Judiciário celebra hoje, 25, o Dia Nacional da Adoção, em evento no Superior Tribunal de Justiça
Segundo o Conselho Nacional de Justiça, há hoje seis vezes mais pretendentes do que menores aptos à adoção no País, mas as exigências dos adotantes impossibilitam dar um lar a mais de 50 mil crianças e adolescentes que crescem nos abrigos
Por Patrícia Campos de Sousa
Quando estava grávida de seu segundo filho, a juíza Ana Cláudia Torres Vianna, titular da 2ª Vara do Trabalho (VT) de Campinas, foi informada da disponibilidade de uma criança para adoção. Foram quase dois anos de espera, muito embora a única condição por ela indicada fosse que a criança tivesse menos de um ano. Bastou levar Bruno, então com dois anos, para passar um fim de semana em sua casa, para Ana decidir-se por sua guarda. A adoção foi oficializada seis meses depois, conforme dispõe o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), de 1990, que passou a disciplinar as adoções em todo o País.
Casada com o também juiz Flávio Gaspar Salles Vianna, titular da 6ª VT de Campinas, Ana teve a família ampliada alguns anos mais tarde, com o nascimento dos gêmeos. Hoje com 12 anos, Bruno lida com naturalidade com a condição de adotado. Mas, apesar de manter um ótimo relacionamento com os quatro irmãos, não deixou de ser alvo de preconceito dos coleguinhas de escola. Também não tem sido fácil apagar as marcas deixadas pelos maus-tratos sofridos antes de chegar ao abrigo, aos dois meses.
“As coisas hoje estão melhores. A Constituição de 1988 assegurou os mesmos direitos aos filhos adotivos ou consanguíneos. A espera na fila de adoção agora é menor, mas ainda é um processo muito moroso”, observa Ana. Outra dificuldade apontada pela magistrada é a rapidez com que a decisão tem de ser tomada. “Adoção é um passo muito sério. É fundamental estarmos cientes dos seus desdobramentos. Precisa ser uma decisão tranquila, consciente, refletida. Não basta você escolher a criança. Ela também tem de escolher você”, pondera.
Como Ana e Gaspar, muitos homens e mulheres, entre eles vários magistrados e servidores do Tribunal, amargaram meses até poderem concretizar o sonho de acolher crianças que não tiveram a felicidade de nascer em lares estruturados e receber o amor de seus pais biológicos. A grande quantidade de casais com filhos naturais que adotam ou querem adotar crianças parece mostrar que, longe de ser a última maneira de se ter um filho, a adoção é uma outra forma de ser mãe ou de ser pai.
Dia Nacional da Adoção
Para estimular este ato de amor, os participantes do I Encontro Nacional de Associações e Grupos de Apoio à Adoção, reunidos em Rio Claro (SP) nos dias 24 e 25 de maio de 1996, elegeram o dia 25 de maio como o Dia Nacional da Adoção. Oficializada em 2002, a data tem sido lembrada desde então como um momento de reflexão sobre a gravidade do problema e a necessidade de se avançar na sua superação.
Em celebração à data, o Supremo Tribunal Federal (STF) e o Superior Tribunal de Justiça (STJ), com o apoio do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), promoveram na tarde desta quarta-feira, 25, no Salão de Conferências do STJ, em Brasília, uma série de atividades relativas ao tema. Durante o evento, aberto pela corregedora nacional de Justiça, ministra Eliana Calmon, magistrados, representantes de órgãos públicos e de organizações não governamentais palestraram e prestaram esclarecimentos sobre o processo de adoção no Brasil. Os participantes também puderam assistir aos vídeos “Se essa casa fosse minha...” e “Adoção – Família para todos”, produzidos, respectivamente, pela Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB) e pelo Projeto Aconchego. Para ver ao vídeo “Se essa casa fosse minha...”, clique aqui .
O avanço promovido pelo Cadastro Nacional de Adoção do CNJ e os desafios atuais
Uma das atividades do evento foi a palestra do conselheiro do CNJ Paulo Tamburini, sobre o Cadastro Nacional de Adoção, elaborado pelo Conselho. Criada em 2008, a ferramenta reúne informações sobre o perfil das crianças e adolescentes que estão aptas à adoção no País e sobre as pessoas que pretendem adotá-las. Juízes, promotores de Justiça e outros representantes de cerca de três mil varas da infância e juventude de todo o Brasil estão habilitados a consultar o banco de dados, prática que, segundo o CNJ, tem diminuído significativamente a burocracia dos processos de adoção no Brasil. Além de contribuir para acelerar o procedimento, a medida revela-se fundamental para o desenvolvimento de políticas públicas na área.
Os dados do Cadastro Nacional de Adoção (CNA) revelam, contudo, uma desigualdade alarmante na relação entre pretendentes e candidatos à adoção. Enquanto 26.694 pessoas estão aptas a adotar, 4.427 crianças e adolescentes esperam por um novo lar. Esses números indicam que o perfil exigido pelos interessados em adotar ainda é um dos entraves para a reinserção dessas crianças e jovens em uma nova família. O CNA revela, por exemplo, que, do total de inscritos, 70% só aceitam crianças brancas, ao passo que existem hoje 2.095 crianças pardas, 882 negras e 1.550 crianças brancas aptas à adoção. O cadastro revela ainda que 86% dos pretendentes só aceitam adotar crianças ou adolescentes sozinhos, enquanto boa parte dos jovens possui irmãos, e que 80,7% dos adotantes exigem que os candidatos à adoção tenham no máximo três anos de idade, quando apenas 7% deles têm essa idade, segundo o sistema.
Com tamanhas exigências dos adotantes, outras 50 mil crianças e jovens ainda não aptas à adoção, em sua maioria não brancos e com idades entre 7 e 18 anos, parecem condenadas a crescer nos abrigos. Como observa o presidente da Comissão Especial de Direito à Adoção da OAB-SP, Antonio Carlos Berlini, “no Brasil a lista de pessoas que querem adotar uma criança é longa, e o processo é lento, mas isso acontece também porque as pessoas têm preferências por idade, cor ou sexo. Criança não falta, mas as pessoas demoram muito para escolher”.
Para Nicolau Lupianhes, juiz auxiliar da Corregedoria Nacional de Justiça, é preciso haver uma mudança cultural nesse sentido. “Precisamos trabalhar cada vez mais para a efetivação dos melhores interesses das crianças e adolescentes. Necessitamos de uma mudança de cultura quanto ao perfil desejado pela maioria, para que todos os jovens tenham oportunidade na adoção. O CNJ contribui para essas mudanças com o seu sistema de cadastros da infância e juventude.”
Do ponto de vista dos adotantes, uma dificuldade apontada recorrentemente é a pouca orientação recebida quanto ao processo de integração do adotado. “Tivemos de nos virar sozinhos, buscar por conta própria a formação necessária para lidar com a nova situação. Não houve uma preparação”, observa a juíza Ana. “Da mesma forma que a mãe biológica se prepara para a maternidade ao longo da gestação, a mãe adotante também deveria passar por uma gestação ao contrário, passar por uma adaptação à nova realidade”, propõe a magistrada.
Essa preparação certamente vai depender também das disponibilidades dos novos pais. Nesse sentido, é de se comemorar a decisão tomada pelo Pleno Administrativo do TRT da 15ª em junho de 2008, beneficiando o servidor Gilberto Semensato, que adotara sozinho uma menina de quatro meses. Assistente social da Diretoria de Saúde do próprio Tribunal, Gilberto conquistou o mesmo direito concedido às servidoras, de licenciar-se do trabalho por 90 dias para prestar os devidos cuidados a um filho adotado em seus primeiros meses de vida, quando a criança tem até um ano de idade, o que era o caso da filha de Gilberto – se a criança tiver mais de um ano, o período de licença é de 30 dias. Com a interposição de um recurso contra a decisão do Pleno da Corte, o caso foi parar no Conselho Superior da Justiça do Trabalho (CSJT), que manteve o entendimento do Regional, confirmando o direito do servidor à “licença-maternidade” de 90 dias, em lugar dos cinco dias previstos. A decisão do CSJT, tomada por unanimidade em março de 2009, tem servido desde então de precedente para outros casos semelhantes, estabelecendo-se, assim, um novo paradigma sobre a questão em toda a Justiça do Trabalho. Segundo o relator do processo no CSJT, ministro Carlos Alberto Reis de Paula, o reconhecimento do direito do servidor teve como fundamento, além do ECA, a própria Constituição Federal, que garantem à criança adotada um período de adaptação à nova família.
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