Caso Shell Basf é tema da visita de estudantes ao TRT-15
O Caso Shell Basf, episódio de repercussão nacional e modelo emblemático na Justiça Brasileira, envolvendo direito do trabalho e direito ambiental, foi tema nesta quarta-feira, 18/8, da visita telepresencial de estudantes de Direito, promovida pela Escola Judicial do Tribunal Regional do Trabalho da 15ª Região, em sua edição de agosto. Cerca de 270 estudantes e professores de Faculdades de Direito participaram do encontro, que teve como convidados a desembargadora da 15ª Maria Inês Corrêa de Cerqueira César Targa, o procurador do Ministério Público do Trabalho da 11ª Região (Amazonas e Roraima) Ronaldo José de Lira, e do frei Francisco, dirigente (e fundador) da Associação e Fraternidade São Francisco de Assis na Providência de Deus.
O encontro foi aberto com uma breve apresentação da servidora Cristina Pera sobre o Centro de Memória, Arquivo e Cultura (CMAC) da 15ª, especialmente sobre a importância de preservação da memória do tribunal, com a guarda de documentos de valor histórico, e de suas exposições permanente (de fotos, totens interativos, documentos e mobiliário) e temporária (inspirada em temas dos comitês constituídos para garantia de direitos fundamentais como proteção à infância, ao trabalho seguro e erradicação do trabalho escravo e tráfico de pessoas), com destaque para o caráter do órgão como um centro de pesquisa.
Após a exibição de um trecho do documentário “O lucro acima da vida”, que conta parte da história da contaminação no Recanto dos Pássaros pelas empresas Shell/Basf, no município de Paulínia, a desembargadora Maria Inês Targa falou sobre a sentença condenatória de sua autoria na Ação Civil Pública proposta pelo Ministério Público do Trabalho em 2007, quando era juíza da 2ª Vara do Trabalho de Paulínia. A decisão, tão complexa quanto inédita na Justiça do Trabalho brasileira, baseou-se, além dos princípios do direito trabalhista, também naqueles que norteiam o direito ambiental, principalmente no princípio do “poluidor pagador”, responsável pela reparação do dano. A sentença da magistrada foi a primeira a garantir os direitos dos filhos dos trabalhadores expostos a produtos teratogênicos, e que também reconheceu a imprescritibilidade de direitos “absolutamente indisponíveis (saúde e vida) em caso de dano permanente e contínuo”, beneficiando assim cerca de 1.100 pessoas, num acordo de R$ 200 milhões, o maior até então gestado na Justiça Trabalhista do país.
A magistrada se emocionou ao agradecer pela atuação do procurador Ronaldo Lira, como “principal arquiteto” da destinação dos valores às entidades, e ao frei Francisco, pelo trabalho junto à população ribeirinha do rio Amazonas, no Pará, mas também como idealizador e gestor da instituição Fraternidade São Francisco de Assis na Providência de Deus, que agrega mais de 70 entidades de assistência social espalhadas pelo Brasil e exterior.
O procurador Ronaldo Lira iniciou sua fala afirmando que “as pessoas precisam de notícias boas e de esperança” e nesse sentido, coube a ele contar sobre a destinação de cerca de R$ 220 milhões (montante apurado no acordo com a Shell Basf, já com as correções), as entidades beneficiadas e o trabalho que conseguiram implantar, principalmente na área de pesquisa e medicina. Mais que números, o procurador destacou a importância da “corrente do bem” que se formou a partir do momento em que foi criada uma comissão para estudo e validação das propostas de projetos apresentadas. Pessoas como Silvia Brandalise, do Centro Infantil Boldrini, Henrique Prata, filho do casal de médicos fundadores do Hospital de Câncer de Barretos, atualmente chamado de Hospital do Amor, e do próprio frei Francisco.
Dentre as entidades que foram beneficiadas estão a Associação Ilumina de Piracicaba, para a construção do Hospital de Câncer de Piracicaba e na aquisição de uma unidade móvel de atendimento; o Barco Hospital Papa Francisco na Bacia Amazônica, com atendimento a mais de mil comunidades ribeirinhas e quase 700 mil pessoas, com dois hospitais de apoio e abrangência em doze municípios que margeiam o Rio Amazonas; o Centro Infantil Boldrini, para construção e aquisição de equipamentos do Instituto de Engenharia Molecular e Celular, primeiro centro de pesquisas sobre câncer pediátrico do País; o Hospital de Câncer de Barretos, para a construção do Instituto de Prevenção de Câncer em Campinas e mais cinco carretas adaptadas e equipadas com aparelhos para realização de exames, sendo quatro delas para diagnósticos e uma para educação; o Hospital Estadual de Sumaré, para aquisição de equipamentos que serão utilizados pelo setor de Neurocirurgia; Universidade Federal da Bahia e Fundacentro, que deverão apresentar um projeto de mapeamento da exposição ocupacional ao asbesto (mineral utilizado na produção de amianto) e seus efeitos sobre a saúde; Fundação de Pesquisas Médicas de Ribeirão Preto (Fupeme), para a atualização tecnológica e modernização da infraestrutura dos setores de Alta Complexidade da Unidade de Queimados e da Unidade de Emergência do Hospital das Clínicas e da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto (HCFMRP/USP); e por último, Fundação Área de Saúde de Campinas (Fascamp) para a construção do Instituto de Otorrinolaringologia de Cabeça e Pescoço, na Unicamp, que prestará atendimento médico à população pelo SUS, sendo o primeiro centro nacional de diagnóstico e tratamento das doenças otorrinolaringológicas relacionadas ao trabalho, como a perda auditiva e doenças relacionadas à voz.
O frei Francisco reafirmou em sua fala aos estudantes a importância de ações como as desenvolvidas pelo TRT-15 e MPT, e que o maior patrimônio sempre são “as pessoas que escrevem a História de Amor (com H maiúsculo)” e que “têm no coração o sentimento do outro e transformam palavras em ações”. O frade lembrou que sua “audácia” (como ele mesmo definiu) em sair de São Paulo e ir para a Amazônia atendeu a um “convite” do próprio papa Francisco, em uma visita sua ao Brasil, e que após os seus trabalhos desenvolvidos na Santa Casa de Óbidos, no Pará, e em Juruti, à beira do rio Amazonas, a ideia de levar atendimento à população ribeirinha só se concretizou com os recursos provenientes da indenização de dano moral coletivo firmado, em 2013, pelo Tribunal Regional do Trabalho da 15ª Região com a empresa Raízen Combustível (antiga Shell/Basf) e o Ministério Público do Trabalho.
Nesses dois anos do Barco Hospital milhares de pessoas receberam muito mais que atendimento médico, mas tiveram também sua dignidade garantida, principalmente em tempos de pandemia pelo coronavírus. Ações de enfrentamento foram desenvolvidas, com consultas, testes de laboratório, cirurgias, atendimentos odontológicos, mas também internação e alimentação. Ao todo foram mais de 150 mil atendidos na região da Calha Norte, a mais necessitada, com reforço agora do Barco Papa São João Paulo II, que também atua como “ambulancha”. Para frei Francisco, o atendimento à população ribeirinha carente da Amazônia pelo Barco Hospital é um “divisor de águas”, que transformou as “mortes e sequelas em ações de ações de amor”, oferecendo às pessoas da região uma “resposta de que precisavam”.
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