Encontro Anual de Magistrados debate alteridade, postura dialógica e responsabilidade social
“Alteridade, postura dialógica e responsabilidade social no Exercício da Jurisdição” foi o tema do Encontro Anual de Magistrados de 2021, organizado pela Escola Judicial do TRT-15, e realizado pela segunda vez consecutiva inteiramente no formato telepresencial. O evento de dois dias (9 e 10 de setembro) reuniu cerca de 200 magistrados e contou, no primeiro dia, durante a abertura, com a presença da presidente da Corte, desembargadora Ana Amarylis Vivacqua de Oliveira Gulla, a vice-corregedora Rita de Cássia Penkal Bernardino de Souza, o diretor e o vice-diretor da Escola Judicial, desembargadores João Batista Martins César e Ricardo Regis Laraia, os desembargadores Eduardo Benedito de Oliveira Zanella, Lorival Ferreira dos Santos e Samuel Hugo Lima, além das coordenadoras temáticas do evento, desembargadora Eleonora Bordini Coca e a juíza Eliana dos Santos Alves Nogueira, titular da 2ª Vara do Trabalho de Franca.
Em seu discurso, a presidente Ana Amarylis elogiou a Direção da Escola Judicial pela escolha do tema do Encontro dos Magistrados deste ano, com uma abordagem mais humanista, principalmente pela “extrema sensibilidade diante da atual conjuntura política, social e econômica, agravada pela pandemia do novo coronavírus”. A magistrada também parabenizou a coordenação do evento pela escolha dos especialistas que deverão abordar questões como “ética, litígios estruturais, constitucionalismo dialógico e alteridade, tendo como subeixos o relacionamento interpessoal, a empatia, os direitos humanos e as populações vulneráveis”, na tentativa de debater formas de “garantir o equilíbrio emocional no exercício de nossa função” e de “otimização da prestação jurisdicional nesse cenário de constantes transformações”. A presidente encerrou sua fala lendo um conto infantojuvenil, de sua autoria, intitulado “Burro Besta”, que segundo ela “exprime a vocação, a dedicação e a perseverança de todos nós”.
O diretor da Ejud, desembargador João Batista Martins César, recepcionou os participantes com um discurso emocionado de agradecimento ao trabalho das coordenadoras temáticas do evento, a desembargadora Eleonora Bordini Coca e a juíza Eliana dos Santos Alves Nogueira, e também dos servidores da Escola Judicial. O desembargador também ressaltou o grave momento político por que passa o Brasil, e afirmou que defender o Supremo Tribunal Federal é defender o Poder Judiciário, lembrando dos ensinamentos do iluminista Montesquieu sobre a divisão dos poderes como forma de se combater o Absolutismo. O magistrado também lamentou as 580 mil famílias enlutadas e afirmou que essa triste experiência deve se transformar em um aprendizado para todos os brasileiros, especialmente para que sejam criadas “comissões de verdade” de apuração da responsabilidade das autoridades em todos os três níveis, e concluiu que “apesar das limitações constitucionais, somos todos cidadãos e formadores de opinião”.
O vice-diretor da Ejud, desembargador Ricardo Regis Laraia, salientou a necessidade da “dialogia” na solução dos litígios, ouvindo as partes, mas lembrou que “é preciso avançar um pouco mais”, defendendo a dialogia dentro da instituição, “de cima para baixo e de baixo para cima”. O magistrado também ressaltou a incapacidade do Poder Legislativo, numa sociedade cada vez mais complexa e dinâmica, de dar respostas a todas as demandas que se apresentam e afirmou que o Judiciário, se antes era chamado a decidir com normas dentro de um padrão ético-legal, tem sido cada vez mais desafiado a julgar orientado por normas “ético-morais”.
A juíza Eliana dos Santos Alves Nogueira ressaltou que, em tempos difíceis como os que vivemos, “a alteridade, mais que um conceito, deve ser uma prática de atuação mais integrada e participativa”, e concluiu que o trabalho jurisdicional com alteridade, no final, será um “ato de heroísmo”.
Após a apresentação musical conduzida pelo juiz Rodrigo de Mattos Takayassu, com a música de Nando Reis “Cegos no castelo”, inspiradora em sua poesia para o tema do encontro, segundo afirmou a juíza Eliana Nogueira, a desembargadora Eleonora Coca apresentou o palestrante da conferência de abertura, Eduardo Carlos Bianca Bittar, professor associado do Departamento de Filosofia e Teoria Geral do Direito da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP), mas antes destacou, em sua fala de recepção aos colegas magistrados, os três principais motivos que a levaram a participar da coordenação do evento: opção por temas que reforçam a importância da inclusão e diversidade pela Ejud, companheirismo e dedicação dos participantes e, principalmente, “a extrema relevância da discussão em grupo em tempos tão áridos e de grandes desafios em diversas frentes, agravadas pela pandemia do coronavírus”, afirmou a magistrada.
Ética, alteridade e humanismo judicial
A palestra conduzida pelo professor Eduardo Carlos Bianca Bittar, com duração de aproximadamente uma hora, teve como principal fio condutor a postura dos juízes diante de uma atuação menos formalista e burocrática e mais desafiadora em termos éticos e humanistas, de um humanismo realista que reconhece, principalmente, “a incompletude do humano, e que demanda constantemente ações, projetos e reflexões para se construir uma vida ativa e criativa”.
O professor Eduardo Bittar discorreu sobre o papel das instituições de justiça, responsáveis pela proteção e resguardo dos direitos lesados ou ameaçados, principalmente em tempos turbulentos de desordem e desespero, crise e corrupção. Nesse cenário, segundo o palestrante, ressalta ainda mais a missão social do direito e da responsabilidade ético-social de resistência por parte dos magistrados.
O professor abordou ainda aspectos da desumanização dos serviços de justiça e criticou a atuação meramente mecanicista dos operadores do direito, defendendo, como contraesforço, atitudes de humanização desses serviços, com processos mais humanizados para a prestação de uma justiça efetiva e célere. Nesse sentido, segundo Bittar, é imprescindível uma autorreflexão em bases éticas para a reconstrução da cultura institucional em suas práticas e rotinas, com a união de todos os envolvidos para a requalificação do ambiente do trabalho.
De acordo com Bittar, se é verdade que existe uma mudança da Justiça que já se mostra aos poucos numa legislação que se constrói orientada em bases mais humanistas, como por exemplo, com o Estatuto do Idoso, a Lei Maria da Penha, o Estatuto da Pessoa com Deficiência ou a de Tráfico de Pessoas, verdade também é que a Justiça se defronta com ameaças cada vez mais reais de descrédito e, consequentemente, com um cenário de violência que aumenta entre os que pretendem fazer justiça com as próprias mãos. Por isso, segundo o professor, é grande o desafio para os juízes que devem buscar urgentemente a humanização dos seus serviços, repensando seu modelo e seu papel de magistrado na busca de transformar com palavras as pessoas e o seu meio.
O professor encerrou reafirmando a necessidade do juiz na construção de uma sociedade mais justa, e criticou os discursos modernistas que defendem a robotização e a tecnologia como solução e resposta a todos os problemas. Nesse sentido, o papel do juiz, especialmente do juiz humanista, mais que simplesmente alguém que diz as leis, sempre será daquele com “discernimento” e que “supera a heteronomia jurídica para fazer uso da autonomia, aquele que desenvolve um diálogo conciliador e busca o equilíbrio, colocando sempre em primeiro lugar a dignidade da pessoa humana”.
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