1ª Câmara indeniza em R$ 5 mil jovem aprendiz que sofreu danos morais em serviço no Conselho Tutelar

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Contratada como menor aprendiz pela Legião Feminina de Lençóis Paulista, a jovem de 17 anos foi designada a prestar serviços junto ao Conselho Tutelar do município, como recepcionista, mas não demorou para apresentar sinais claros de perturbação mental (depressão, síndrome do pânico e transtornos de ansiedade), devido ao trabalho em contato com casos graves de abuso sexual, estupro, violência doméstica, espancamento, uso de drogas e abandono de crianças e adolescentes. Após pouco mais de um ano afastada, a jovem pediu demissão.

Na Justiça do Trabalho, a aprendiz teve seu pedido julgado improcedente em primeira instância. Em seu recurso, insistiu, porém, pela condenação das reclamadas (Legião Feminina e Município de Lençóis Paulista) ao pagamento de indenização por dano moral e material, bem como o reconhecimento da nulidade do contrato de aprendizagem.

Para o relator do acórdão da 1ª Câmara, desembargador José Carlos Abile, “não há como negar o desvirtuamento do contrato de menor aprendiz, bem como a responsabilidade da empregadora pela doença psíquica adquirida pela jovem trabalhadora”. O colegiado afirmou, no julgamento unânime, que “locais que envolvem histórias difíceis de abusos de toda ordem contra crianças e adolescentes, sérias negligências, abandono e violência, como os Conselhos Tutelares, não são ambiente para jovens aprendizes, seres em desenvolvimento que precisam de ambientes sadios que os encorajem ao mercado de trabalho, como uma experiência positiva”, e também ressaltou que “as vivências do primeiro emprego devem fortalecer a capacidade e potência dos jovens e não fazê-los sentirem-se incapazes de realizar atividades para as quais, na verdade, ainda não estão prontos”.

Em sua defesa, a reclamada alegou que a jovem “não tinha contato com os casos, e que cabia a ela apenas identificar e direcionar pessoas ao atendimento e realizar agendamento através de sistema de informática”, mas a prova produzida nos autos demonstra que a reclamante fazia a primeira triagem, antes do encaminhamento aos conselheiros, tendo contato com histórias e casos graves, como abusos e maus-tratos de crianças e adolescentes. E por ser a pessoa responsável pelo primeiro contato do público, não era incomum atender pessoas que “chegavam nervosas e queriam desabafar com quem estivesse ali”.

Uma das conselheiras tutelares, em depoimento como testemunha da aprendiz, afirmou que a jovem “trabalhava das 8h às 17h, com 1h a 1h30 de almoço”, revezando o trabalho com uma secretária, e que, como “legionária mirim, atendia as pessoas que procuravam o serviço do Conselho Tutelar, fazia fichas e solicitava documentos, anotava nas fichas também do que se tratava o atendimento, se de abuso, problemas em escolas, maus-tratos, sendo esses casos mais graves”, mas negou que a jovem tivesse mais contato com as pessoas depois de feitas as fichas. Uma segunda testemunha da reclamante disse ter presenciado a jovem “escutando a história de uma senhora que pretendia a guarda da neta porque a mãe era usuária de drogas”.

Já a testemunha da empregadora, uma assistente social, afirmou que “não acompanhava as atividades diárias da reclamante, tendo contato com ela uma vez por mês”, e por isso, no entendimento do colegiado, “não foi categórica em responder perguntas fundamentais relativas às atividades desempenhadas pela jovem trabalhadora”.

No entendimento do colegiado, porém, “a rotina dos Conselhos Tutelares está longe de ser meramente burocrática” e é sabido que, “na maioria das vezes, as pessoas que buscam o órgão estão com as emoções efervescentes, e portam histórias muito difíceis de serem escutadas, sobretudo para uma jovem de 17 anos, que ainda não tem maturidade e vivência necessárias para absorver toda essa carga de informações”. Tanto isso é verdade que o laudo médico do psiquiatra que atendeu a reclamante constatou que a jovem "apresenta quadro depressivo moderado a grave” e “tem dificuldade em lidar com o sistema de trabalho e a carga emocional das entrevistas que faz".

A psicóloga que passou a atender a reclamante afirmou em seu relatório, destinado ao empregador, que a jovem aprendiz “pela sua idade tinha um cargo ‘pesado’ na área psicológica no setor do seu trabalho, e lidava com muitos problemas”. O médico ressaltou ainda que a jovem “não tem um histórico familiar bom, com alguns traumas em sua infância, porém revividas novamente no seu dia a dia no trabalho”. A psicóloga afirmou também que a paciente “está em tratamento”, que “não tem condição alguma de voltar ao mesmo lugar de trabalho (Conselho Tutelar)”, e que “necessita urgentemente ser transferida ou afastada novamente”, mas salientou que ela “não pode pedir a conta do trabalho, pois está em tratamento com fortes transtornos que foram gerados no seu setor de trabalho”, e que faz “uso de fortes medicamentos faixa preta e homeopáticos”.

Embora o perito nomeado pelo Juízo tenha afastado o nexo de causalidade entre a doença psiquiátrica e o ambiente de trabalho, “não trouxe elementos necessários para elidir as fundamentadas conclusões dos relatórios dos especialistas em saúde mental que acompanharam a reclamante desde suas primeiras queixas”, ressaltou o acórdão. O colegiado também lembrou que, “embora observados os requisitos formais, a essência da aprendizagem, que garantisse a compatibilidade das atividades com o desenvolvimento psicológico da jovem trabalhadora não foi observada”, e destacou o fato “curioso e inaceitável”, conforme o próprio acórdão, de que “a violação ao direito da jovem trabalhadora de ter um ambiente psicologicamente adequado à sua idade e maturidade, partiu de duas entidades que têm como finalidade a proteção da infância e da adolescência”.

A Câmara concluiu que “em face do descumprimento de todo arcabouço jurídico protetivo ao trabalho do menor, impende reconhecer a nulidade do contrato de aprendizagem, o que torna a aprendiz empregada efetiva com seus direitos trabalhistas garantidos”. Ressaltou, por fim, que o pedido de demissão “nitidamente está eivado de nulidade, já que a reclamante, diante de seu quadro de saúde mental, negligenciado pela empregadora, precisou pedir demissão diante da insustentável continuidade do contrato, mesmo precisando do emprego, como ponderado pela psicóloga que acompanhava a reclamante”. E pelo fato de o afastamento previdenciário (de 26/9/2018 a 31/10/2019) ter ocorrido em razão de doença relacionada ao trabalho, nos termos da Súmula 378 do TST, “devem ser assegurados à trabalhadora os salários relativos aos doze meses posteriores à alta previdenciária, bem como as férias do período com 1/3 e 13º salário”.

O acórdão, por fim, concluiu que o dano moral sofrido pela aprendiz, por culpa da empregadora por seu adoecimento psíquico, “não requer prova, pois o prejuízo, nesses casos, está in re ipsa”, e que, no caso, “escolheu mal a empregadora o local em que a reclamante prestaria serviços, sendo evidente que o Conselho Tutelar não é ambiente adequado para o menor aprendiz”, portanto, “evidente o dano moral sofrido pela reclamante, de modo que a empregadora deve arcar com a indenização correspondente”. Quanto ao valor, o colegiado levou em consideração a culpa da reclamada e o nexo de causalidade, a posição social do ofendido, a situação econômica das partes e a extensão do dano, e arbitrou à indenização o valor de R$ 5 mil. Quanto ao dano material, o colegiado arbitrou a indenização, “cujo objetivo é a recomposição do patrimônio do acidentado ao mesmo patamar existente antes do acidente”, de pagamento de 100% de seu salário no período em que a jovem aprendiz esteve completamente incapacitada para o trabalho (de 26/9/2018 a 31/10/2018). (Processo 0010121-56.2019.5.15.0074)

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