Seminário debate casos emblemáticos e o futuro da JT
A Comissão de Preservação da Memória da Justiça do Trabalho do Tribunal Regional do Trabalho da 15ª Região e a Escola Judicial da Corte promoveram na quinta-feira, 7/12, o III Seminário Regional da Memória da Justiça do Trabalho, evento híbrido realizado às vésperas da comemoração no país do Dia da Justiça (8/12), e que reuniu no auditório 1 da Ejud-15 magistrados, servidores e estagiários, e foi acompanhado ao vivo pelo canal do Youtube da Ejud-15 por mais de 120 pessoas.
#ParaTodosVerem vice-presidente administrativo, desembargador José Otávio e o vice-presidente judicial, desembargador João Machado, sentados à mesa e palestrando para os convidados
O vice-presidente administrativo do TRT-15, desembargador José Otávio Ferreira de Souza, representando a Presidência da Corte, recepcionou os participantes com uma reflexão sobre a fluidez do tempo, segundo o filósofo Santo Agostinho. O magistrado concluiu, num breve resumo, que as únicas possíveis apreensões do tempo são “a lembrança presente das coisas passadas, a visão presente das coisas presentes e esperança presente das coisas futuras”. Mais que o simples tempo passado, a memória, segundo o magistrado, é a conexão que fazemos com novas possibilidades de reflexão ponderada e análise de erros cometidos, tornando-se assim, “o combustível para o futuro e inspiração para o porvir”. Nesse sentido, a importância de se revisitar a memória da Justiça do Trabalho para fortalecer seus princípios e reconhecer sua importância na realidade social e econômica do país.
#ParaTodosVerem vice-presidente administrativo, de pé, discursando para o público
#ParaTodosVerem: vice-presidente judicial, retratado de perfil, discursando para o público
No mesmo sentido, o vice-presidente judicial, desembargador João Alberto Alves Machado, também reforçou a importância do debate sobre a memória do ramo da Justiça que melhor cumpre o papel social e de cuidado com o humano, muito além das questões que envolvem as relações trabalhistas. O desembargador lamentou que, apesar da inegável evolução nas relações sociais e até mesmo do moderno arcabouço alcançado de legislação protetiva do trabalho, o Brasil ainda registre tantos casos de exploração de trabalhadores de forma desumana, que segundo ele são apenas “novas roupagens para velhos problemas já conhecidos da Justiça do Trabalho e que, como esqueletos que saem do armário, vêm nos assombrar”. O magistrado concluiu, lembrando aos detratores da Justiça do Trabalho, que “nossa justiça tem devolvido aos trabalhadores, de 2019 para cá, cerca de R$ 4 bilhões ao ano referentes a verbas trabalhistas, além de recolhimentos, fruto de julgamentos de nossos processos, no valor de aproximadamente R$ 404 milhões (2020) e só neste ano, de R$ 465 milhões”, o que confirma, segundo ele, “nosso papel social”.
#ParaTodosVerem: professor Carlos Leite, retratado de perfil, discursando para o público
“O futuro da competência da Justiça do Trabalho e o reconhecimento do vínculo empregatício” foi o tema abordado na conferência de abertura, ministrada pelo professor Carlos Henrique Bezerra Leite, da Faculdade de Direito de Vitória. A precarização da Justiça do Trabalho pós-Reforma Trabalhista e sua consequente perda de espaço político na defesa de seus princípios fundamentais de garantia dos direitos dos trabalhadores foi o pano de fundo da exposição do professor, que também criticou o papel de legisladores descomprometidos com os direitos sociais, mas principalmente de magistrados da própria Justiça do Trabalho e de ministros do TST e do STF, defensores dessa reforma que legitimaram, de alguma forma, a precarização e o processo de esvaziamento da competência da JT. Essa rendição a uma lógica extremamente nefasta de entregar a outro órgão julgador questões originárias da nossa justiça, especialmente com relação a direitos mínimos garantidos (porém negados pelo próprio STF) revela os “lobos em pele de cordeiro” até mesmo dentro do TST. O expositor chamou de “assustador” o que tem sido defendido contra os trabalhadores, como por exemplo, a tese de alguns ministros sobre a hiperssuficiência de professores, médicos, artistas, locutores e outros profissionais, contrariando a própria CLT. Outro ponto criticado foi a defesa pelo Supremo da pejotização e da terceirização como “chave do sucesso” para as questões que envolvem direitos trabalhistas. “O problema é político e visa claramente o esvaziamento da competência da JT, órgão historicamente autorizado para solucionar conflitos entre trabalhadores e o capital”, afirmou.
Para fazer frente a esse cenário de desconstrução da JT, o professor Carlos Henrique Leite defendeu a formação de parcerias da JT com outros órgãos como a OAB, entidades sindicais, e até mesmo com a Academia Brasileira de Direito do Trabalho, e como forma de reafirmar as garantias fundamentais, nos casos de pejotização com clara manifestação de fraude, o professor defendeu o “distinguishing” (uma forma de resistir aos precedentes do STF alegando a “distinção” necessária a ser aplicada ao caso em julgamento). E como costumeiramente faz em suas palestras, o expositor encerrou sua apresentação cantando uma música, dessa vez, “Ideologia”, de Cazuza, para reforçar alguns pontos de seu inconformismo, da mesma forma que serviu ao cantor como um pedido de socorro e desabafo acerca da impotência e decepção diante da situação política e social do país nos anos 1980.
Primeiro painel
#ParaTodosVerem: três autoridades sentadas à mesa, representando o primeiro painel do dia
O “Caso Ford” (DCG 0005329-19.2021.5.15.0000) foi o tema debatido na primeira mesa de trabalhos, presidida pelo desembargador do TRT-15 Orlando Amâncio Taveira. Os convidados, o desembargador aposentado do TRT-15 Francisco Alberto da Motta Peixoto Giordani e a procuradora do Ministério Público do Trabalho Ana Lucia Ribas Saccani Casarotto, expuseram, cada um, parte de suas experiências na condução do caso.
#ParaTodosVerem: desembargador aposentado Francisco Giordani, sorridente, retratado de perfil, discursando para o público
O desembargador Giordani reconheceu a dificuldade em julgar um caso “dramático” que, em plena pandemia, representou claramente o desrespeito da empresa Ford com a demissão em massa de cerca de 5 mil empregados, encerrando suas atividades em três cidades distintas (Taubaté, em São Paulo, Camaçari, na Bahia, e Horizonte, no Ceará). O magistrado afirmou que apesar das tentativas de negociação, com a atuação decisiva do MPT, a empresa estava convencida em encerrar suas atividades no país, mesmo depois de mais de 70 anos, sendo a primeira automotiva a se instalar em nosso território e ocupando o quinto lugar no ranking entre as maiores, mesmo depois de ter recebido vários benefícios do governo brasileiro, só foi possível “lutar por uma indenização justa para os trabalhadores privados do emprego”.
#ParaTodosVerem : procuradora Ana Casarotto sentada à mesa, e discursando para o público
A procuradora Ana Lucia Casarotto relacionou, pelo viés do Ministério Público do Trabalho, os principais pontos do processo da Ford e a crise causada pela empresa com a dispensa de milhares de trabalhadores em 2021. Entre os aspectos mais significativos, a procuradora salientou o descaso da empresa com a entidade sindical, que não teve nenhuma intervenção na dispensa, a tentativa de manter, em um primeiro momento, as atividades. Com a decisão da empresa de encerramento das atividades, o MPT mudou então de estratégia, e tomou outras medidas, inclusive cautelares, de proibição de alienação de bens, criação de cronograma de prazos, formação de um fundo garantidor de créditos, entre outros. O que remanesceu, segundo a procuradora, “foi o dano moral coletivo”, mas o foco da atuação ministerial, diante do desestímulo à conversação, é a manutenção das tentativas de um diálogo social para “amenizar a surpresa” causada pela “petulância” da empresa que encaminhou para apenas alguns de seus empregados uma mensagem por WhatsApp informando o encerramento de suas atividades. “Milhares de trabalhadores foram dormir um dia e encontraram, no dia seguinte, as portas da empresa fechadas”, ressaltou Ana Lúcia. “Esperamos um final feliz para esta história”, desabafou.
Segundo painel
#ParaTodosVerem: três autoridades sentadas à mesa, e discursando para o público, representando o segundo painel do dia
No segundo painel, o desembargador aposentado do TRT-15 Jorge Luiz Souto Maior, e o desembargador recém-empossado Marcos da Silva Porto, apresentaram o tema “Recuperação judicial e execução na Justiça do Trabalho: Um caso de cooperação judiciária”. A desembargadora Erodite Ribeiro dos Santos mediou os trabalhos.
Souto Maior iniciou sua exposição abordando as dificuldades enfrentadas pela Justiça do Trabalho para se consagrar efetivamente como um Poder. Ao falar sobre os instrumentos aplicados para fragilizar a JT, o jurista apontou a tentativa recorrente de utilização da Lei de Recuperação Judicial como forma de fraudar a execução trabalhista. Nesse sentido, contou sobre o processo que julgou em primeira instância, no qual, ao tomar conhecimento da existência de uma série de irregularidades impetradas pelas empresas, conseguiu evitar a efetivação da fraude, em parceria com o juízo da recuperação. O caso reforça a importância da união dos poderes públicos no enfrentamento do objetivo de esvaziar a competência e o poder da Justiça do Trabalho.
#ParaTodosVerem : desembargador Marcos Porto sentado à mesa, e discursando para o público
O desembargador Marcos Porto também falou da tentativa de desconstrução dos direitos fundamentais, que, segundo ele, ocorre por várias frentes, tanto pela via legislativa, quanto pela criação de mecanismos jurídico-políticos que retiram a efetividade desses direitos. Para o magistrado, o direito falimentar atual contempla uma ótica liberal, cujo objetivo é a banalização da dívida trabalhista. O painelista ainda citou diversos instrumentos utilizados para dificultar a concretização dos direitos dos trabalhadores, a exemplo da limitação estrutural dos órgãos de fiscalização, da inexistência de instrumentos penalizadores mais eficazes e da tentativa de extinção das próprias instituições protetivas. O desembargador também ressaltou a importância da atuação conjunta para enfrentamento do problema.
Terceiro Painel
#ParaTodosVerem: três autoridades sentadas à mesa, discursando para o público, representando o terceiro painel do dia
“O caso dos cortadores de cana-de-açúcar” foi o tema do terceiro painel, presidido pelo desembargador do TRT-15, Luís Henrique Rafael. Sob a ótica do pagamento por produtividade, os desembargadores Hélio Grasselli e Maria da Graça Bonança Barbosa discorreram sobre o tema.
#ParaTodosVerem: desembargadora Maria da Graça, retratada de perfil, discursando para o público.
Com a finalidade de resgatar a importância da 15ª Região em promover discussões para a construção da teoria do Direito e da jurisprudência, a painelista Maria da Graça abordou a história do salário por produção dos cortadores de cana, no contexto dos Congressos Rurais promovidos pelo TRT-15, em Barretos (2007) e em Presidente Prudente (2011). A magistrada apresentou a realidade da época, em que as péssimas condições de vida dos rurícolas, submetidos a jornadas exaustivas, levaram à morte dezenas de trabalhadores nos canaviais. Após o Congresso de Barretos, em que a painelista expôs o panorama acima, com apontamento de dados e estudos científicos a respeito da nocividade do trabalho por produção no corte de cana, o TRT-15 reviu sua jurisprudência, o que repercutiu nos recursos enviados ao Tribunal Superior do Trabalho, que, por sua vez, revisou a Orientação Jurisprudencial 235, para tratar como exceção a hora extra do cortador de cana contratado por produção, considerando devido o pagamento da hora de trabalho, acrescida do adicional. A magistrada encerrou com uma homenagem aos trabalhadores que perderam a vida na lavoura.
#ParaTodosVerem: desembargador Hélio Grasselli, sentado à mesa e retratado de perfil, discursando para o público
O desembargador Hélio Grasselli também falou dos malefícios da contratação por produção dos cortadores de cana-de-açúcar. Em sua apresentação, o magistrado debruçou-se sobre a análise da Ação Civil Pública 0001117-52.2011.5.15.0081, da qual foi relator. A demanda, pioneira no Brasil, visava à proibição da contratação de cortadores de cana para recebimento de remuneração por produção. Com fundamento no respeito à dignidade da pessoa humana e no valor social do trabalho, o desembargador entendeu que a proibição do pagamento por produção nesse caso específico, em que a atividade é considerada penosa, degradante e degenerativa para o ser humano, é uma medida impeditiva de retrocesso social, diante do estímulo financeiro capaz de levar à exaustão para alcance de um salário mensal aviltante e incapaz de suprir as necessidades próprias e de sua família. “O cortador de cana trabalha a mais, chegando a morrer nos canaviais, unicamente porque precisa, sua liberdade de escolha é tolhida pela necessidade de sobreviver e prover a família”. O magistrado apresentou dados sobre a realidade do trabalho nos canaviais, que serviram para fundamentar seu voto, chamando atenção para o fato de que a expectativa de vida do trabalhador rural submetido ao corte de 12 toneladas de cana-de-açúcar por dia (10 a 12 anos de trabalho) chega a ser inferior que a de um escravo do fim do século XIX (de 12 a 15 anos de trabalho).
Conferência de encerramento
#ParaTodosVerem: advogado Ulissem, retratado de perfil, discursando para o público, também presente na foto o vice-presidente judicial
O evento foi finalizado com a conferência “O ferroviário paulista na história judiciária do TRT-15”, apresentada pelo advogado Ulisses Nutti Moreira.
O conferencista relembrou a história da antiga Companhia Paulista de Estradas de Ferro, que já foi considerada ferrovia modelo no Brasil. Segundo explicou, a atual Ferrovia Paulista S.A. (Fepasa) foi criada a partir da junção da Companhia Paulista de Estradas de Ferro às três ferrovias estaduais existentes à época (1971).
O advogado Ulisses Moreira contou sobre as conquistas dos ferroviários paulistas, que, por décadas, lutaram pela aplicação a toda a categoria dos direitos previstos no Estatuto dos Ferroviários, especialmente a complementação de aposentadoria. O conferencista também apresentou algumas ações emblemáticas envolvendo direitos coletivos dos ferroviários.
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