Lei de Abuso de Autoridade é tema de seminário
O Seminário “Lei de Abuso de Autoridade: textos, contextos e pretextos (Lei 13.869/2019)”, conduzido pelo ministro do Tribunal Superior do Trabalho (TST), Cláudio Mascarenhas Brandão, e pelo juiz Guilherme Guimarães Feliciano, titular da 1ª Vara do Trabalho de Taubaté, marcou a abertura das atividades pedagógicas do ano da Escola Judicial do TRT-15 nesta sexta-feira, 7/2. O evento reuniu no Auditório Ministro Coqueijo Costa, no Plenário da Corte, aproximadamente 160 magistrados de primeiro e segundo graus, procuradores do Ministério Público do Trabalho, servidores e estudantes.
Na abertura dos trabalhos, uma banda formada pela juíza Rita de Cássia Scagliusi do Carmo (voz), titular da 10ª VT de Campinas, e pelos servidores Joyce Braga (voz), Fabio Padoan (baixo), Wagner Honorato (violão) e Renato Hinz (cajon) executou três canções da MPB que, segundo a juíza Rita Scagliusi, é “uma homenagem à cultura, à arte e aos trabalhadores de um modo geral, mas também uma forma de resistência e uma mensagem de esperança para os dias de hoje no País”. As músicas executadas foram “Viola enluarada” (Marcos Valle e Paulo Sérgio Valle), “Fábrica” (Renato Russo) e “A cura” (Lulu Santos).
A diretora da Escola Judicial e coordenadora do primeiro painel, desembargadora Maria Inês Corrêa de Cerqueira César Targa, destacou o papel da Escola Judicial na formação de excelência de magistrados e servidores, especialmente nesses tempos de grandes dificuldades orçamentárias, sempre com a preocupação de promover atividades relevantes que possam repercutir não só na carreira, mas na vida dos envolvidos e, também, na sociedade.
Para os magistrados, particularmente, a desembargadora Maria Inês lembrou a importância de se resgatar a alegria e a visão mais humana do trabalho do juiz, e reconheceu que os tempos atuais são de “cobranças extremas e vocações despedaçadas”, o que gera naturalmente uma grande insatisfação e frustração, mas que exige, ao mesmo tempo, o convencimento de que “não basta decidir, é preciso fazê-lo em consonância com os anseios sociais e com a ética”.
Primeiro painel
Conduzindo o primeiro painel, sob o título “Lei de Abuso de Autoridade e a atuação do magistrado na execução de ofício”, o palestrante convidado, ministro Cláudio Mascarenhas Brandão, ressaltou, principalmente, de que maneira a Lei de Abuso de Autoridade afeta os magistrados. Para isso, é preciso responder primeiro qual o papel do juiz e, depois, se esse papel sofre influência da lei. Nessa esteira, segundo o ministro, é importante também questionar o que é efetividade da execução e sua previsão legal no ordenamento jurídico, especialmente na Constituição Federal, no Código de Processo Civil e na Consolidação das Leis do Trabalho. O ministro salientou a importância desses pontos, lembrando que recentemente alguns juízes revelaram o receio de sofrerem condenações impostas pela nova lei de abuso por aplicarem constrições como penhora de bens ou valores.
No entendimento do ministro Brandão, a nova lei não afeta a busca da efetividade da sentença, que só se torna realmente “efetiva quando o bem da vida é entregue”. O palestrante também defendeu a efetividade da sentença como aquilo que “dá sentido de vitória ao litigante”, e ressaltou a importância do artigo 139 do CPC, que determina os “deveres do juiz” na condução do processo.
O magistrado defendeu, ao longo de sua exposição, que a nova lei não provocou nenhuma mudança significativa na atuação de ofício do juiz, inclusive na fase processual de execução, mas ressaltou a importância de que todas as decisões do juiz sejam fundamentadas. De novidade apenas, o ministro destacou o artigo 37 da Lei 13.869/2019, que agora criminaliza a demora “demasiada e injustificada” do processo, “com o intuito de procrastinar seu andamento ou retardar o julgamento”. Nessa seara, porém, o ministro defendeu a supremacia da realidade dos tribunais, que trabalham com números de processos “humanamente impossíveis”.
O ministro discorreu ainda, à luz da nova lei, sobre pontos como a desconsideração da pessoa jurídica, a atuação dos advogados, e o papel conciliador mas também coercitivo do juiz, que deve fazer valer o poder do Estado (Estado-juiz). O ministro afirmou, por fim, que não acredita que a nova lei tenha promovido um clima de “caça às bruxas”, mas ressaltou a importância, em todos os tempos, da necessidade permanente de uma atuação responsável da execução por parte do magistrado que, para ele, “não precisa ser herói ou arbitrário, mas simplesmente juiz”.
Ao final, a desembargadora Maria Inês agradeceu ao ministro por sua “coragem” em sua exposição, especialmente por trazer luz a pontos de interesse de todos os magistrados com a nova lei de abuso de autoridade.
Segundo painel
Coordenado pelo desembargador Eduardo Benedito de Oliveira Zanella, o segundo painel, sob o título “Lei de Abuso de Autoridade: riscos, garantias, limites e possibilidades”, foi apresentado pelo juiz Guilherme Guimarães Feliciano. Menos otimista que o primeiro expositor, o juiz Guilherme Feliciano conduziu sua exposição no sentido de alertar sobre os possíveis aborrecimentos e até constrangimentos que a nova lei pode proporcionar aos juízes. Feliciano lembrou, porém, que as condenações criminais serão raras, até mesmo pelo uso excessivo de tipos penais “complexos” que, ao contrário dos tipos penais puros (descritivos), desafiam a interpretação do julgador com termos de sentido muito amplo.
O juiz Guilherme Feliciano fez um paralelo entre a nova lei de abuso de autoridade (Lei 13.869/2019) e a anterior, a de número 4.898, de 1965. Segundo o palestrante, ao contrário da primeira, fruto de um período ditatorial, e que contemplava sanções mais leves, a nova lei nasceu de um “incômodo entre os parlamentares causados por procedimentos utilizados principalmente na Operação Lava Jato”, mas que “agora estão contemplados na nova lei”, como a condução coercitiva sem anterior intimação, prorrogação de prisão sem fundamentos, produção de provas ilícitas, entre outros.
O magistrado criticou a criação das leis penais no País, que repetem o simbolismo penal, com normas mais rigorosas em resposta ao clamor social e midiático, a exemplo da criação da lei dos crimes hediondos, na década de 1990.
Nesse sentido, o palestrante tocou em pontos como os objetos protegidos pela nova lei (imediato: direitos e garantias individuais e coletivos das pessoas físicas e jurídicas, e mediato: normal e regular prestação dos serviços públicos), a punição apenas pela forma dolosa (dolo genérico e não específico), os crimes previstos e seus agentes (“agente público, servidor ou não, que no exercício de suas funções ou a pretexto de exercê-las, abuse do poder que lhe tenha sido atribuído”), e especificamente em relação aos juízes do trabalho, pontos como falso testemunho, condução coercitiva da testemunha, penhora de imóvel e de ativos financeiros, uso de algemas, entre outros.
Em sua conclusão, o magistrado afirmou que espera que a nova lei de abuso de autoridade possa inspirar, mais que rigor, cautela, e citou o pensador francês François Rigaux, que critica o raciocínio judiciário que insiste em seguir num ritmo binário (bem e mal, justo e injusto), defendendo que “a realidade é caleidoscópica” e exige um olhar mais amplo sobre a vida.
O desembargador Zanella cumprimentou o palestrante e ressaltou os temas “sumamente relevantes” abordados. O magistrado também convidou o juiz Guilherme Feliciano a integrar um grupo de estudos, a ser organizado no TRT-15, e que também deverá contar com representantes da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e da Associação dos Magistrados da Justiça do Trabalho da 15ª Região (Amatra XV).
Por Ademar Lopes Junior
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