Os caminhos da Justiça são tema do Escola ao Vivo e reúne mais de 600 espectadores

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A Escola Judicial do TRT-15 promoveu, ao longo desta semana, entre os dias 14 e 17/4, no módulo à distância, o curso “Os três caminhos da Justiça Contemporânea”, ministrado ao vivo pelo professor Alysson Leandro Barbate Mascaro, livre-docente em Filosofia e Teoria Geral do Direito pela Universidade de São Paulo (USP). O curso, que integra o programa “Escola ao Vivo”, alcançou nos quatro dias de transmissão, num total de 8h/aula, um público médio de 600 pessoas por dia, entre magistrados, servidores e estagiários da 15ª Região e também de outros TRTs. Esse número, muito superior à capacidade do espaço físico que a Ejud comporta, foi comemorado pela diretora da Escola Judicial, desembargadora Maria Inês Corrêa de Cerqueira César Targa, como prova do sucesso do programa, um “verdadeiro Boeing no ar, sem turbulências”.

A magistrada agradeceu ao professor Alysson Mascaro pela exposição, mas também pela coragem de desafiar a todos a se tornarem uma “metamorfose ambulante” neste momento “em que seremos confrontados com tantos conflitos”, porém “sem paradigmas, a não ser um de construir, sem ódio, uma sociedade com um pouco mais de justiça”. A desembargadora também agradeceu à equipe da Escola Judicial pelo empenho no programa e à presidente do Regional, desembargadora Gisela Rodrigues Magalhães de Araujo e Moraes, pela condução do Regional nesses tempos tão adversos de isolamento social.

Caminho do Juspositivismo

O professor Mascaro traçou, logo de início um panorama histórico para explicar o que ele chamou de três caminhos possíveis para a explicação do pensamento jurídico e, particularmente, da própria Justiça. Das explicações “divinas” para os fatos da vida, e da justificação da norma pela vontade do rei, o Juspositivismo, primeira corrente abordada pelo palestrante, nasceu como forma de “explicar o mundo em termos práticos”. Nesse sentido, a filosofia juspositivista (ou no plural, como prefere o palestrante: filosofias juspositivistas), se dividem em eclética (século XIX), mesclando uma visão moralista com a positivista da norma, justificado por pensadores como Savigny, por exemplo, como o Volksgeist (o direito deve se cumprido porque veio do espírito do povo, o povo demanda as leis); estrita (século XX), cujo representante principal é Hans Kelsen, e que defendia uma teoria pura do direito, ou seja, “o direito é puramente normativo”, e deve ser aplicado não porque a norma é boa, mas porque simplesmente é a norma posta”. A terceira vertente juspositivista, chamada de “ética” (século XXI), justifica o cumprimento da norma por ser ela “democrática”, e porque dá direitos a todos, e usa para isso uma argumentação neopositivista e neoconstitucionalista. Na prática, segundo o palestrante, os defensores do juspositivimo ético se sentem confortáveis, porque “cumprem a norma, cumprem a Constituição, e ao cumprirem a norma observam os princípios justos” , mas na verdade apenas “defendem o interesse posto na norma jurídica”.

O conservadorismo dos juspositivistas, segundo o professor Mascaro, se baseia numa visão kantiana (o principal filósofo dessa corrente é Immanuel Kant) de indiferença, pouco se importando se a norma é justa ou injusta, limitando-se ao tempo presente.

Caminho do Não-Juspositivismo

Em contraponto à explicação juspositivista, os não-juspositivistas podem até ser considerados uma opção “melhor”, uma vez que, não aceitando o direito positivo (a norma vigente), transcendem o senso comum, sem serem, no entanto, críticos, e não chegam a formar uma unidade teórica entre si. Seus principais pensadores são Nietzsche (pensador combativo contra a ordem existente), Heiddeger (pensador em outro diapasão, com filosofia existencial), Gadamar, Foucault, dentre outros.

Para os não-positivistas, não é possível dizer que há um só sentido da história. Se o juspositivista defende uma ordem posta (ainda que seja da ditadura), o não-juspositivista defende a não ordem posta, mas com uma vasta gama de fundamentos e possíveis implicações variadas. Para esses pensadores, a ordem posta é “injusta” e por isso é preciso organizar da sociedade de outro jeito, de preferência como era antigamente. Essa postura reacionária revela uma orientação para o passado, e diversamente do sentimento de indiferença dos juspositivistas, alimentam um “ódio” por tudo aquilo com que não concordam.

É verdade, porém, que existem filósofos não-juspositivistas que se aproximam muito de um pensamento crítico, como por exemplo Foucault, que afirma que o direito não deve ser o direito positivo, porque ele se sustenta em bases sociais que não têm lastro nenhum na lei. Nesse sentido, Foucault pode ser considerado um avanço entre os que não defendem o direito positivado.

Outro pensador nessa linha não-juspositivista de grande importância para o direito é Hans-Georg Gadamer Em sua obra Hermenêutica – verdade e método, segundo Mascaro a mais importante na história, ele resgata as noções mais basilares da hermenêutica, e defende que “nunca uma hermenêutica jurídica foi normativa”, mas que “todo fenômeno de hermenêutica é um fenômeno de compreensão, um ato de perceber, interpretar, um “apreender com as mãos”. Gamader afirma ainda que a hermenêutica é uma “apreensão da pessoa com os outros, um ser humano jamais decide, interpreta, compreende hermeneuticamente e julga por conta própria, mas com base na sua pré-compreensão do mundo”, e por isso, para ele, “hermenêutica é preconceito”. Nesse sentido, para o pensador, “qualquer ser humano tem uma história que o forja e consolida os conceitos em sua cabeça, conforme a família em que nasce, a sociedade, o ambiente em que vive”, e por isso, não adianta defender a tese de se melhorar o mundo com leis, já que “o direito não funciona com base na lei”. Exemplo disso, para Gadamer, são as leis que proíbem o racismo a tortura, e eles continuam existindo na prática. Para o pensador, o que promove a mudança é a prática, e nesse sentido só fazem sentido ações efetivas para uma mudança o empoderamento dos negros (contra o racismo e o preconceito social, por exemplo).

Caminho crítico

O terceiro e último caminho é o da crítica. Com base filosófica em Karl Marx, os pensamentos críticos são, em regra, filosofias marxistas (no plural mesmo), e partem do eixo comum de buscar cientificamente a base das relações sociais. Em “O Capital” Marx afirmou que o capitalismo tem um átomo, que é a mercadoria, e analisa como a sociedade se organiza em torno dessa mercadoria.

Um pensador importante entre os críticos é Evgeni Pachukanis, que defende uma posição política progressista, que significa nem ser conservador, nem voltar ao passado, mas construir uma sociedade que nunca existiu. Como tem que progredir, tem que transformar, o progressista busca a transformação social, seu sentido da história é o futuro.

Para os pensadores críticos, não basta negar a norma, é preciso não procurar no passado exemplo para justificar o futuro, uma vez que não existem exemplos prontos e bem-sucedidos. A sociedade ideal é a que está para ser construída e que nunca existiu.

Conclusão

Em sua conclusão, o professor Alysson Mascaro traçou paralelos dos três caminhos propostos para se entender o conceito de justiça e o próprio direito, e defendeu que “qualquer leitura não-juspositivista é melhor que a positivista, ainda que seja reacionária”, pois o não-juspositivista percebe que “o embate não é entre lei x lei, mas entre lei x poder”, e lembrou que o momento de pandemia pelo Coronavírus demonstra uma luta real, concreta, “não de norma, nem princípio”. O pensamento do não-juspositivismo “limpa caminhos, desloca nossa visão errada e nos põe no horizonte certo, mas é preciso uma ciência para descobrir a justiça. Falta descobrir “quais são os mecanismos que estruturam a sociedade em nossa modulação de justiça, o que a sociedade chama de justiça, e qual é o seu padrão”.

Na Antiguidade, o pensador que mais alcançou o pensamento de justiça foi Aristóteles, que desenvolveu efetivamente “não só uma ciência para dizer o que é errado, mas para dizer o que é a justiça, ao menos numa sociedade pré-capitalista”. Na Idade Contemporânea, o mais brilhante filósofo crítico é Karl Marx (século XIX) e representa um choque para a filosofia, tanto como foi Aristóteles em séculos ao longo da Idade Média. Esses dois, em termos de ciência da justiça, foram os grandes líderes de descobertas científicas sobre a justiça, segundo afirmou o professor Mascaro.

Marx, único filósofo com formação em Direito, tem em “O Capital”, sua última e mais importante obra. Nele, busca entender como funciona a sociedade capitalista e afirma que a mercadoria (coisas, pessoas) é o “átomo” do capitalismo. A principal descoberta de Marx é que o trabalho, no capitalismo, torna-se mercadoria e é pago como tal. Contrariamente, porém, à realidade do mercado, em que as relações são de mercadoria (compra quem quer, vende quem quer), as classes trabalhadoras do mundo “não têm a opção de não vender a sua força de trabalho”, sob pena de não conseguirem sobreviver. O trabalhador, assim, vende sua força de trabalho em troca de um salário (contrato de trabalho), e o Direito do Trabalho, nesse sentido, nada mais é que um mantenedor dessa engrenagem capitalista, garantindo o cumprimento das bases mínimas do contrato entre as partes.

Mas se o Direito do Trabalho serve ao trabalhador, na garantia de seus direitos, por que a sociedade, incluindo aí os trabalhadores, de modo geral, defende o fim da Justiça do Trabalho? Essa questão, segundo o professor, se explica com base no pensamento de outro filósofo, Louis Althusser, que explica os “aparelhos ideológicos do Estado” de determinação e sobredeterminação, relacionando filosofia, política, economia e psicanálise. Na determinação (conceito central da filosofia crítica), somos materialmente determinados pela mercadoria, e só podemos “ter o bem se comprarmos e vendermos força de trabalho”. Já na sobredeterminação, acreditamos em um discurso criado para nos convencer de que “somos explorados, mas alguém nos informa que isso não é exploração, mas sim o ‘dever’ ou a ‘missão’ que Deus nos deu para vencermos uma batalha por dia”.

Segundo o professor Mascaro, somos forjados pela família, pela religião, pela escola, pelos meios de comunicação de massa, e passamos a defender o que nos impõe como pensamento correto, nunca num embate direito entre explorado x explorador, mas com o aparelho ideológico, e o explorado “acha que não é explorado, mas se sente culpado de ser pobre porque não estudou ou não se esforçou”. Essa visão pessimista é um aparelho ideológico posto para que não se enxergue a possibilidade de sair do sistema capitalista.

Programa Escola ao Vivo

O programa “Escola ao Vivo” da Escola Judicial do TRT-15, criado no final de 2019 para atender às necessidades de transmissão à distância de palestras e cursos da Ejud, foi concebido, inicialmente, levando-se em conta a estrutura territorial dispersa do Regional. Nesse período de isolamento social e trabalho remoto de magistrados, servidores e estagiários, em virtude da pandemia da Covid 19, o programa vem sendo utilizado, porém, como ferramenta indispensável na manutenção dos projetos da Ejud.

O projeto foi inaugurado em 25 de novembro, com a transmissão da palestra “Segurança da Informação”, ministrada pelo diretor da Empresa Smart3 ­– Consultoria e Treinamento Ltda., Walter Campanema. Neste ano, a primeira palestra, de 27/3, já sob a vigência da Portaria GP-VPA-VPJ-CR Nº 003/2020, que suspendeu a prestação presencial de serviços não emergenciais no âmbito do Tribunal Regional do Trabalho da 15ª Região, no período de 24 de março de 2020 a 30 de abril de 2020, tratou do tema “Mindfulness”, a cargo da psicóloga Daniela Sopezki.

Além do curso “Os três caminhos da Justiça Contemporânea”, a Ejud já promoveu, no mês de abril, a palestra “Teletrabalho e Saúde em Tempos de Isolamento Social”, ministrada pelos servidores da 15ª Francielle Barbosa Prado e Fauzi El Kadri Filho. No próximo dia 23/4, o professor Denis Maracci Gimenez vai proferir a palestra “A depressão econômica que mata” e, no dia 24/4, a “Imunidade e Coronavírus” será tema da exposição do Dr. Cícero Galli Coimbra. Encerrando o programa Escola ao Vivo de abril, a palestra “Reflexões sobre as MPs 905 (2019), 927 e 936 (2020)” será ministrada pelo juiz do TRT-2 (SP) Homero Batista Mateus da Silva.

Acesse aqui o hotsite criado pela Escola Judicial com a programação das próximas atividades. 

 

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