Seminário sobre os 100 anos da OIT no TRT-15 abordou as perspectivas do trabalho e do Direito do Trabalho
Na última sexta-feira, 23/8, ocorreu o seminário "Pensando o futuro do direito do trabalho", com um dia todo de discussões e que também celebrou os 100 anos da criação da OIT. A atividade, organizada pela Escola Judicial da 15ª Região, foi realizada no plenário Ministro Coqueijo Costa, no 3º andar do edifício-sede do Tribunal.
"Trabalho decente e digno: o papel das instituições no futuro do trabalho" foi o tema da primeira mesa-redonda do seminário. Os trabalhos foram coordenados pelo procurador do Ministério Público de Trabalho da 15ª, Ronaldo José de Lira, e contou com a participação da procuradora e coordenadora regional da Coordenadoria Nacional de Promoção de Igualdade de Oportunidades e Eliminação da Discriminação no Trabalho do MPT da 15ª Região, Danielle Olivares Corrêa Masseran, e também com a participação de Thaís Dumêt Faria, oficial técnica em Princípios e Direitos Fundamentais da OIT.
Na apresentação intitulada "Igualdade de oportunidade e condições de Trabalho na perspectiva de gênero", a procuradora Danielle Masseran, com base no objetivo de desenvolvimento sustentável número 5 da Agenda 2030 da ONU, falou sobre as formas de discriminação e violência contra mulheres, incluindo o tráfico e a exploração sexual. Num passeio pela legislação, a procuradora repassou os compromissos internacionais assumidos pelo Brasil para proteção e combate à discriminação da mulher, incluindo as convenções da OIT ratificadas e até as que ainda não foram, como a Convenção 156, que prevê a igualdade de oportunidades e de tratamento para homens e mulheres trabalhadores, com foco nos trabalhadores com encargos de família. Também ressaltou a Constituição Federal de 1988, em seu aspecto de proteção ao trabalho e de igualdade de direitos entre homens e mulheres, e até mesmo a Lei Maria da Penha, de proteção da mulher e dependentes em situação de violência no ambiente doméstico ou familiar.
Esse arcabouço de ampla proteção, "ainda que bastante progressista", segundo a procuradora, "não consegue evitar a prática de discriminação na sociedade de modo geral, e particularmente nas relações de trabalho". A palestrante apresentou dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) sobre diferenças entre níveis de escolaridade, média salarial e cargos de direção entre homens e mulheres, e apontou algumas causas dessas desigualdades. Segundo a procuradora, a principal delas se refere à cultura patriarcal predominante no país, que permeia a legislação quando "agasalha de forma desigual o trabalho de homens e mulheres" e permite, de forma velada, situações que impactam nas relações de trabalho. Por causa desse "descompasso entre a lei e o trabalho", segundo a procuradora, são comuns casos de violência contra a mulher, como assédio sexual, controle de horários rígidos, demissão por exercício de direitos e barreiras na ascensão de mulheres a cargos mais importantes (o conhecido "teto de vidro"). Para tentar solucionar esses problemas, a expositora afirmou que o caminho passa, necessariamente, por um amplo estudo transversal que privilegie, entre outros, políticas de educação, reconhecimento da responsabilidade familiar compartilhada (com a ratificação da Convenção 156 da OIT), modernização da legislação e criação de políticas afirmativas para o mercado de trabalho.
A segunda palestra tratou do tema "Erradicação do trabalho infantil e do trabalho forçado", com foco na "promoção do emprego juvenil", e foi ministrada pela oficial técnica da OIT, Thaís Dumêt Faria. Com base no objetivo 8 da Agenda 2030, que é o de promover o crescimento econômico sustentado, inclusivo e sustentável, com emprego pleno e produtivo e trabalho decente para todos, a palestrante apresentou números que confirmam que 24,9 milhões de pessoas são vítimas do trabalho forçado no mundo, dos quais 16 milhões se encontram no setor privado, 4,1 milhões no público e 4,8 milhões na exploração sexual. Ainda com base nesses números, 14,6 milhões dessas vítimas são mulheres, e 10,4 milhões de homens no trabalho forçado, dos quais aproximadamente 25% são crianças.
O trabalho forçado, entendido aquele prestado sob coerção física, psíquica, econômica ou jurídica, encontra-se em todos os países e em todos os tipos de atividades econômicas, como o trabalho doméstico, a construção, a agricultura, a manufatura, a exploração sexual, a mendicância forçada, e viola os direitos humanos. Segundo a palestrante, a prática tem como fonte a vulnerabilidade promovida pela pobreza e a falta de acesso à educação, mas também pela migração, e cria "um entorno de concorrência desleal para as empresas e gera custos significativos para as sociedades e comunidades que têm que fazer frente às suas consequências".
No Brasil, no que se refere às piores formas de trabalho infantil, ainda são comuns casos de escravidão ou práticas análogas (tráfico de crianças, servidão por dívida, trabalho forçado, recrutamento de crianças para conflitos armados), prostituição e pornografia, atividades ilícitas (tráfico de drogas) e trabalho perigoso. Nesse quadro, a palestrante apresentou números que comprovam o trabalho infantil entre crianças de 10 e 13 anos (710,1 mil), trabalho doméstico de adolescentes entre 10 e 17 anos (253,3 mil), além de crianças resgatadas do trabalho escravo (1.875) e cerca de 2.487 pontos mapeados de exploração sexual nas rodovias.
A palestrante defendeu a aprendizagem para adolescentes de 14 a 17 anos, desde que obedecidas regras de prevenção e proteção, como direito assegurado à educação e capacitação, emprego protegido e formalizado, e concluiu que o trabalho, "como fator de promoção da justiça social, capacidade de mudar a realidade econômica, de progresso, diminuir desigualdades, superar pobreza e garantir direitos humanos" exige mais que uma discussão entre governo, trabalhadores e empregadores, mas um "diálogo social" com a participação de toda sociedade civil, do Judiciário, governos locais, Ministério Público e Defensoria Pública.
Sob a regência da maestrina Natália Laranjeira, o Seminário teve um momento cultural durante o intervalo,
com a apresentação musical da Orquestra Camerata Filarmônica Jovem de Indaiatuba e do projeto Camerata Comunidades
2ª mesa: A organização do trabalho e da produção
A chamada GIG Economy, as novas tecnologias e o futuro do trabalho fomentaram as discussões da segunda mesa-redonda do dia, coordenada pela juíza titular da Vara do Trabalho de Itapira, Fernanda Cristina de Moraes Fonseca. O juiz Firmino Alves Lima, titular da 1ª Vara do Trabalho de Piracicaba e gestor regional do Programa Nacional de Prevenção aos Acidentes do Trabalho, abordou os Desafios Regulatórios e Protetivos da GIG Economy. Em meio a tantos conceitos, Firmino sugeriu uma definição para essa nova tendência mundial mercadológica, exemplificada pelos serviços como Uber, Airbnb e Ifood. "GIG Economy é um modelo de contratação, em sua imensa maioria mediado por plataformas digitais, que aproxima empresas prestadoras de serviço ou trabalhadores disponíveis a consumidores com demandas imediatas e geralmente imprevisíveis, e que, cada uma em sua proporção e suas regras, define de forma heterogênea as formas que tal serviço será prestado, com execução imediata e remuneração paga ao seu término".
Firmino elencou as origens deste tipo de economia, alicerçada no avanço brutal da tecnologia e sua popularização, que se caracteriza pelo uso de inteligência artificial combinado com a internet para aproximar demanda e oferta de serviços em velocidade extremamente rápida, minimizando custos. Na avaliação do magistrado, esse tipo de economia está provocando um remodelamento do mercado de trabalho, convertendo os trabalhadores em serviços à disposição a qualquer momento, sem a certeza e a estabilidade de renda, muito menos de proteção da seguridade social. "Trata-se de um violento abalo nos parâmetros trabalhistas comuns, em que a primazia dos dados tendem a reduzir as relações cotidianas aos modelos computacionais, lesivas à humanização, principal característica do trabalho", asseverou.
Como ideia de proteção básica nessa era do "dataísmo", Firmino defendeu que o direito do trabalho deve incorporar as novas tecnologias e as novas morfologias do trabalho humano, sendo primordial o respeito às condições mínimas dos trabalhadores como patrimônio jurídico universal, em observância dos direitos previstos nas oito principais normas da OIT (negociação coletiva, proteção contra a discriminação, proibição do trabalho forçado e do trabalho infantil) e nas principais cartas dos direitos humanos. "Temos que tirar a casca da imagem de novidade e responder aos mandamentos de proteção da dignidade", defendeu.
Complementando o debate, a vice-presidente judicial do TRT-15, desembargadora Tereza Aparecida Asta Gemignani, discorreu sobre as Novas Tecnologias e o Futuro do Trabalho, evidenciando as mudanças paradigmáticas vivenciadas pela sociedade em 1919, quando a OIT foi criada após a Primeira Grande Guerra, e em 2019, que comumente perpassaram por alterações das forças geopolíticas e da tecnologia, e também pelo desafio da implementação de novas formas de produção. Porém, os conflitos trabalhistas se tornaram muito mais complexos nos tempos atuais. De acordo com a magistrada, observa-se uma mudança estrutural e não apenas conjuntural do novo mundo do trabalho, em que surgem novos tipos de contratos de trabalho como job sharing, teletrabalho, trabalho intermitente, trabalho por conta própria (pejotização) e trabalho a tempo parcial, proporcionados, sobremaneira, pelas plataformas digitais. "As novas tecnologias procuram impor o ritmo da máquina ao corpo humano, um campo fértil para provocar lesões não só físicas, mas também mentais e morais ao trabalhador".
Para a desembargadora Tereza Asta, a alteração do novo mundo do trabalho reduz a primazia do modelo celetista como padrão e exige que o sistema normativo disponibilize novas formas contratuais. "O desafio consiste em manter uma rede protetiva. Em vez de tentar encaixar a multiplicidade e dinamicidade das situações fáticas em marcos teóricos estáticos, devemos construir soluções que observem as especificidades destas situações fáticas, oferecendo respostas com rapidez e mudança de foco, da reparação para a prevenção de conflitos". A magistrada destacou que essa rede protetiva deve abranger forte incentivo à negociação coletiva, citando o sistema de mediação praticado pelo TRT-15, por meio da Vice-Presidência Judicial. Também comentou sobre o estímulo à aprendizagem, capacitação e requalificação, e às ações de prevenção, temas centrais dos respectivos Programas de Combate ao Trabalho Infantil e de Estímulo à Aprendizagem e do Trabalho Seguro, mantidos pela Justiça do Trabalho.
Segundo a desembargadora, o cerne da controvérsia em 2019, tal como ocorreu em 1919, consiste em estabelecer que as diferenças biológicas, econômicas e culturais não podem justificar desigualdades no reconhecimento de direitos, reforçando a necessidade de resgatar a funcionalidade do Direito como marco protetivo, de atuar de forma mais propositiva e próxima das demandas sociais, e de ampliar o diálogo social e a representação sindical para abranger os não-celetistas. Nesse contexto, o Judiciário Trabalhista deve atuar como indutor do diálogo social inter partes, de políticas públicas e de prevenção de acidentes de trabalho.
3ª mesa: Tripartismo na OIT e Direito Ambiental do Trabalho
Sob a condução da juíza Laura Bittencourt Ferreira Rodrigues, titular da 2ª Vara do Trabalho de Americana, a terceira mesa-redonda do seminário teve como tema "Tripartismo, Negociação Coletiva e Diálogo Social". Foram convidados para apresentar os debates a procuradora Lorena Vasconcelos Porto, do Ministério Público do Trabalho (MPT) da 2ª Região (SP), e o procurador João Berthier, do MPT da 1ª região (RJ). A diretora da Ejud-15, desembargadora Maria Inês Corrêa de Cerqueira César Targa, e a coordenadora pedagógica do seminário, juíza Fernanda Cristina de Moraes Fonseca, também compuseram a última mesa de debates do seminário.
A procuradora Lorena Porto falou sobre o "Tripartismo e diálogo social na Reforma Trabalhista". Antes, contudo, a procuradora contextualizou a criação da OIT no final da 1ª Guerra Mundial, em 1919, explicando que um de seus principais objetivos foi o de "estabelecer condições de trabalho mínimas a serem respeitadas pelos diversos países e, com isso, evitar a concorrência desleal".
Ao discorrer sobre a natureza tripartite da Organização, a palestrante disse que a Conferência Internacional do Trabalho (assembleia geral da OIT) conta com dois representantes dos governos de cada Estado-membro mais uma representação paritária de trabalhadores e empregadores, com um para cada segmento, e que a mesma proporcionalidade é observada no seu Conselho de Administração. Ela anotou também que a OIT fomenta a aplicação do tripartismo pelos Estados-membros na elaboração e aplicação de suas leis internas, conforme Recomendação 113 e Convenção 144, que estabelecem consultas tripartites para promover a aplicação das normas internacionais do trabalho.
Diante de tais elementos, sustentou que a Reforma Trabalhista (Lei 13.467/2017) e outros diplomas recentemente aprovados, como a chamada lei geral da terceirização (13.429/2017), não observaram o princípio do tripartismo, pois "não foram precedidas da necessária, ampla e democrática discussão com a sociedade civil, com as instituições e órgãos envolvidos e com os atores sociais". Lorena Porto também falou sobre o chamado controle de convencionalidade das normas nacionais em relação às convenções da OIT, que ingressam no ordenamento brasileiro com status supralegal ou de emenda constitucional, a depender do rito legal de entronização.
O tema da palestra do procurador João Berthier foi "Direito Ambiental do Trabalho: implicações na negociação coletiva". Antes, porém, ele fez algumas considerações sobre a necessidade de se equilibrar o desenvolvimento econômico com a preservação do meio ambiente. "A indústria metalúrgica, por exemplo, certamente produz impacto no meio ambiente, mas gera empregos. Assim, a solução para o País não está nos extremos, é preciso encontrar um arranjo entre a preservação e o crescimento", afirmou.
Ao discutir o papel que cumpre o Direito Ambiental do Trabalho na sociedade, o palestrante abordou seus princípios norteadores, extraídos da Constituição Federal de 1988. Em relação ao da prevenção, disse que o ser humano, usando a razão, pode antecipar as consequências de sua conduta. "Se vou iniciar um processo produtivo, eu consigo antever os riscos e posso agir para evitar o dano. Essa é a prevenção, lidar com o risco que eu identifiquei". Na sequência, citou o princípio da precaução, "a nossa condição humana não nos permite ver o todo", sendo fundamental agir com cautela em situações novas e desconhecidas. "Precaução é me defender do que eu não conheço", anotou.
João Berthier destacou que há alguns trabalhos com altos riscos, mas que são socialmente imprescindíveis, como o do policial e os relacionados à energia elétrica e combustíveis, entre outros. Assim, pela importância destas atividades para a sociedade, existe o pagamento dos adicionais, perfazendo outro princípio do Direito Ambiental do Trabalho. Por fim, o procurador falou sobre o princípio da monetização do risco.
Encerramento
A partir de uma síntese dos debates realizados, a juíza Fernanda Cristina de Moraes Fonseca fez algumas considerações sobre o futuro do Direito Social do Trabalho no Brasil, e afirmou que os objetivos de fundação da OIT continuam atuais, como a necessidade de gerar trabalho decente, de erradicar todas as formas de trabalho forçado e de trabalho infantil e de rejeitar "a mercadorização do trabalho e do trabalhador". A coordenadora pedagógica do seminário disse que o Brasil continua sendo um recordista em relação a acidentes e doenças do trabalho, sendo que "as doenças mentais decorrentes dos novos modelos produtivos e do assédio organizacional despontam nas estatísticas", e manifestou preocupação com "as iniciativas para flexibilização das NR's, como se elas fossem um empecilho para o crescimento econômico". A magistrada deixou uma série de questões para a reflexão dos participantes como, por exemplo, na discussão acerca do vínculo empregatício de trabalhadores arregimentados por plataformas virtuais de prestação de serviços, ponderando se não seria o caso de realizar "uma nova interpretação da subordinação, através de uma ampliação subjetiva de seu conceito".
A diretora da Ejud-15, desembargadora Maria Inês Corrêa de Cerqueira César Targa, encerrou os trabalhos exaltando o nível das discussões e ponderou: "Precarização, flexibilização, reformas, desemprego, desalento, negociado sobre o legislado, haverá amanhã para o mundo do trabalho?". Para a magistrada, "o que sabemos, nos 100 anos da criação da OIT, é que temos que discutir muito o futuro do trabalho, é preciso sim de um patamar mínimo de direitos, de civilidade, para todos. E mais do que nunca, a gente tem que debater o fortalecimento da Justiça do Trabalho, que tem cumprido de forma muito adequada o seu papel social de construir uma sociedade mais justa, adequada e relevante."
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