Acidente de trabalho: câmara afasta prescrição, mantém indenização por danos morais, mas reduz valor
Por Ademar Lopes Junior
O acidente com o empregado da empresa do ramo do agronegócio ocorreu em 22 de janeiro de 1989, enquanto ele efetuava a troca da peneira da máquina de rolar (uma máquina de fazer ração), que, naquele momento, estava em funcionamento. Seus dedos da mão esquerda foram prensados, e, com o impacto, o trabalhador sofreu visível amputação ao nível da falange distal do terceiro dedo da mão esquerda (a ponta do dedo médio). A ação perante a Justiça Estadual, de indenização por danos morais e materiais decorrentes de acidente de trabalho ou de doença profissional, só foi apresentada em 18 de março de 2002 (antes do advento da Emenda Constitucional 45/2004, que foi publicada no dia 31 de dezembro de 2004), treze anos depois da rescisão contratual, que se deu em 25 de abril de 1989.
O juízo de primeira instância, da Vara do Trabalho de Capivari, que julgou o caso depois da entrada em vigor da EC 45/2004, reconheceu, quanto à prescrição alegada pela reclamada, que, apesar de “ser aplicável a prescrição prevista no inciso XXIX do artigo 7° da Constituição Federal de 1988 aos processos que tenham por objeto indenização por danos morais e materiais decorrentes de acidente de trabalho ou de doença profissional, em virtude de a indenização por acidente de trabalho ser igualmente um direito de natureza trabalhista, resultante da relação de trabalho, previsto no inciso XXVIII do artigo 7° da CF/88, é certo que, no presente caso, não há que se falar na ocorrência de prescrição total”, até porque “à época em que foi ajuizado [o feito] prevalecia o entendimento de que incidia a prescrição vintenária prevista no Código Civil de 1916, e o reclamante não pode ser penalizado em razão do deslocamento da competência para a Justiça do Trabalho”.
Quanto ao pedido de indenização, a sentença julgou que, uma vez incontroverso o fato de que o trabalhador sofreu acidente de trabalho, e de que a culpa recaiu integralmente sobre a reclamada, o valor definido para “compensar” a dor do reclamante seria de R$ 100 mil.
A empresa bem que tentou imputar ao trabalhador a culpa pelo acidente, afirmando que ele deveria ter desligado a máquina para efetuar a troca da peça. O juízo de primeira instância, porém, entendeu que a empresa não conseguiu demonstrar “nem que o obreiro havia recebido treinamento para a atividade que exercia quando se acidentou, nem que lhe havia sido fornecido qualquer EPI [equipamento de proteção individual], sendo todas as notas fiscais posteriores a 1989, e a prova de aquisição de grades de proteção, datada de 1995”. E, por isso, afastou a culpa exclusiva ou a culpa concorrente do trabalhador, concluindo pela culpa exclusiva da empresa, já que “é sua a obrigação de resguardar a integridade física de seus empregados, de fiscalizá-los no exercício de suas funções e de manter ambiente de trabalho livre de riscos, para que não ocorra qualquer infortúnio, especialmente porque, a partir do momento em que foi determinado ao demandante que operasse uma máquina de fazer ração, sem ter recebido o adequado treinamento ou qualquer equipamento de proteção individual, a ocorrência de acidentes era totalmente previsível”.
Por outro lado, o perito concluiu, nos autos, que o trabalhador “não possui limitações funcionais de qualquer ordem e que está em plena atividade laborativa”. Mesmo assim, o juízo de primeiro grau ressaltou que, “ainda que o acidente não tenha causado incapacidade laborativa ao obreiro nem qualquer limitação funcional”, ele “faz jus, sem sombra de dúvida, a indenização por danos morais, ora arbitrada em R$ 100 mil, por ter passado por momentos de dor e de aflição e por ter que se submeter a cirurgia e a tratamento médico, o que certamente lhe ocasionou tristeza, desgosto e aborrecimento”.
Inconformada, a empresa recorreu, renovando o pedido de prescrição e, também, combatendo a indenização por danos morais arbitrada. O relator do acórdão da 7ª Câmara do TRT, desembargador Luiz Roberto Nunes, no que se refere à prescrição, entendeu que “o conflito das normas regentes da prescrição aplicável à reparação acidentária deve ser solucionado à luz do princípio ‘tempus regit actum’ (segundo o qual é aplicável a lei em vigência à época do fato gerador do direito)”. E por isso manteve a sentença de origem, que não acolheu a arguição de prescrição.
Quanto aos danos morais, a Câmara reconheceu que a empresa tinha razão em seu inconformismo. A reclamada alegou, em seu recurso, que o valor fixado a título de danos morais (R$ 100 mil) é “abusivo, caracterizando enriquecimento sem causa”. O colegiado lembrou que “houve afastamento previdenciário, com gozo de auxílio-doença acidentário da data do acidente [22 de janeiro de 1989] até 12 de abril de 1989”, e que “as sequelas identificadas implicam redução mínima da capacidade de trabalho, não impeditivas para o desempenho de atividades atinentes ao meio rural”. Ressaltou também que, segundo o primeiro perito dos autos, “a perda laborativa foi de 3%, conforme a tabela da Superintendência de Seguros Privados (SUSEP)”. Já o segundo perito, nomeado pelo juízo de origem, entendeu que houve “nexo causal, associado a ato inseguro do reclamante, não havendo limitação funcional”.
O acórdão reconheceu a “culpa aquiliana” do empregador pelo desrespeito deste para com o trabalhador. A culpa da empresa se comprovou pela falta de entrega de equipamentos de proteção individual ao trabalhador, limitando-se a juntar notas fiscais referentes à compra de EPIs datadas a partir de 1993, ou seja, quatro anos após a ocorrência do acidente. O acórdão lembrou que essa modalidade de culpa gera “automaticamente a obrigação de indenizar o dano, nos termos do previsto no artigo 186 do Código Civil, partidário da teoria da responsabilidade subjetiva”. E concluiu, em consonância com a sentença, pela culpa exclusiva patronal, reconhecendo o direito do trabalhador à indenização por danos morais, pela “lesão a bens pertencentes ao patrimônio subjetivo do reclamante e pelo abalo em sua órbita interna, uma vez que a higidez física e mental do ser humano são bens fundamentais de sua vida, privada e pública, de sua intimidade, de sua autoestima e de sua honra (bens tutelados na Constituição Federal – artigo 5º, incisos V e X, e artigo 7º, inciso XXVIII)”. Além da dor física, destacou também “o sofrimento e o constrangimento do autor, em diversas situações de sua vida cotidiana, por ter havido rompimento da harmonia de seu corpo”.
Mas, no tocante ao valor arbitrado, salientou que “a dificuldade é encontrar, nos dizeres de Aristóteles, o justo meio-termo”. E considerando todas as circunstâncias do fato (extensão do dano que resultou em redução mínima da capacidade laborativa, grau de culpa da reclamada, potencial econômico da empregadora), reconheceu como excessivo o valor de R$ 100 mil arbitrado pela origem e reduziu para R$ 2 mil, valor que, segundo a decisão colegiada da 7ª Câmara, “se mostra suficiente para compensar o autor”. (Processo 0135600-58.2005.5.15.0039)
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