Juristas brasileiros e portugueses analisam direito coletivo nas relações de trabalho
A terceira edição da Mesa de Direito Comparado, organizada pela Vice-Presidência do TRT-15, com apoio da Escola Judicial, promoveu nesta sexta-feira (15/7) o intercâmbio de estudiosos e juristas brasileiros e portugueses que debateram o papel do direito coletivo nas modernas relações de trabalho, com foco nas negociações coletivas e greve, nas tutelas de urgência e ainda o impacto da tecnologia no direito e no processo de trabalho. O evento foi acompanhado por mais de 400 pessoas pelo canal do YouTube da Escola Judicial do TRT-15.
A presidente da Corte, desembargadora Ana Amarylis Vivacqua de Oliveira Gulla, em sua saudação aos participantes gravada em vídeo, destacou a importância do encontro e a escolha pelos organizadores e debatedores, “com muito acerto”, do “papel incontornável do coletivo na busca do equilíbrio da justiça”. A magistrada ressaltou que “as fronteiras são ultrapassadas dia a dia pelas necessidades humanas que se transformam com o avanço da tecnologia e desafiam a ordem do que entendíamos como justo e certo”. Nesse cenário de mudanças que ocorrem num ritmo vertiginoso, “nós, do mundo do Direito, somos chamados a oferecer uma solução tão célere quanto justa”, afirmou.
Paralelamente ao intercâmbio de conhecimentos e da renovação de ideias, a presidente desejou também que todos pudessem sair um pouco do lugar comum e confortável e ousassem “olhar para um futuro mais humanizado e inclusivo, em que o ser valha mais que a máquina, e que o trabalho continue sendo para todos um exercício nobre”.
Na abertura, a Mesa contou, além do vice-presidente judicial da Corte, desembargador Francisco Alberto da Motta Peixoto Giordani, com o diretor da Escola Judicial do TRT-15, desembargador João Batista Martins César, e com o cônsul-geral de Portugal em São Paulo, Paulo Jorge Pereira Nascimento.
O diretor da Escola Judicial da 15ª, desembargador João Batista Martins César, ao dar as boas-vindas, ressaltou como um dos reflexos da pandemia intensificação da globalização da mão de obra, além da do capital, já conhecida, o que representa, segundo o magistrado, “um grande avanço para os países periféricos”.
O cônsul-geral de Portugal em São Paulo, Paulo Jorge Pereira Nascimento, afirmou que o encontro enriquece o debate sobre o direito do trabalho, cuja perspectiva social, que o diferencia dos demais ramos do Direito, tem como principal objetivo salvaguardar as garantias dos mais vulneráveis, “que merecem atenção especial da sociedade, sem a qual correm o risco de perder sua humanidade”.
O vice-presidente judicial e organizador do evento, desembargador Francisco Giordani, afirmou que essa terceira edição da Mesa de Direito Comparado, na perspectiva Brasil – Portugal, é uma homenagem aos irmãos portugueses e ao seu Direito, que de forma marcante influenciou o Direito brasileiro. O magistrado recorreu a dois pensamentos do escritor português Teixeira de Pascoais para saudar, em primeiro lugar, o cônsul Paulo Jorge Nascimento e, com especial agradecimento aos expositores portugueses do evento.
"Tecnologia, Direito e Processo do Trabalho"
Presidida pela desembargadora do TRT-15 Erodite Ribeiro dos Santos, a primeira mesa contou com a exposição do ministro do Tribunal Superior do Trabalho Cláudio Mascarenhas Brandão e da professora da Universidade do Minho Teresa Alexandra Coelho Moreira, que abordaram principalmente o impacto da tecnologia nas relações de trabalho e como isso afeta o mundo do direito material e processual do trabalho.
A desembargadora Erodite salientou o amplo leque de questões que o tema permite discutir, mas destacou o lado positivo da tecnologia no Poder Judiciário, como o uso do processo judicial eletrônico (PJe) que, segundo ela, “aproxima mais a Justiça do cidadão, permitindo mais celeridade e eficácia”. O ministro Cláudio Brandão destacou a importância da proteção do trabalhador no ordenamento jurídico, diante dos impactos causados pela tecnologia. Tanto o artigo 7º, inciso 28, da CF, como o artigo 6º, parágrafo único da CLT já previam, segundo o ministro, garantias contra os riscos da automação, mas que podem ser estendidas, seguramente, nos dias de hoje, contra os avanços da tecnologia e modernas formas de trabalho. O ministro falou ainda do perigo da ciberprecarização, da ameaça da invasão da privacidade pelos empregadores na vida íntima dos seus empregados, com a possibilidade de “espionagem” do trabalho remoto e até mesmo das enfermidades que já podem ser detectadas pelo uso indiscriminado da “hiperatividade digital”. Como reflexão, o magistrado falou do perigo da “elitização da magistratura” pelo aumento das ferramentas tecnológicas e do afastamento físico do juiz de sua jurisdição.
A acadêmica Teresa Moreira abordou o perigo do uso não regulamentado dos algoritmos e da inteligência artificial nas relações de trabalho, que afetam todos os seus aspectos, da contratação, do controle, do emprego de máquinas para avaliação de desempenhos e resultados, da transparência, entre outras. Segundo a professora, os mecanismos adotados com algoritmos deveriam ser adotados só para ajudar e nunca para substituir o trabalho humano, uma vez que seu uso sem controle pode permitir situações de graves discriminações diretas e indiretas de trabalhadores, com comprometimento da ética. Por isso, ela defende que haja políticas públicas de proteção à privacidade e dos dados pessoais, mas também regulamentação do uso dessas tecnologias no mundo do trabalho, definindo parâmetros, regras e instruções com clareza e, acima de tudo, que as tomadas de decisão sejam sempre feitas com a participação de um ser humano.
"Negociação Coletiva e Greve"
Sob a presidência do desembargador do TRT-15 Carlos Alberto Bosco e exposições do também desembargador do TRT-15 Luís Henrique Rafael e do professor da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra João Leal Amado, a segunda mesa trouxe para discussão da greve nos dias atuais e sua relação com as negociações coletivas. O desembargador Luís Henrique falou do ressurgimento espontâneo do movimento sindical no final dos anos 1970 e como esse fenômeno se revestiu de nova roupagem, devido à crise econômica, como garantidor de direitos dos trabalhadores, especialmente por meio das negociações coletivas. O magistrado lembrou que as convenções e acordos coletivos prestaram importante papel na correção dos desequilíbrios causados pela política e pela instabilidade econômica, servindo muitas vezes de normativo para regularização das relações de trabalho. O desembargador concluiu que “tanto a negociação coletiva como a greve são meios eficazes para a democracia, mas cabe ao Judiciário a sua interpretação para que os trabalhadores tenham a maior proteção possível”.
O professor João Leal Amado apresentou o mesmo tema na panorâmica geral de seu país, lembrando que ambos são considerados direitos consagrados como fundamentais, porém “não estão intrinsecamente interligados, apesar de se apresentarem juntos”. Segundo o professor, nem sempre a greve serve para defender direitos exclusivos da classe trabalhadora. Nesse sentido, “a greve é um direito de pressão e expressão dos trabalhadores”, podendo se manifestar por diferentes motivos, como as greves políticas, em favor do meio ambiente, entre outros. Na prática, em Portugal, os magistrados interferem pouco em casos de greve, resumindo sua atuação mais à garantia da manutenção do mínimo dos serviços essenciais.
"Tutela de Urgência nos Conflitos Coletivos"
Na última mesa do dia, presidida pelo decano da Corte, desembargador José Pedro de Camargo Rodrigues de Sousa, os desembargadores Manoel Carlos Toledo Filho (TRT-15) e Francisco Rossal de Araújo, presidente do TRT-4 (RS), debateram sobre "Tutela de Urgência nos Conflitos Coletivos".
O decano da Corte ressaltou a importância do tema, lembrando que os conflitos coletivos no século XXI são diferentes dos que ocorriam no passado, e seus desdobramentos hoje podem afetar “a comunidade, a cidade, o país e o mundo”.
O desembargador Manoel Carlos apresentou uma contextualização do tema das greves e da Justiça do Trabalho num viés político e histórico, onde estariam os instrumentos aptos a lidar com esse fenômeno social, apresentando casos semelhantes no Brasil e nos Estados Unidos que impulsionaram a criação dos tribunais do trabalho. O magistrado também apresentou comparativos de jurisprudências regionais que tratam especialmente da manutenção dos serviços essenciais e do piquete.
Ao final, como conclusões, o desembargador Manoel Carlos afirmou que “a criação dos tribunais do trabalho pode ser histórica e politicamente vinculada ao fato social da greve. Dentro desse espectro (greve), ganha natural destaque a preservação da manutenção dos serviços essenciais e, por fim, as tutelas de urgência mais relevantes no âmbito do coletivo laboral seguirão intuitivamente esse padrão, e a ponderação judicial não poderá inviabilizar materialmente o direito de greve”.
O presidente do TRT-4 (RS), desembargador Francisco Rossal de Araújo, encerrou os trabalhos da terceira mesa contando, em linhas gerais, a experiência de política judiciária do tribunal gaúcho nas audiências de mediação coletiva, que registrou nos últimos anos um aumento de 118% especialmente durante o período da pandemia e recente retomada das atividades. Para o desembargador, esse aumento tem, entre outros, um enorme decréscimo no número de cautelares naquele regional. O magistrado afirmou que o TRT-4 passou a atuar, nos últimos anos, como mesa de negociação, o que se deve, segundo ele, principalmente ao enfraquecimento do Ministério do Trabalho. Com o passar do tempo, essa tradição se estendeu aos direitos transindividuais homogêneos (despedidas em massa, entre outros), além da negociação coletiva tradicional (greve e normas coletivas).
No encerramento dos trabalhos, o juiz auxiliar da VPJ da 15ª, Guilherme Guimarães Feliciano, um dos organizadores do evento, saudou os participantes e agradeceu a todos os expositores, declamando um poema de Fernando Pessoa em homenagem à amizade. O juiz Guilherme Feliciano encerrou afirmando a importância do encontro para “nossa mente, nossa cultura jurídica, mas sobretudo para nossa alma”.
Por fim, o vice-presidente judicial do TRT-15, desembargador Francisco Giordani, encerrou o evento agradecendo a todos os participantes pela troca de informações e conhecimentos, e ressaltou “o quanto o direito pode oferecer para a pacificação social” e que não custa lembrar que “mesmo técnico, o direito é exercido por seres humanos”.
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