Professor Luiz Marinoni ilumina "zona de penumbra" entre TST e STF
“A quem cabe a última palavra sobre a interpretação da legislação trabalhista nos termos da Constituição? Ao TST ou ao STF?” Com essa questão inicial, o professor Luiz Guilherme Marinoni, um dos principais juristas brasileiros em Direito Processual, iluminou na manhã desta sexta-feira (3/3) o que chamou de “zona de penumbra" entre cortes supremas e cortes constitucionais. Aula magna da Escola Judicial do TRT da 15ª Região (Ejud-15), realizada no Plenário Ministro Coqueijo Costa, a palestra contou com debates dos ministros do Tribunal Superior do Trabalho, Luiz José Dezena da Silva e Douglas Alencar Rodrigues, além de um plenário repleto de membros da Administração do TRT-15, desembargadores, juízes, servidores e advogados.
“Trata-se de uma verdadeira honra para mim e para esta Corte receber o professor Marinoni e os ministros Douglas e Dezena. Não tenham dúvidas da contribuição que trazem vossas excelências para a formação e o aperfeiçoamento de nossos magistrados e servidores”, destacou o diretor da Ejud-15, desembargador Carlos Alberto Bosco, ao abrir o ano escolar da 15ª Região, ao lado dos palestrantes e dos desembargadores do TRT-15 Samuel Hugo Lima (presidente), Luiz Felipe Paim da Luz Bruno Lobo (vice-diretor da Ejud-15) e José Pedro de Camargo Rodrigues de Souza (decano do TRT-15).
Ao reforçar a missão institucional da Escola Judicial da 15ª Região, o desembargador Carlos Alberto Bosco ressaltou também a importância da oferta de conteúdos divorciados de política ou religião, destacando o papel da ampliação dos conhecimentos técnicos das equipes da Corte na prestação de serviços de qualidade ao jurisdicionado.
Zona de penumbra entre TST e STF
Para o professor Luiz Guilherme Marinoni, ordenamentos jurídicos que detêm cortes supremas e constitucionais enfrentam o dilema de ter que estabelecer limites entre a interpretação nos termos da Constituição e o controle de constitucionalidade. “A ideia de uma interpretação conforme a Constituição surgiu na Corte Constitucional italiana, no pós-guerra. Havia ali uma grande tensão entre a Corte e o Parlamento. Para não rejeitar ostensivamente o texto das leis e ampliar essa tensão, decidiu-se pela reprovação de interpretações dada à lei em instâncias do Judiciário, advertindo-se para uma única interpretação possível para o dispositivo analisado”, explicou.
No Brasil, ao contrário do que aconteceu na Itália, o fato de todos os juízes possuírem a possibilidade de olhar para a Constituição para atribuir significado aos dispositivos legais, por meio do chamado controle de constitucionalidade difuso, contribui para agravar a chamada zona de penumbra. “A interpretação tem limites dados pelo próprio texto da lei. Fora do texto, já estamos na seara da reconstrução. Para isso, eu preciso reprovar a constitucionalidade do dispositivo. E isso exige um ônus argumentativo muito mais pesado, o que nem sempre acontece”, afirmou. “Eu não posso fazer aquilo que o parlamento não fez porque suponho que a lei é inadequada”.
Com o exemplo de um recurso extraordinário contra uma decisão de inconstitucionalidade do plenário do TST, o professor Marinoni questionou quais são os poderes do STF para, nesse caso, optar por uma interpretação mais adequada da lei à Constituição. “Eu tenho certeza de que o STF não tem esse poder. Cabe ao TST se debruçar sobre as questões interpretativas, aos precedentes. Já o Supremo é uma corte que deve se dedicar à tutela da Constituição. Apesar de óbvio, não se percebe isso com clareza”, afirmou. O professor também salientou que iluminar essa penumbra ajudaria a apagar a ideia de que o STF é uma corte de revisão e que o TST seria uma corte suprema possível de ser revisada.
Ministros do TST
Em sua intervenção, o ministro Luiz José Dezena da Silva apresentou exemplos daquilo que expôs o professor Marinoni na primeira parte da aula magna. No primeiro, lembrou o julgamento da Ação Declaratória de Constitucionalidade 48, que afastou a configuração de vínculo de emprego entre os transportadores autônomos e as empresas de carga. “O STF não disse apenas que a Lei 11.442/2007 era constitucional. Ele foi além, a partir do momento em que passou a interpretar a lei, se sobrepondo ao TST”, explicou. O ministro Dezena lembrou a importância da observância do princípio mais importante do Direito do Trabalho, o da primazia da realidade. “Ao dizer em controle abstrato, de antemão, que não há vínculo de emprego, perdemos o que há décadas preconiza o Direito do Trabalho e usurpa-se, com todas as vênias, a competência do Tribunal Superior do Trabalho”.
Já o ministro Douglas Alencar Rodrigues, ao reforçar o fato de o professor Marinoni ser um dos maiores cientistas do Direito Processual brasileiro, colocou em perspectiva a complexidade do momento atual, sobretudo após o Neoconstitucionalismo. “Tardio no Brasil, esse movimento trouxe uma nova perspectiva não apenas para a atuação do Poder Judiciário, com instrumentos e técnicas decisórias, mas também uma ressignificação das ordens jurídicas”. Ele destacou que as constituições deixaram de ser apenas documentos descritivos de comunidades políticas para passarem a vincular políticas públicas, dando ao Judiciário o ônus de garantir direitos fundamentais.
“Sabemos que a legitimidade de inovar na ordem jurídica pertence àqueles que foram eleitos democraticamente. Mas, neste novo momento, juízes e tribunais são demandados a todo momento a agir como se fossem parlamentos permanentes, porque estamos assistindo à ressignificação de postulados essenciais”, disse. Para o ministro Douglas, o diálogo entre corte suprema e cortes superiores, assim como entre os Poderes Legislativo, Judiciário e Executivo, tem papel fundamental para avançarmos diante da complexidade da vida contemporânea.
Assista abaixo à gravação da aula magna da Ejud-15.
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