrir uma perspectiva de futuro na vida deles". A magistrada concluiu, num desabafo, a necessidade e a urgência do trabalho dos Jeias, que somente em Campinas, em cerca de 500 ações ajuizadas, desde que a unidade foi implantada em março de 2015, o que se registram infelizmente são só as "desgraças irreversíveis". Apesar de Campinas ser um grande centro econômico, são ainda muito comuns casos de violência e desrespeito aos direitos, com registro de trabalho infantil, acidentes fatais, amputações e até de atentado a tiro de patrão contra jovem empregado.

 

O juiz Mouzart Brenes apresentou uma experiência do Jeia de Presidente Prudente chamada de "Busca Ativa", com divulgação de números de uma pesquisa, realizada no período de março a junho de 2018, com cerca de 20 mil crianças e adolescentes identificados em situação de trabalho em Presidente Prudente. Desse total, foram identificados 775 casos comprovados de trabalho infantil. Orçada em R$ 66 mil, a pesquisa foi executada com recursos destinados ao Fundo Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente (FMDCA)  pela Justiça do Trabalho, a partir de ação civil pública ajuizada Ministério Público do Trabalho (MPT).

 

O juiz Marcelo da Cunha Bergo, da Vara da Infância e da Juventude de Campinas, fechou o painel com a abordagem da Justiça Restaurativa como proposta de solução para os problemas infracionais que envolvem crianças e adolescentes. Segundo o magistrado, é preciso fazer uma reflexão de como a sociedade moderna vê o jovem infrator, mas também do que ocorre com as famílias dessas vítimas. Com base num estudo de Howard Zehr, um dos pioneiros da justiça restaurativa, o juiz Marcelo Bergo justificou a necessidade de mudança de paradigmas e afirmou que simplesmente "enxergar o crime sob a ótica retributiva (com identificação e punição do criminoso) simplesmente não vem surtindo seu efeito desejado, até porque o que se percebe é cada vez mais um avanço da criminalidade". Segundo defendeu o magistrado, adotar a nova ótica restaurativa é mudar o foco do crime, que deixa de ser um fenômeno de mera infração da lei (agressão ao Estado), mas uma violação de pessoas e relacionamentos, que necessitam de cura e não de pena.

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Comunicação Social