Especialistas debatem a existência humana e o trabalho no terceiro painel do Congresso
No terceiro painel do 22º Congresso Nacional de Direito do Trabalho e Processual do Trabalho, realizado na tarde de quinta-feira (18/8), o vice-diretor da Escola Judicial do TRT-15, desembargador Ricardo Regis Laraia, presidiu os debates sobre a temática “A Existência Humana e o Trabalho”. Acompanhado dos professores Lis Andrea Pereira Soboll, da Universidade Federal do Paraná, e Roberto Heloani, da Universidade Estadual de Campinas, o magistrado destacou que “a humanidade está muito adoentada e ainda não percebeu isso”.
Doença da existência
O desembargador Laraia apresentou como exemplo desse adoecimento a quantidade de drogarias existentes, ressaltando o fato de que a cada dia surge uma nova, acompanhado do aumento de consumo de drogas lícitas, além das ilícitas e “drogas digitais”. Ele também examinou outros aspectos sociais contemporâneos, como o número cada vez maior de pessoas que sofrem de ansiedade e depressão. Outro aspecto analisado pelo desembargador foi o adoecimento das instituições, e por consequência, das condições de trabalho. “As instituições são conceitos abstratos, elas não existem por si só. O que existem são as pessoas, que estão adoentadas. Vivemos a doença da existência”, examinou.
Mais saúde e mais conexões humanas
“A nossa existência está sendo afetada pelo nosso modo de vida, de viver, de trabalhar, de interagir. Devemos olhar para isso com coragem.” Assim refletiu, na abertura de sua fala no painel a professora e pesquisadora no departamento de psicologia da UFPR Lis Andrea Pereira Soboll. Segundo a professora, o trabalho é o lugar que pode nos dar sentido, sendo um espaço de valor e de encontro com o outro. É também o local onde nos tornamos únicos, pelo fato de ser impossível que alguém faça exatamente igual a nós, dada nossa singularidade. “O trabalho é só uma desculpa da vida para nos aproximarmos.” Entretanto, para ela, a relação do ser humano com o trabalho é muitas vezes danosa, sobretudo quando marcada pela aceleração constante, pelo aumento desenfreado de produtividade, pela busca por fazer mais em menos tempo ou por fazer muitas coisas de maneira simultânea. “Vivemos sob o jugo do medo da incompetência. O meu melhor não é o suficiente e isso provoca desgaste.”
Somos apenas seres humanos
A professora Lis Soboll fez também uma análise da conjuntura social, em que há um “custo humano muito alto para manter padrões de vida em uma sociedade fundamentada nos valores de trabalho de excelência, da superação, dos avanços tecnológicos e da aceleração crescente, que nos levam ao esgotamento”, além do aumento de casos de suicídio, inclusive no ambiente de trabalho.
A pesquisadora discorreu, ainda, sobre o que chamou de “sociedade do Homo Deus”, ambiente no qual desconsideramos nossos limites e a consciência da nossa finitude. Nesse percurso filosófico, a professora ressaltou que "a vida é muito preciosa para cumprir carga horária, metas e processos”. “A pandemia foi o convite para cada um de nós olhar para o que importa, buscar espaços de conexões, e dizer que sozinho a gente não vai conseguir, porque não temos controle sobre nada, somos apenas seres humanos.”
Em seguida, o professor titular e pesquisador da Faculdade de Educação da Unicamp Roberto Heloani, bastante emocionado, falou sobre a perda de uma grande amiga durante a pandemia e fez uma homenagem a “todos que tentam fazer a diferença neste mundo que é bastante cruel.” O professor afirmou que “o trabalho compensa nossas fraquezas,e faz superar as fragilidades da infância e da adolescência.” Entretanto, disse que ainda temos um “discurso da servidão voluntária", e questionou “o porquê nós, senhores das nossas vidas, nos permitimos ser explorados e chicoteados”.
Trocamos a cooperação pela competição
Em continuidade, interrogou “por que nós nos sacrificamos tanto? Pela vaidade, o medo de ser rejeitado e o medo de ser descartado?”. Heloani disse que aprendemos a trocar a cooperação pela competição, fazendo do chicote a nossa meta. Ressaltou ainda que “permitimos a entrada do trabalho em nossas casas sem pedir licença.”
Heloani avaliou que o suicídio no trabalho geralmente tem relação com o próprio ambiente laboral, e muitas vezes as pessoas não conseguem sair por depender diretamente dele. Criticou discursos do “senso comum”, como as frases “se não está bom, é só sair”, quando, na verdade, a realidade é outra, pois as pessoas dependem do trabalho, numa relação ligada ao sentido de existir do ser humano.
Depressão não é “mimimi”
Além disso, segundo ele, por trás de uma descompensação psíquica, quase sempre existe uma crise identitária. Em relação às psicopatologias, ressaltou os preconceitos existentes, e disse que é importante estar atento aos sinais. Criticou, ainda, quem afirma que a depressão é uma tentativa de chamar a atenção. “Depressão não é mimimi. É humanidade”.
Pesquisador do tema assédio no trabalho, Heloani disse que no começo da pandemia as ocorrências declinaram e logo após a curva cresceu, com as pessoas se tornando mais hábeis no assédio virtual, e pontuou que o assédio no trabalho é uma questão da solidão. “Por estarmos sós, nos sentimos frágeis, temos medo do vírus e de nós mesmos.” Finalizou abordando a ética kantiana. “Quando eu não faço alguma coisa pelo sentido do dever, eu sou regido por princípios éticos”. “É no sentido de dever que nós encontramos o coração das pessoas.”
Confira aqui outras fotos do 1º dia de Congresso.
Confira aqui outras fotos do 2º dia de Congresso.
Fotos e vídeos: Douglas Carvalho, Gioceli Carvalho, Hélcio Guerra e Paulo Arantes.
- 300 visualizações