Transformação e reconstrução social são tema de Encontro de Magistrados

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Cerca de 300 juízes do Tribunal Regional do Trabalho da 15ª Região se reuniram, nesta quinta-feira, 10/9, de forma telepresencial, para mais um Encontro Anual de Magistrados Vitalícios organizado pela Escola Judicial da 15ª, que este ano, inspirada pelos desafios trazidos pela pandemia do coronavírus, definiu como tema “A magistratura do trabalho em tempos de transformação e reconstrução social”, título também da palestra de abertura, ministrada pelo professor doutor em História Social, Leandro Karnal.  

A presidente do tribunal, desembargadora Gisela Moraes, abriu o evento ressaltando os novos tempos, impostos por um destino que se adiantou, tornando “o nosso futuro hoje”, e obrigando a todos vivermos “um dia de cada vez, lançando nosso olhar para o amanhã com comprometimento para conosco, com o outro e com as novas formas de se relacionar com as coisas”.

Foi nesse novo cenário, em meio a uma pandemia, que o tradicional encontro com os magistrados se estruturou, “projetando o pensar sobre trabalho, suas relações contemporâneas e, sobretudo, sobre como realizar a justiça com a mesma qualidade que nos distingue de outros tantos tribunais”, afirmou a magistrada, e lembrou que as discussões se darão “sob a égide do distanciamento social regido pela pandemia, do formato telemático dos nossos atos, das relações de trabalho precarizadas, da crise econômica que se avizinha e, acima de tudo, do pensar humanizado”. 

A presidente reafirmou que acredita nos magistrados que “não se furtam de lançar mão da criatividade, sem se afastarem do compromisso com a constituição e as leis”, e que o “hoje”, mais que nunca, precisa de todos os desembargadores e juízes, “a pacificar as relações, a dirimir conflitos, a julgar com sensibilidade, serenidade e sabedoria”, numa “sociedade, silenciosa e sofrida, que clama por nossa dedicação e por nossos talentos, habilidades e atitudes”. 

A desembargadora encerrou agradecendo a toda a equipe da Escola Judicial, que “em meio às muitas transformações, rapidamente soube trilhar um novo caminho, buscando conhecimentos para continuar a fazer aquilo que de melhor oferece a magistrados e servidores: capacitação, formação profissional e pessoal, sem deixar de oferecer aquilo que cala os corações mais aflitos... cultura e arte!”

O vice-diretor da Escola Judicial, desembargador Carlos Alberto Bosco, agradeceu a presença dos participantes e desejou a todos um encontro que pudesse servir de inspiração e fortalecimento para todos os magistrados que, apesar dos “tempos difíceis que vivemos”, não descuidaram em nenhum momento da prestação jurisdicional.

A diretora da Escola Judicial, desembargadora Maria Inês Corrêa de Cerqueira César Targa, ressaltou o carinho e o empenho da equipe da Ejud-15 na organização do evento, que contou com a colaboração dos juízes de primeiro grau na cuidadosa seleção dos temas, sob a coordenação do desembargador Ricardo Regis Laraia. A magistrada afirmou que a abordagem dos assuntos deverá passar por aspectos psicológicos, antropológicos, filosóficos, e sobretudo jurídicos, mas que o mais importante do encontro serão os próprios juízes, “peças-chaves” na reconstrução social, responsáveis por repensar juntos suas práticas e o futuro. O evento terá continuidade nesta sexta-feira, 11/9, e soma  11 horas/aula.

Por fim, a desembargadora Maria Inês Targa desejou aos participantes que o encontro pudesse ser também um momento especial, “de se conhecerem e trocarem talentos”, dentro do espírito do quadro “Magistratura sem perder a ternura”, criado para estimular a emoção e a criatividade nos participantes de eventos realizados pela Escola. Dentre os destaques, a magistrada registrou as diversas manifestações dos juízes da 15ª que informaram suas incursões pela música, literatura, poesia, origami, dança, fotografia e culinária, com destaque para dois vídeos apresentados, um do desembargador Samuel Hugo Lima, executando “Romance de amor” ao violão, e outro do juiz titular da Vara do Trabalho de São Roque, Marcus Menezes Barberino Mendes, declamando o poema “Metáfora”, de Gilberto Gil.

O juiz como ponto de equilíbrio no novo normal

O palestrante Leandro Karnal, em quase duas horas de apresentação e respostas a questões elaboradas por alguns magistrados, percorreu a história, mas também a filosofia, com passeios na sociologia e no direito para falar do momento único, de construção de um “novo normal”, que a humanidade vive este ano, com a chegada da pandemia. A virtualidade nas relações sociais e de trabalho, o papel da Justiça do Trabalho, a crise econômica brutal provocada pelo desemprego e pela dissolução dos postos de trabalho, a construção de novos modelos de contratos, como a uberização e terceirização, que insistem em disfarçar uma onda de exploração do ser humano que “nada deve àquela dos tempos da Revolução Industrial” foram alguns tópicos abordados pelo professor.

Essa realidade moderna, mas também caótica da sociedade, segundo Karnal, deverá exigir mais do que nunca dos magistrados, especialmente os da Justiça do Trabalho, uma capacidade de interpretação das leis mais voltada para a busca dos valores éticos, da dignidade da pessoa humana e do estado democrático de direito. 

Essa elaboração hermenêutica mais complexa reflete, segundo o professor, um momento da história que exige um repensar dos magistrados como protagonistas de sua função e do fortalecimento do equilíbrio de sua atividade na condução do processo. Esse momento histórico, marcado também pela influência das redes sociais, reforça cada vez mais o individualismo, e torna a “democratização” da opinião de todos nada mais que a vulgarização de um conhecimento opinativo em detrimento do argumentativo. “Nunca se precisou tanto de liderança nesses tempos de insegurança”, afirmou Karnal, e o magistrado, como ponto de equilíbrio entre as partes, não deve compartilhar da “raiva ou sectarismo” dos envolvidos no processo.

Por fim, o professor ressaltou a importância da Justiça do Trabalho nos novos tempos pós-pandemia, e criticou aqueles que insistem em manter uma postura de “perdedor”, diante da realidade. Segundo Karnal, essa classe de perdedores se divide basicamente em negacionistas, histéricos ou saudosistas, sendo, cada um dos três, no entanto, sempre os primeiros a sucumbir. Aos sobreviventes, chamados pelo palestrante de “otimistas estratégicos”, cabe a tarefa de exercer na prática a resiliência, ou seja, a capacidade repetitiva infinita de voltar à vontade de fazer algo. Mas não se enganem os que se dispuserem a essa prática, “é muito pesado trabalhar com a eternidade”, e por isso, é prudente se impor um compromisso novo em doses diárias. “Só por hoje”, segundo o professor, é a esperança da força do direito contra o direito da força, e do equilíbrio do juiz diante do caos da sociedade.

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