8ª Câmara reconhece trabalho escravo e indeniza trabalhador em R$ 100 mil por danos morais individuais e coletivos
A 8ª Câmara do Tribunal Regional do Trabalho da 15ª Região, por unanimidade, reconheceu as condições análogas às de escravo a que era submetido um trabalhador rural por dez anos num sítio, em condições de trabalho degradantes e aviltantes à dignidade da pessoa humana. A ação civil pública foi ajuizada pelo Ministério Público do Trabalho.
#ParaTodosVerem: trabalhador manuseia uma enxada em solo avermelhado, levantando poeira, em alusão ao trabalho rural. A marca do TRT-15 aparece no canto inferior direito.
O acórdão, que teve como relatora a desembargadora Andrea Guelfi Cunha, manteve a condenação arbitrada pelo Juízo da Vara do Trabalho de Capão Bonito, a título de indenização por dano individual e por dano coletivo no total de R$ 100 mil. O colegiado também afastou a prescrição quinquenal pronunciada pela instância de primeiro grau, ampliando assim a condenação a todo o período de vínculo reconhecido.
Conforme constou dos autos, a vítima trabalhou, sem remuneração, na lavoura e em trabalhos domésticos por oito anos em troca de moradia e alimentação. Ele morava em um paiol também utilizado como galinheiro, constituído de um galpão de madeira feito sobre um chão de um cimentado rústico, e dormia junto com equipamentos, embalagens de agrotóxicos e outros produtos químicos, tambor de armazenamento de resina, sacarias com produtos agrícolas e diversas galinhas, que ficavam trancadas no local, estando o local repleto de fezes de animais. Foi apurado também que o trabalhador dormia em um colchão velho, sem roupa de cama, no chão frio, em um ambiente sem a menor condição de habitação, com absoluta falta de higiene e sem banheiro. Consta também que sofria maus-tratos, apresentando inclusive uma cicatriz no braço adquirida com facão numa briga com o empregador.
Caracterizada a prática de trabalho escravo contemporâneo, e estando o empregado já em local seguro, foi realizada uma reunião com o empregador visando uma solução administrativa para a regularização dos fatos no âmbito trabalhista, com a assinatura de um termo de ajuste de conduta, o que não se mostrou viável, pois o empregador alegou não dispor de condições de efetuar o registro do contrato de trabalho ou arcar com qualquer espécie de pagamento, o que sinalizou a necessidade do ajuizamento de uma ação civil pública.
O proprietário do sítio se defendeu, alegando que “os fatos tratados na presente demanda jamais ocorreram, não existindo trabalho análogo ao de escravo ou qualquer violação à ordem jurídica nacional ou internacional, pois as notícias/denúncias levadas aos agentes policiais, aos agentes do ministério do trabalho e ao Ministério Público do Trabalho, são absolutamente falsas e motivadas por sentimentos mesquinhos de pessoas que se portam com o objetivo de causar-lhe prejuízo”.
Segundo ele, “em momento algum foi considerada a real situação das partes, e que em momento algum agiu como se fosse empregador da suposta vítima, tampouco apresentou elementos reais que tenha subjugado quem quer que seja a trabalho escravo e maus-tratos”. Em sua defesa, alegou que “suas condições de vida são absolutamente precárias, sendo pessoa simples e de pouca instrução, estando em pé de igualdade com a suposta vítima, jamais tendo se aproveitado de suas condições, não havendo sequer relação de emprego, pois apenas se prestou a ajudá-lo e acabou sendo apunhalado pelas costas com tantas acusações falsas, o que levou ao engano as autoridades competentes”.
Para o colegiado, porém, é “incontroverso nos autos a prestação de serviços por aproximadamente 8 anos, sem a devida contraprestação salarial, em troca exclusivamente de moradia e alimentação”. Também ficou comprovado à saciedade que o trabalhador se ativava “sob condições degradantes”, ainda que a própria vítima tenha declarado que trabalhava no local "porque queria" e que nunca foi obrigado a ali permanecer. Uma das testemunhas do empregador afirmou que o trabalhador “passou a residir na propriedade a pedido de sua mãe, já que o ele fazia uso regular de álcool", além de que, por não haver local para o trabalhador residir, a família solicitou para que o reclamado o deixasse trabalhando no sítio.
Apesar disso tudo, “ainda que o réu também seja uma pessoa simples e que não haja nos autos indícios de que agiu de forma premeditada e com o objetivo de explorar inadvertidamente a mão de obra, mas, ao contrário, que tenha atendido ao pedido dos familiares do trabalhador, fato é que ninguém pode se eximir do cumprimento da lei, sendo irrelevantes os motivos pelos quais a relação jurídica entre as partes se concretizou”, afirmou o colegiado. Nesse sentido, o acórdão concluiu pelo reconhecimento, nessa relação, das condições análogas à de escravo. (Processo 0011285-64.2023.5.15.0123 RO)
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