Câmara julga que responsabilidade foi do trabalhador e absolve empresa de pagar indenização
Por Ademar Lopes Junior
No dia 14 de julho de 2006, o trabalhador da empresa do ramo de reciclagem de lixo, na região de Mogi Mirim, teve a falange de seu dedo anelar da mão esquerda decepada por uma fita da máquina, quando ele operava a serra de fita, cortando discos de madeira para a fabricação de carretéis usados no acondicionamento de fios e cabos elétricos. Segundo ele conta, sua mão foi “puxada pela fita da máquina”, provocando o acidente. Levado à Santa Casa do Município, foi atendido na emergência.
O laudo pericial, com base em respostas do trabalhador, afirmou que “se a máquina manuseada pelo autor possuísse a proteção necessária, o acidente teria sido evitado” e ainda acrescentou que “não houve qualquer treinamento do autor para a função por ele exercida”. O perito calculou a redução da capacidade laboral em 15%, com incapacidade parcial e permanente de acordo com a tabela da Superintendência de Seguros Privados (Susep).
Na Vara do Trabalho de Mogi Mirim, a sentença reconheceu como procedentes os pedidos do trabalhador e condenou a empresa ao pagamento de R$ 55 mil de indenização por danos morais e R$ 45 mil de danos materiais. A reclamada entendeu que a decisão não foi coerente e pediu, em recurso, sua anulação, alegando ter havido julgamento extra petita e ultra petita. A empresa entendeu que o acidente que vitimou o reclamante ocorreu “por sua única e exclusiva culpa” e argumentou que o próprio autor havia pedido que “o valor arbitrado [a título de indenização] tivesse por base 50 vezes a renda mensal por ele percebida antes do acidente, sendo certo que seu salário era, à época, R$ 536 mensais”. Dessa forma, ponderou a empresa, “o limite que poderia ter sido deferido ao reclamante, e desde que considerados os danos sofridos em grau máximo, com base no salário de R$ 536 mensais, seriam R$ 26.800, e não as respectivas indenizações de R$ 55 mil (danos morais) e R$ 45 mil (danos materiais)”.
O juízo de primeira instância considerou que “o incidente ocorreu por culpa do empregador em suas três versões: in eligendo, in vigilando e in omitendo. Portanto, clara a presença dos requisitos a ensejar uma reparação a título de danos morais, levando-se em conta as análises e conclusões constantes do laudo pericial, o grau de incapacidade, o tempo de trabalho na reclamada e os demais elementos que compõem o conjunto fático-probatório dos autos”. A sentença considerou também o fato de que o trabalhador era músico profissional e que, embora o fato não seja comprovado em sua carteira de trabalho, “não se questiona que o reclamante, ainda que por hobby, era músico e deste lazer ficou privado pela perda de duas falanges de seu dedo anelar da mão esquerda, sendo violinista”.
O recurso da empresa foi julgado na 11ª Câmara do TRT, e a relatora do acórdão, desembargadora Olga Aida Joaquim Gomieri, apesar de ter rejeitado o argumento da empresa de julgamento extra e ultra petita, seguiu em entendimento contrário ao do juízo de primeira instância, afirmando que é “forçoso concluir que, na realidade, o acidente que vitimou o obreiro não se deu por culpa da empresa, sequer concorrente, mas ocorreu por única e exclusiva culpa do laborista, que, muito provavelmente, por imperícia, imprudência ou negligência, e, ainda, inexperiência, acabou agindo com ato inseguro, extrapolando os limites da proteção da lâmina da máquina de serra, vindo a encostar seu dedo anelar da mão esquerda na fita de serra dentada, o que, infortunadamente, acarretou-lhe a perda de parte da falange do referido dedo, com posterior indicação de amputação médica”. O acórdão considerou também que foi “frágil” o laudo pericial, que relatou as declarações do reclamante.
A decisão colegiada destacou que “é bem verdade que há doutrinadores, em minoria, que chegam a entender que a responsabilidade, em se tratando de acidente de trabalho, é ‘objetiva’, cuja tese foi inclusive adotada pela origem”, porém, “tanto a Constituição Federal como o Código Civil filiaram-se expressamente à teoria ‘subjetiva’, erigindo o dolo e a culpa como fundamento para a obrigação de reparar o dano”, salientou.
Nesse entendimento, o acórdão afirmou que “não subsistirá o dever do empregador de indenizar se o dano resultante de acidente advém de culpa exclusiva da vítima ou se não demonstrada a culpa do empregador e o nexo de causalidade” e acrescentou que, no caso, “a despeito das manifestações do autor em sentido contrário, restou demonstrado nos autos que o laborista recebeu os EPI’s adequados às atividades por ele realizadas, como se observa do cotejo do quesito nº 14 e resposta correspondente”. E acrescentou que, “no tocante à espécie de luva utilizada pelo obreiro durante o desempenho de seu mister, em que pese esta importante informação também não tenha sido abordada pelo perito, insta salientar que, consoante os termos da defesa, o reclamante recebera da empresa um par de luvas de raspas”. A empresa esclareceu ainda que “a alegação (do autor) de que deveria usar luvas de aço é totalmente contrária às normas de segurança”, eis que “somente se usa a luva de aço em frigoríficos, abatedouros, onde se trabalha com facas e serra de fita cortantes e não serra de fitas dentadas e travadas, como no caso da madeira”. E também informou a reclamada que técnico em segurança do trabalho, após vistoria na empresa, certificou ter sido “analisada a possibilidade do uso de luva de malha do tipo açougueiro, porém, devido à fita ser dentada, correria o risco de a luva ser agarrada na fita, retendo a mão do funcionário na máquina, aumentando o risco do acidente, sendo que a luva de malha de aço somente é utilizada em serra de fitas, mas sendo a fita lisa (corte liso)”. Assim o acórdão concluiu que “a luva de raspas, fornecida pela reclamada, correspondia ao equipamento de proteção individual adequado para o tipo de atividade realizada pelo reclamante, no corte de madeira com fita de serra dentada”.
Quanto à afirmação do perito, de não haver prova nos autos de que o reclamante teria recebido treinamento, a decisão colegiada assinalou que “tal afirmação não pode ser restritiva e genericamente considerada, haja vista que o treinamento oferecido pelas empresas, ao empregado novato, com vistas à sua preparação para as atividades que irá assumir, consiste em conduta prática, a qual, não necessariamente é registrada por meio de relatórios, por exemplo. Assim, o simples fato de inexistir nos autos documentos que comprovem o treinamento ministrado ao autor não pode levar à presunção de que este não ocorrera. Aliás, como não houve produção de prova oral nestes autos (a qual poderia, efetivamente, ter elucidado tal questão), tendo em vista o princípio da razoabilidade, e, considerando-se, ainda, as máximas de experiência do Magistrado (artigo 335 , do CPC), ao contrário do r. entendimento proferido pela origem (fl. 226-v), forçoso depreender que o reclamante recebeu as orientações e treinamento imprescindíveis às atividades que iria desempenhar, já que não seria razoável, tampouco possível, que uma empresa que trabalha com reciclagem de resíduos industriais, dentre eles a madeira, lidando com fitas de serra elétrica, viesse colocar um empregado que acaba de integrar o seu quadro, para serrar madeiras, sem lhe oferecer um treinamento mínimo necessário, uma vez notório o alto risco de acidentes, inerentes ao próprio ramo de atividade.”
Por fim, a decisão da 11ª Câmara ressaltou que “é dever do juiz assegurar às partes igualdade de tratamento, como institui o artigo 125, inciso I, do CPC, sendo defeso ao magistrado responsabilizar a reclamada pelo infortúnio ocorrido com o obreiro, sem prova hábil para tanto”. E, por isso, reformou a “decisão da origem, revogando-se a condenação da ré ao pagamento das indenizações por danos morais (R$ 55 mil) e materiais (R$ 45 mil)”, revertendo, ao trabalhador, o encargo do pagamento dos honorários periciais sobre o valor dado à causa (R$ 113.803,71), no importe de R$ 2.276,07, nos termos do artigo 789, inciso II, da CLT, do qual está isento, já que lhe foram concedidos os benefícios da justiça gratuita”. (Processo 0060400-28.2007.5.15.0022 RO)
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