“A regulação das relações de trabalho pelo próprio mercado é heresia e não promove justiça social”, diz ministro Alexandre Belmonte no encerramento do Congresso do TRT-15

“A regulação das relações de trabalho pelo próprio mercado é heresia e não promove justiça social”, diz ministro Alexandre Belmonte no encerramento do Congresso do TRT-15
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A conferência intitulada “Justiça Social, Tecnologia e Relações de Trabalho”, sob condução do ministro do Tribunal Superior do Trabalho (TST), Alexandre de Souza Agra Belmonte, encerrou na sexta-feira, dia 4/8, o 23º Congresso Nacional de Direito do Trabalho e Processual do Trabalho, promovido pelo Tribunal Regional do Trabalho da 15ª Região no Espaço Expo Dom Pedro em Campinas. Em uma exposição instigante para cerca de 750 espectadores, o ministro trouxe à tona reflexões sobre a relação entre a tecnologia e o Direito do Trabalho, reforçando a importância da regulamentação para proteger os trabalhadores em meio às disrupções causadas pelas novas tecnologias.

Ao introduzir o tema, destacando a vasta experiência do palestrante, que é doutor em Justiça e Sociedade e mestre em Direito das Relações Sociais pela Universidade Gama Filho, o diretor da Escola Judicial do TRT-15, desembargador Carlos Alberto Bosco, demonstrou preocupação com os rumos do Direito do Trabalho diante dos efeitos da 4ª Revolução Industrial, caracterizada pelo uso inteligência artificial, pelo trabalho em plataforma e por contratos de trabalho atípicos. “A paz social é a busca pelo Direito do Trabalho e me pergunto como ficam essas vertentes. O que mais me incomoda é o esvaziamento da Justiça do Trabalho”, asseverou.

O ministro Alexandre Belmonte iniciou sua explanação ressaltando que a tecnologia nunca foi estranha ao Direito do Trabalho, pelo contrário, surgiu para enfrentar os efeitos da precarização, para dar dignidade aos trabalhadores e diminuir a desigualdade social. “Estranho é estranhar os efeitos da tecnologia nas relações de trabalho, estranho é estranhar os efeitos precarizantes da tecnologia nas relações de trabalho e mais estranho ainda é questionar o papel protetivo do Direito do Trabalho contra a precarização causada pelas novas tecnologias”, questionou.

Segundo o ministro, o Estado de Bem-Estar Social inaugurado no pós-Segunda Guerra Mundial chegou ao fim a partir do momento em que se percebeu, pelos idos de 1970, que a máquina poderia substituir o ser humano, sem encargos trabalhistas. “Naquela quadra da história, postos de trabalho foram suprimidos, mas novas ocupações surgiram e, em ritmo cada vez mais veloz, a robotização foi implantada nas indústrias”. 

A globalização teve início e fragilizou a produção brasileira, carente de tecnologia própria e competitiva. “Recessão, desemprego, flexibilização e desregulamentação ingressaram na ordem do dia em um país tecnologicamente despreparado para produzir ciência e oportunidades de melhor qualidade”, disse. Para o ministro, o que assusta não é a tecnologia ou a precarização, mas a velocidade com que as novas tecnologias se sucedem, causando disrupções sem que haja tempo de implantar soluções de inclusão ou reinclusão no mercado.

Ele apontou ainda a incapacidade do Congresso Nacional de acompanhar o ritmo das transformações tecnológicas e regulamentar adequadamente a proteção à automação e ao trabalho em plataformas digitais e aplicativos, o que faz com que o Judiciário busque, ele próprio, as soluções.  Para Alexandre Belmonte, o centro do debate é 'como, a um só tempo, incentivar a  livre-iniciativa, diminuir os custos para concorrer no mercado, proteger o trabalhador dos efeitos da automação, evitar a precarização e ainda gerar ocupações". 

Ao tratar da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), o ministro ressaltou sua dimensão histórica, mas também apontou suas limitações em acompanhar as dinâmicas contemporâneas do trabalho. A reforma trabalhista de 2017 não foi suficiente para resolver os problemas, deixando questões essenciais em aberto, como a regulamentação do trabalho prestado por meio de aplicativos e plataformas digitais. “Apesar dos equívocos e omissões, a reforma trabalhista acertou em cheio quando buscou identificar os direitos disponíveis para efeitos de negociação coletiva de forma a dar segurança aos ajustes coletivos e permitir o ajustamento das normas trabalhistas às circunstâncias particulares do trabalho e de produção de diversos setores econômicos”, avaliou. 

Para o ministro, a negociação coletiva pode ser um dos caminhos para a real modernização das relações de trabalho, ou seja, “por meio de soluções encontradas pelos próprios atores sociais que podem servir de exemplo para outras categorias ou que requer participação massiva sindical e efetiva representatividade num sistema de plena liberdade”.

Alexandre Belmonte discorreu sobre determinadas decisões do Supremo Tribunal Federal envolvendo negociação coletiva. Com relação à dispensa em massa, o ministro mencionou o caso Embraer, julgado pelo TRT-15. A empresa dispensou 4.200 trabalhadores em 2009, sem antes tabular negociação coletiva. O STF confirmou entendimento do TST e negou provimento ao recurso extraordinário, fixando a tese de que a intervenção sindical prévia é exigência procedimental imprescindível para dispensa em massa de trabalhadores.  “O STF deixa claro que o interesse público está por trás das despedidas coletivas em massa porque envolve sustento de quantidade significativa de trabalhadores e de suas famílias”, complementou.

O ministro Alexandre Belmonte salientou que  a justiça social é a distribuição dos valores fundamentais de forma a garantir a dignidade da pessoa humana e valorização do trabalho no ambiente saudável, seguro, democrático e pluralista. Esse ambiente deve ser provido das condições necessárias à geração de oportunidades e deve também assegurar a todos plena possibilidade de desenvolvimento material e espiritual. “Cabe assim interpretar o direito do trabalho de forma dinâmica e com proteção ajustada aos novos tempos, doa a quem doer. A regulação pelo próprio mercado não promove a justiça social e incentiva a desigualdade social. Estamos falando de relação de trabalho em que uma das partes precisa de proteção especial. Dizer que essa proteção vai ser dada pelo mercado é uma heresia. Tem que ser dada pela lei, mas também pode ser construída por meio da participação sindical em autorregulação”, concluiu.



 

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Comunicação Social