Justiça do Trabalho e a discriminação de gênero é tema da visita de estudantes de outubro
O papel da Justiça do Trabalho na reafirmação dos direitos fundamentais e contra a discriminação de gênero foi tema da visita telepresencial de estudantes, promovida pela Escola Judicial do Tribunal Regional do Trabalho da 15ª Região, em sua edição de outubro, realizada nesta quinta-feira, 21/10, com a participação de aproximadamente 120 alunos e professores de cursos de Direito de diferentes faculdades paulistas. Recepcionaram os convidados os juízes Cristiane Montenegro Rondelli, titular da 7ª Vara do Trabalho de Campinas, Patrícia Maeda, que integra o Grupo de Trabalho para colaborar com a implementação das Políticas Nacionais estabelecidas pelas Resoluções CNJ nº 254/2020 e nº 255/2020, relativas, respectivamente, ao Enfrentamento à Violência contra as Mulheres pelo Poder Judiciário e ao Incentivo à Participação Feminina no Poder Judiciário, e Pablo Souza Rocha.
A servidora Cristina Pera abriu o encontro com uma homenagem especial ao Centro de Memória, Arquivo e Cultura (CMAC) da 15ª, inaugurado em 21 de outubro de 2004, e que completou nesta data 17 anos. Além dos aspectos de preservação da memória da Justiça do Trabalho da 15ª, realizado pela gestão documental do CMAC, e que retrata em linhas gerais a evolução do trabalho no país, desde a escravidão negra até os dias atuais, Cristina Pera também prestou uma homenagem aos servidores públicos, trabalhadores que comemoram o seu dia no próximo dia 28 e que somam no TRT-15 aproximadamente 3.300 pessoas, além de outras 300 entre colaboradores e estagiários. Pera ressaltou a importância do serviço público na garantia de prestação de serviços de qualidade à população.
Já na abordagem do tema do encontro, a juíza Cristiane Rondelli falou da imprescindibilidade da Justiça do Trabalho, dos trâmites do processo, desde a primeira audiência até a fase final de liquidação da sentença e execução, passando pelas sessões presenciais e telepresenciais em primeira e segunda instâncias. No caso escolhido para ser apresentado aos visitantes, a juíza contou sobre uma trabalhadora transexual, um homem que adotava nome feminino, e que apesar de ter sido contratada sem nenhuma discriminação pela empresa, sofreu por parte do superior hierárquico e dos colegas o assédio por sua condição, e que terminou com o fim do contrato de trabalho pelo pedido de demissão. Na Justiça, o caso foi julgado e a trabalhadora ganhou o reconhecimento da rescisão indireta e indenização por danos morais, medida que, segundo a magistrada, “não é suficiente muitas vezes para a reparação da dor mas que tem um objetivo pedagógico de restituir a paz social, missão principal do Poder Judiciário”.
O juiz Pablo Souza Rocha abordou as práticas discriminatórias nas relações de trabalho, repassando num rápido painel histórico a evolução da construção do “direito antidiscriminatório”, que se afirmou na Europa e nos Estados Unidos principalmente no século XX, após a Segunda Guerra. No Brasil, segundo o magistrado, o marco principal aparece com a promulgação da Constituição, em 1988, “com seu texto mais progressista em termos de garantia de direitos fundamentais, e que dá início a um grande movimento histórico de mudanças sociais”.
O juiz Pablo expôs dois casos de discriminação, um julgado pelo TRT-1 (RJ), contra um empregado praticante de religião de matrizes africanas que sofreu assédio no ambiente de trabalho e outro contra um portador de doença estigmatizante (HIV), demitido com base numa avaliação pessoal antecipada seis meses antes do previsto, logo após a empresa tomar conhecimento da doença. O magistrado ressaltou a dificuldade, em ambos os casos, de se comprovar o assédio, muitas vezes presumindo-se a discriminação, “que nunca aparece de forma clara”.
A juíza Patrícia Maeda abordou, dentro do tema da discriminação de gênero, um caso de uma trabalhadora gestante em fase de experiência, de numa rede transnacional de fast food, e que sofreu assédio da gerente da loja. Segundo testemunhas, houve fortes indícios de que a gerente “fazia de tudo para que a trabalhadora perdesse o bebê”, já que a demissão não era possível. Na Justiça do Trabalho, comprovou-se a discriminação pela falta de cuidados com a trabalhadora, pela falta de informação de seu direito a participar de programa para gestante oferecido pela empresa, pelo tratamento diferenciado entre ela e outra gestante do quadro de funcionários, pela recusa de ajudar a trabalhadora no momento em que ela passava mal, entre outros.
Em todos os casos apresentados, os magistrados também abordaram os aspectos da legislação de proteção aos trabalhadores contra as diferentes formas de discriminação, como a Convenção 111 da OIT, cartilhas sobre direito e diversidade, Pacto de San José da Costa Rica, a CLT, o Protocolo do Conselho Nacional de Justiça para julgamento com perspectiva de gênero (de 2021) e a própria Constituição Federal. A juíza Cristiane Rondelli lembrou que a “Justiça do Trabalho é o principal ramo do Judiciário de proteção dos direitos sociais e de equilíbrio entre o capital e trabalho”. A juíza Patrícia Maeda lembrou que os “processos são feitos por pessoas” e recomendou aos futuros advogados e operadores do direito, que “ouçam seus clientes e percebam as sutilezas da discriminação”, e o juiz Pablo Rocha afirmou que o papel da JT é de manter a exploração do trabalho dentro dos patamares civilizatórios”, mas ressaltou que “a estrutura do Judiciário não pode ser preconceituosa”.
Os visitantes puderam ainda assistir, como ilustração dos temas abordados, um trecho do filme brasileiro “O beijo 2348/72”, de Walter Rogério, uma comédia dramática, e “El empleo”, um curta de animação argentino lançado em 2008, dirigido por Santiago Bou Crasso e escrito por Patrício Gabriel Plaza, e que questiona as relações de trabalho modernas, na qual as pessoas são tratadas como objetos.
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