Acordo de R$ 250 mil em audiência coletiva em Franca encerra caso de trabalho infantil e análogo a escravo
A juíza Eliana dos Santos Alves Nogueira, titular da 2ª Vara do Trabalho de Franca e coordenadora do Juizado Especial da Infância e Adolescência (JEIA) local, homologou na sexta-feira, 24/9, durante as atividades da Semana Nacional de Conciliação e Execução Trabalhista, um acordo no valor de aproximadamente R$ 250 mil num processo que tramita em segredo de justiça por envolver ao mesmo tempo trabalhadores em condições análogas à de escravo e trabalhadores infantis. A ação, proposta pelo Ministério Público do Trabalho (PRT-15), regional de Ribeirão Preto, tramita perante o Juizado Especial da Infância e Adolescência (JEIA) de Franca.
A audiência, em regime de cooperação judicial, realizada por teleconferência, reuniu o procurador do Trabalho em Ribeirão Preto, Élisson Miessa, e, em razão da cidade de origem dos trabalhadores, dois magistrados do TRT-5 (BA), a juíza Cristiane Menezes Borges Lima, titular da VT de Brumado, e o juiz Joalvo Carvalho de Magalhães Filho, gestor do Programa Regional de Combate ao Trabalho Escravo do TRT-5. Contou também com a participação, como convidados, dos desembargadores Eduardo Benedito de Oliveira Zanella e João Batista Martins Cesar, que presidem, respectivamente, os Comitês para a Erradicação do Trabalho Escravo Contemporâneo, do Tráfico de Pessoas, da Discriminação de Gênero, Raça, Etnia e Promoção de Igualdade, e de Erradicação ao Trabalho Infantil e de Estímulo à Aprendizagem, ambos do TRT da 15ª Região.
De acordo com a juíza Eliane Nogueira, “a situação de crianças e adolescentes em condições degradantes de trabalho, análoga à de escravidão, exige atuação eficaz e coordenada do Judiciário”. Nesse sentido, e pelo fato de o “trabalho escravo contemporâneo não conhecer fronteiras'', o Poder Judiciário também precisa se reinventar e avançar para a solução adequada dos litígios estruturais. Já temos a possibilidade de cooperação judiciária e ela será fundamental nesse caso, para que os valores destinados à recomposição do patrimônio lesado (direito ao não trabalho de crianças e adolescentes) possam reverter em ação efetiva no município de onde vieram”, destacou a magistrada.
A juíza Cristiane Lima afirmou que “o Direito expandiu suas fronteiras para realizar Justiça”, e salientou que a participação conjunta “revela a importância da cooperação judicial e se torna um marco institucional de combate ao trabalho infantil e ao trabalho escravo, e serve para revelar que qualquer empregador que arregimentar pessoas de outro Estado para trabalho degradante terá também a Justiça do Trabalho buscando preservação de direitos humanos em cooperação para a erradicação de trabalho infantil de crianças e adolescentes”.
O juiz Joalvo Magalhães disse que se sentiu muito honrado pelo convite da magistrada Eliana Nogueira e por “presenciar o assertivo desempenho da magistrada do TRT-15 em benefício da população do município de Aracatu, no estado da Bahia”. O magistrado também ressaltou que “a proteção dos direitos humanos e do trabalho decente foi garantida e a indenização terá caráter educativo para coibir a mesma conduta em espaços rurais distantes de centros urbanos, desestimulando a utilização de trabalho de crianças e adolescentes na lavoura cafeeira por outros empregadores no estado”.
O desembargador João Batista Martins César afirmou que a audiência coletiva em Franca representou uma “atuação muito diferenciada de cooperação e se amolda ao espírito do novo Judiciário, principalmente nesse período de pandemia”. O magistrado também ressaltou a importância do acordo de quase R$ 250 mil, “que deverá ser destinado à realização de projetos, na cidade de origem dos trabalhadores, tanto de conscientização sobre o aliciamento de trabalhadores quanto para combate do trabalho de crianças e adolescentes”.
O desembargador Eduardo Zanella destacou, além do significativo acordo, “a importância da aplicação parcial dos valores para a implantação de projetos sociais no Município de origem dos trabalhadores, objetivando conscientizá-los de seus direitos para que não continuem sendo explorados”. O magistrado também ressaltou ainda, a efetiva participação, mediante provocação do MPT, de juiz integrante do plantão itinerante do Comitê.
O caso
Realizada entre os dias 6 e 16 de junho deste ano pelo Grupo Especial de Fiscalização Móvel (GEFM), com acompanhamento do Ministério Público do Trabalho (MPT) e da Polícia Federal, uma operação na região de Ribeirão Preto resultou no resgate de 56 trabalhadores de condições análogas à escravidão em uma fazenda de colheita de café. Dez deles eram adolescentes entre 13 e 17 anos de idade.
Os trabalhadores foram trazidos da cidade de Aracatu, no estado da Bahia. Os colhedores de café trabalhavam informalmente, sem registro em carteira de trabalho. Eles pagaram do próprio bolso a passagem de vinda de Aracatu (município pertencente à jurisdição de Brumado) para o interior de São Paulo, inclusive as pessoas menores de 18 anos, que estavam acompanhadas de seus pais, também colhedores de café.
O combinado, segundo depoimentos, era de que eles também se responsabilizariam pela aquisição das passagens de retorno ao local de origem no final da colheita. Eles chegaram no local no final de abril, mas até o momento da operação não haviam recebido salário, porém esperavam por recebê-lo uma vez concluída a colheita; os depoimentos evidenciam que os trabalhadores não sabiam sequer quanto iriam receber. As autoridades identificaram jornada de trabalho excessiva (com casos que vão das 6h às 17h), em esquema de trabalho por produção, e ainda irregularidades no cômputo do café colhido, para fins de pagamento.
Com informações da Assessoria de Comunicação do MPT-Campinas.
Foto: Banco de Imagens/ Freepik
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