Juristas brasileiros e uruguaios debatem na 4ª edição da Mesa de Direito Comparado do TRT-15
Iniciativa da Vice-Presidência Judicial do Tribunal Regional do Trabalho da 15ª Região, em parceria com a Escola Judicial, a 4ª edição da Mesa de Direito Comparado, com eixo Brasil-Uruguai, reuniu nesta sexta-feira (16/9) juristas brasileiros e uruguaios num encontro realizado no formato telepresencial e acompanhado ao vivo por mais de 150 participantes, pelo canal no Youtube da Ejud-15. Os estudiosos abordaram temas sobre o processo do trabalho, negociações coletivas, greves e tutelas de urgência.
Participaram da abertura do evento a embaixadora do Uruguai no Brasil, Marta Echarte Barabir, a presidente do TRT-15, desembargadora Ana Amarylis Vivacqua de Oliveira Gulla, o vice-presidente judicial da 15ª, desembargador Francisco Alberto da Motta Peixoto Giordani e o diretor da Escola Judicial, desembargador João Batista Martins César.
A presidente da Corte, desembargadora Ana Amarylis, parabenizou os organizadores do evento pela “brilhante iniciativa de proporcionar aprimoramento técnico a magistrados, servidores e ao público em geral sobre temas tão relevantes, tendo como viés condutor o direito comparado” que, segundo a magistrada, “constitui importante ferramenta para auxiliar o operador do direito nacional”. A presidente Ana Amarylis ressaltou a participação no evento de “exímios especialistas da nossa Justiça do Trabalho”, bem como de “expositores estrangeiros de renome” e considerou “salutar” a disseminação de informações qualificadas sobre as semelhanças e diferenças dos sistemas jurídicos utilizados ao redor do mundo. “Debates como o que teremos hoje comprovam a imprescindibilidade da Justiça do Trabalho em um país tão desigual como o Brasil, que necessita de instituições sólidas para a garantia plena de direitos”, concluiu.
O organizador do evento, desembargador Francisco Giordani, ressaltou a importância do encontro, especialmente com especialistas latino-americanos que comungam problemas comuns com o Brasil. O vice-presidente judicial também destacou a relevância do Uruguai para o Direito do Trabalho brasileiro, e de seus doutrinadores, como Américo Plá Rodriguez, tão conhecido dos brasileiros.
O diretor da Ejud-15, desembargador João Batista Martins César afirmou que iniciativas como essas “engrandecem nossa 15ª Região” e lembrou que num mundo cada vez mais globalizado, mesas de discussão de direito comparado podem colaborar para a valorização sempre necessária do ser humano diante dos impactos da tecnologia no mundo do trabalho.
Presidente da primeira mesa de debates, sobre o tema “Tecnologia, Direito e Processo do Trabalho”, a desembargadora Tereza Aparecida Asta Gemignani ressaltou as questões principais que desafiam o atual modelo normativo, como a quebra de paradigmas nas relações e nos postos de trabalho, e como o Direito do Trabalho pode oferecer respostas ao devido processo legal e à ampla defesa nesse mundo que muda numa velocidade exponencial.
“Se as lentes do paradigma não permitem mais enxergar o mundo, é preciso mudar o paradigma”. Com essa ideia, a ministra do Tribunal Superior do Trabalho Maria Cristina Irigoyen Peduzzi iniciou sua explanação, que destacou os avanços da economia e da justiça 4.0, os trabalhadores nômades digitais, a garantia do trabalho digno (não necessariamente com o vínculo tradicional) e o estímulo à negociação coletiva. A ministra defendeu, entre outros, além da necessidade de alteração da legislação, a mudança substancial de comportamento da sociedade diante da nova realidade que se apresenta com a expansão da inteligência artificial e a internet das coisas. Segundo a ministra, essas ferramentas vão muito além das máquinas e alcançam todas as áreas, substituindo em parte o trabalho do ser humano. “Não podemos ignorar que as relações de trabalho estão sendo adaptadas, exigindo cada vez mais o aperfeiçoamento e a capacitação dos profissionais. A dúvida é saber se toda inteligência humana pode ser substituída e como garantir espaço de novas ocupações nesse novo contexto marcado pela tecnologia”, concluiu.
O professor da Universidade da República do Uruguai Gustavo Gauthier falou sobre a validade das provas digitais no direito material e processual do trabalho. Segundo o professor, em seu país, desde 2009, a legislação permite que mensagens eletrônicas sejam aceitas como prova no processo trabalhista, dividindo-se os doutrinadores e a jurisprudência apenas quanto ao modo como são incorporadas ao processo.
Na sequência, sob o tema “Negociação coletiva, poder normativo e greve”, o desembargador do TRT-15 Manoel Carlos Toledo Filho apresentou os palestrantes da segunda mesa, o desembargador Marcelo Freire Gonçalves, corregedor do TRT-2 (SP), e o professor da Universidade da República do Uruguai Mario Garmendia Arigon.
O professor uruguaio abordou o tema da negociação coletiva em seu país com base, principalmente, num contexto sociopolítico, econômico e geográfico. País de dimensões reduzidas, em comparação ao Brasil, o Uruguai registra uma população de quase 3,5 milhões de habitantes, 60% deles da classe média, com índice de alfabetização de 98%, com 8% de desemprego e 22% em trabalho informal. Os uruguaios, em sua maioria (94%), contam com algum tipo de proteção social. Nesse cenário, as relações coletivas são escassamente reguladas, podendo os trabalhadores e empregadores constituir ou afiliar-se a qualquer organização, sem autorização prévia. Não existe regulação sobre constituição de sindicatos, formalidades de funcionamento, aporte econômico, direito ou dissolução. Empregadores e trabalhadores podem negociar livremente, por ramo ou setor de atividade, não podendo, porém, em níveis inferiores, reduzir mínimos de acordos coletivos de níveis superiores, salvo expressamente por permissão do Conselho de Salários, um mecanismo de negociação criado em 1943, com objetivo principal de fixar salários e reajustes periódicos por categoria.
O desembargador Marcelo Freire traçou as linhas gerais do instituto da negociação coletiva e greve no país, e sua evolução de uma cultura autoritária no passado para, cada vez mais, um amadurecimento das relações, e da Justiça do Trabalho, chamada a dar solução rápida (norma coletiva, segundo o magistrado “um patrimônio dos trabalhadores”). O palestrante ressaltou a liberdade das partes nas convenções e acordos coletivos, porém salientou que estes devem sempre “promover o progresso e jamais regredir”.
Na última mesa, presidida pela vice-corregedora do TRT-15, desembargadora Rita de Cássia Penkal Bernardino de Souza, a “Tutela de urgência nos conflitos coletivos de trabalho” foi analisada pelo desembargador do TRT-15 João Batista da Silva e pelo professor da Universidade da República do Uruguai Hugo Fernández Brignoni.
O professor Brignoni falou da utilidade da tutela na proteção da liberdade sindical positiva, em situações de violência e assédio, na proteção de direitos, na discriminação de gênero, raça e credo, na segurança e saúde do trabalho e no combate ao trabalho infantil. Particularmente no que se refere aos conflitos de trabalho, a Justiça do Trabalho uruguaia só tem competência em assuntos originados em conflitos individuais, mas não nos coletivos. O professor citou ainda, como marcos jurídicos regulatórios da autonomia coletiva, a Constituição, a Lei do Conselho de Salários, o rol do Ministério do Trabalho e a Lei de Negociação Coletiva para prevenção e solução de conflitos. À Justiça do Trabalho cabe, excepcionalmente, cuidar de garantir os direitos envolvidos nos conflitos coletivos de trabalho quando do descumprimento da cláusula de paz do acordo coletivo, processo de tutela da liberdade sindical e nas reclamações de não grevistas em caso de piquete.
O desembargador João Batista da Silva apresentou um quadro dos conflitos coletivos de trabalho (dissídios individuais, dissídios coletivos e ações coletivas), os marcos jurídicos, suas formas de solução (autocomposição, autodefesa e heterocomposição), e seu principal objetivo, que é o de conquistar interesses coletivos para as partes. Abordou ainda as tutelas de urgência (antecipada e cautelar) na proteção de interesses individuais e coletivos difusos e ressaltou a importância da Justiça do Trabalho para julgar preventivamente ação possessória em decorrência de exercício de greve, reconhecida pela súmula vinculante 23 do STF. O desembargador João Batista concluiu sua explanação afirmando que, diante da massificação dos casos de conflitos coletivos que demandam tutela de urgência, “é preciso enfrentar com inteligência racional para uma solução prática e eficaz”.
Ao final dos trabalhos, o desembargador Francisco Giordani encerrou com registro de seu agradecimento e reconhecimento pela “altíssima qualidade dos palestrantes e sua valiosa contribuição”. O magistrado também afirmou que acredita na “normalidade” da ocorrência dos conflitos nas relações humanas e salientou que, especificamente nas relações de trabalho, o conflito é um pedido de socorro do trabalhador. “É preciso que a sociedade entenda que o conflito coletivo decorre naturalmente das relações entre capital e trabalho”, concluiu.
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