Seminário sobre o Caso Shell aborda a conciliação nos grandes desastres ambientais e as formas de reparação do dano

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O seminário "As grandes contaminações e suas repercussões: as lições extraídas do caso de Paulínia" realizado na sexta-feira, dia 2 de agosto, na sede do Tribunal Regional do Trabalho da 15ª Região, em Campinas, abordou no quarto e último painel "A conciliação nos conflitos decorrentes de infortúnios de alcance coletivo e a respectiva reparação", com explanações do professor de Direito do Trabalho da Universidade Federal do Pará (UFPA) e juiz do trabalho do TRT da 8ª Região (PA/AP), Ney Stany Morais Maranhão, e do procurador do Ministério Público do Trabalho de Campinas Ronaldo José de Lira.

Ao apresentar os palestrantes, o coordenador da mesa de trabalhos, desembargador João Batista Martins César, presidente do Comitê Regional de Combate ao Trabalho Infantil e de Estímulo à Aprendizagem, destacou o ineditismo do caso Shell/ Basf e da atuação do MPT na construção das peças jurídicas que garantiram a tutela coletiva, reforçando a importância histórica das discussões propostas pelo seminário para a própria justiça brasileira.

 

O juiz Ney Maranhão discorreu sobre a prática da conciliação de conflitos em desastres ambientais,  analisando os desfechos do caso Shell/ Basf e do recente processo da Vale em Brumadinho (MG), que culminou com acordo firmado no dia 15 de julho entre a empresa e as famílias das vítimas do rompimento da barragem. À luz do conceito do sociólogo alemão Ulrich Beck sobre sociedade de risco, o magistrado fez uma breve introdução histórica acerca das catástrofes, até então apontadas como decorrência da vontade divina e posteriormente justificadas pela necessidade do avanço tecnológico, que ganharam nova dimensão a partir da crise das ideias de progresso e da discussão sobre a responsabilidade humana. O marco inaugural para essa nova linha de pensamento, segundo o magistrado, teria ocorrido no ano de 1755, quando Lisboa foi destruída por um terremoto. "Os grandes desastres passaram a ser enxergados com uma lente um pouco mais crítica na averiguação de suas causas diretas e indiretas e também, sobretudo, nas reflexões a respeito das prevenções, sob a ótica das causalidades com ingerência humana."

De acordo com Maranhão, novas esferas se descortinaram do ponto de vista ético (individual para o coletivo), político (decisões privadas na mira da discussão pública) e jurídico (nexo causal probabilístico; prevenção/precaução; direito dos desastres; e cooperação/conciliação). "Lidar com o medo, a insegurança e a catástrofe é uma qualificação civilizacional decisiva na sociedade de risco", asseverou. Dentro desse contexto, os desfechos conciliatórios dos casos Shell e Vale/ Brumadinho constituem um rico material de reflexão. Maranhão citou ainda o recente caso da mineradora Braskem, em Maceió, cujas atividades de exploração da sal-gema podem ter provocado afundamento do solo e rachaduras em imóveis de três bairros da capital alagoana. O  MPT local ajuizou ação civil pública cobrando medidas de auxílio aos trabalhadores e suas famílias. Para o magistrado, o processo carrega uma "hipercomplexidade sociojurídica", representando um grande desafio para a Justiça do Trabalho.

Na avaliação de Maranhão, os acordos judiciais dos casos Shell/Basf e Vale/Brumadinho sinalizam paulatino e expressivo aprimoramento da técnica reparatória de danos advindos de catástrofes, contribuindo para o amadurecimento científico do chamado direito de desastres. "A tutela coletiva, acompanhada da construção de uma solução consensual, confirma-se como instrumento adequado e efetivo para a implementação do direito de acesso pleno à justiça na tutela de interesses individuais decorrentes de desastres ambientais." O magistrado salientou ainda que o caso Vale/Brumadinho tem importância especial na medida em que, lavrado em cenário pós-reforma trabalhista, sinaliza pelo restabelecimento de padrões jurídicos civilizatórios e fundamentação de diretrizes saudáveis para o futuro.

 

Coube ao procurador Ronaldo Lira o detalhamento das destinações do Caso Shell/ Basf, que englobaram reparação individual e coletiva. A indenização por danos morais e materiais beneficiou 1.058 pessoas com garantias de assistência ampla, plena e vitalícia à saúde, independente de nexo causal. Quanto à condenação por danos morais coletivos, foram destinados R$ 220 milhões para entidades de pesquisa e medicina. Para o procurador, o caso Shell/ Basf permitiu desbravar os caminhos da tutela jurisdicional que fortaleceram o Judiciário Trabalhista, o MPT e resultaram no aumento o nível de proteção socioambiental.

Lira integrou a comissão do MPT responsável pelo edital de convocação e pela seleção de projetos. De 90 propostas inscritas, oito receberam verbas: Hospital de Câncer de Barretos, que permitiu a construção do Hospital de Prevenção ao Câncer de Campinas e seis unidades móveis de prevenção, além de uma para educação; Instituto de Engenharia Molecular e Celular do Centro Infantil Boldrini; Hospital Ilumina de Piracicaba, especializado no tratamento do câncer; Hospital Municipal de Sumaré, que adquiriu equipamentos de alta complexidade para a realização de neurocirurgias;  Fundação de Pesquisas Médicas de Ribeirão Preto (Fupeme); Universidade Federal da Bahia e Fundacentro; Fundação Área de Saúde de Campinas (Fascamp), para a construção do Instituto de Otorrinolaringologia de Cabeça e Pescoço, na Unicamp; e o Barco Hospital Papa Francisco e duas ambulanchas, que serão inaugurados no dia 17 de agosto e atenderão mais de mil comunidades ribeirinhas da Bacia Amazônica. "Não temos ideia do que isso vai representar na vida das pessoas", comentou.

Ronaldo Lira citou ainda o árduo e intenso trabalho de escolha das iniciativas, que buscou beneficiar projetos mais perenes, de abrangência nacional, que pudessem ter grande impacto e mudar a sociedade. "Muitos já me perguntaram porque não priorizar projetos em Paulínia. Isso é muito fácil de responder. Todos os trabalhadores são atendidos pela rede pública de saúde custeada pelos cofres da Previdência. Se esse caso gerou despesas para o Brasil inteiro, nada mais justo do que fazer projetos para atender o Brasil inteiro", justificou.

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