Mesa de Direito Comparado da 15ª debate soluções para conflitos coletivos
A presidente do Tribunal Regional do Trabalho da 15ª Região, desembargadora Ana Amarylis Vivacqua de Oliveira Gulla, abriu na manhã desta sexta-feira, 25/3, a primeira edição da Mesa de Direito Comparado, evento promovido pela Vice-Presidência Judicial da Corte e veiculado dentro do Programa Escola ao Vivo da Escola Judicial, com transmissão pelo canal do Youtube da Ejud15. 100% on-line e gratuito, o evento abordou como tema os sistemas jurídicos do Eixo Brasil/Argentina.
A presidente Ana Amarylis, num vídeo gravado de boas-vindas, cumprimentou o organizador do evento, o vice-presidente judicial Francisco Alberto da Motta Peixoto Giordani, por sua iniciativa de proporcionar “aprimoramento técnico a magistrados, servidores e ao público em geral sobre temas centrais das competências regimentais da VPJ, tendo como viés condutor o direito comparado”. A magistrada considerou “salutar” a disseminação das semelhanças e diferenças dos sistemas jurídicos, apresentadas por especialistas brasileiros e estrangeiros, e ressaltou que esses “debates comprovam a imprescindibilidade da Justiça do Trabalho, num país tão desigual como o Brasil, para a garantia plena de direitos”.
Integraram a Mesa de Abertura o organizador do evento, o vice-presidente judicial do TRT-15, desembargador Francisco Giordani, o diretor da Ejud15, desembargador João Batista Martins César, e os professores Alejandra Niño Amieva e Mario Gambacorta, ambos da Universidade do Museu Social da Argentina (UMSA). Participaram também da organização desta primeira edição da Mesa de Direito Comparado o juiz auxiliar da VPJ da 15ª, Guilherme Guimarães Feliciano, o professor argentino Mario Gambacorta e o assessor econômico da 15ª, Roberto Koga.
O juiz auxiliar da VPJ, Guilherme Feliciano, justificou a principal finalidade do evento como a busca fora do país, com um olhar inicial para os nossos vizinhos, de soluções adotadas nos conflitos coletivos, especialmente para a negociação coletiva, mediação e tutela de urgência. O desembargador Giordani afirmou que a escolha da Argentina a dividir a primeira edição da Mesa de Direito Comparado da 15ª tem um significado especial, já que o país-irmão, como o Brasil, também sofre com um histórico de colonialismo no passado e de “colonialidade” no presente.
O diretor da Ejud15, desembargador João Batista César, reconheceu a importância do debate principalmente num momento pós-pandemia, mas ainda de conflitos, para a busca de uma construção de um “direito do trabalho digno no mundo globalizado”. O magistrado salientou ainda que, no dia em que se comemora o Dia da Constituição, em virtude da primeira Carta Magna do Brasil, em 1824, é fundamental manter a luta para que os direitos fundamentais cheguem a todos(as) os(as) brasileiros(as).
A professora Alejandra Amieva destacou a urgência do debate, considerando-se as realidades dos dois países, e a necessidade de construção de um direito comum latino-americano. Já o professor Mario Gambacorta abordou a necessidade do diálogo, num mundo cada vez mais complexo, sobre Justiça Social como fruto do desenvolvimento econômico.
1º Painel
A negociação coletiva foi o tema do primeiro painel, presidido pela desembargadora do TRT-15 Luciane Storel. Participaram como expositores o desembargador da 15ª João Alberto Alves Machado e Mario Gambacorta, que é doutor em Ciências Jurídicas, pesquisador e coordenador acadêmico do mestrado em Negociações Coletivas de Trabalho e do diploma em inspeção da UMSA.
Gambacorta abriu os trabalhos defendendo o direito coletivo como “a chave para o desenvolvimento social”, e da negociação coletiva para garantir distribuição de renda. O professor também defendeu um novo “modelo de país” fundado no desenvolvimento econômico, sem descuidar de suas funções de democratização das relações laborais e da distribuição de riqueza.
O desembargador João Alberto Machado afirmou que a negociação coletiva é a base de formação do Direito do Trabalho e instrumento de melhoria das condições sociais e de vida dos trabalhadores, equilibrando valores entre capital e trabalho. O magistrado afirmou ainda que a Reforma Trabalhista de 2017 reduziu o poder normativo com a prevalência do negociado sobre o legislado, relegando à norma o papel de contenção dos conflitos.
2º Painel
Presidido pela desembargadora Gisela Rodrigues Magalhães de Araújo e Moraes, presidente do TRT-15 no biênio 2018-2020, o segundo painel trouxe para discussão as “tutelas de urgência”. O desembargador do TRT-15 Jorge Luiz Souto Maior, que é professor da Faculdade de Direito da USP e presidente da Associação Americana de Juristas-AAJ Rama Brasil, abriu o painel com críticas à Reforma Trabalhista (Lei 13.467/17) pela falta de participação social na sua construção, procedimento segundo ele “inconstitucional” e de “retrocesso social”, mas lembrou que mesmo antes da reforma, “havia em curso um processo histórico de fragilização dos direitos sociais”.
Para o magistrado, a tutela de urgência deveria ser utilizada não em situações de exceção, mas sempre que violados os direitos ou/ e quando a regra for o descumprimento da lei, para o que defendeu uma “autocrítica” dos juízes.
Já o desembargador do TRT-4 (RS) Marcelo José Ferlin D'Ambroso, doutor em Ciências Jurídicas, mestre em Direito Penal Econômico e em Direitos Humanos e presidente do IPEATRA-Brasil, criticou a ótica neoliberal que prevalece no momento pós-Reforma Trabalhista e a intensificação da “colonialidade”. D’Ambroso afirmou que a aplicação da tutela de urgência na Justiça do Trabalho serve para se evitar a “periclitação do direito à vida”, mas para isso defendeu o fim dos “cacoetes” judiciários que, segundo ele, “não coadunam com os direitos humanos”.
3º Painel
Presidido pela coordenadora do doutorado em Ciências Jurídicas da UMSA, Alejandra Amieva, o terceiro painel abordou os d(efeitos) da tecnologia no Direito do Trabalho, tema debatido pelo desembargador do TRT-15, Manoel Carlos Toledo Filho, que também é doutor em direito pela USP e professor da PUC-Campinas, e pelo coordenador adjunto do Programa de Mestrado e Doutorado pela UNESA/RJ e professor adjunto-UFF, Eduardo Manuel Val, também doutor em Direito-PUC-RJ.
O desembargador Manoel Carlos abordou as plataformas digitais e o labor deficiente com base em quatro questões que, segundo ele, desafiam a jurisprudência mundial: modelo alternativo de prestação de trabalho, liberdade de horário, possibilidade de auto-organização e autonomia laboral x trabalho decente. O magistrado apresentou cinco julgados de Cortes Superiores do Reino Unido, Espanha, Brasil, Uruguai e Argentina sobre essa forma de trabalho aliada a aplicativos, que reconhecem, com exceção do Brasil, a relação de emprego típica desses trabalhadores com as empresas. Segundo o desembargador Manoel Carlos, o que ocorre no nosso país é “um debate antigo mas remodelado sobre dependência e subordinação” para ele superado, porque mesmo não havendo presunção absoluta, “onde há dependência econômica haverá também, no mínimo, subordinação jurídica”.
O professor Eduardo Manuel Val afirmou que o desafio da tecnologia para o Direito do Trabalho “não é novidade, mas um desafio nos últimos 40 anos”. Essa realidade, segundo Val, “não pode ser evitada, mas requer adaptação” e para isso, “é preciso uma remodelação do Estado como garantidor da liberdade com dignidade”. O professor afirmou também que é necessário “pensar a reconfiguração política do Direito do Trabalho” para enfrentar o “canto de sereia neoliberal” e “ressignificar o valor do trabalho”.
Em suas considerações finais sobre o evento, o desembargador Giordani expressou sua “alegria e contentamento” com as lições apresentadas pelos debatedores, sobre conflitos comuns ao mundo do trabalho e que se adequam à realidade do Brasil. Numa referência ao pensador Zygmunt Bauman sobre os usos “cínico e clínico” do direito do trabalho, o magistrado afirmou que agora “cabe a nós, operadores do direito, fazer o uso clínico desse direito”, nos perguntando “como posso fazer para melhorar?”.
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