Família de motorista morto por Covid é indenizada por negligência da empresa
A 2ª Câmara do Tribunal Regional do Trabalho da 15ª Região condenou uma empresa de transporte de carga de Sumaré a indenizar a família de um motorista morto em 2021 em decorrência de complicações da Covid-19. A empresa, considerada responsável pelo ilícito, deverá indenizar em R$ 120 mil cada um dos familiares do trabalhador falecido (esposa e dois filhos menores) a título de danos morais, além de arcar com o pensionamento fixado em 2/3 da remuneração do motorista.
#ParaTodosVerem: No caminhão, mãos masculinas ao volante à esquerda da imagem. À direita, compondo a cena, um teste de Covid
Segundo constou dos autos, o trabalhador foi contratado em 11/8/2020 para atuar como motorista carreteiro, e faleceu em 9/3/2021, depois de passar mal durante uma viagem. A viúva e os filhos do trabalhador invocaram, na Justiça do Trabalho, a responsabilidade da empregadora, relatando que o motorista viajou pela empresa desde 5 de fevereiro de 2021, saindo de Ribeirão Preto (SP), tendo carregado o veículo em Joinville (SC) e chegando em Pouso Alegre (MG) em 15 de fevereiro, ocasião em que se sentiu mal e houve recomendação médica para afastamento do trabalho por 10 dias. Alegaram que o controlador de tráfego da empresa teve ciência da licença médica, mas mesmo assim o trabalhador continuou a seguir viagem, levando carga, de alto valor, para Duque de Caxias, no Rio de Janeiro, onde chegou em 17 de fevereiro, quando precisou de atendimento pelo SAMU. Depois, seguiu para Sumaré, quando a esposa, vindo de Marília, cidade onde moravam, o encontrou na garagem da empregadora, na madrugada de 19 de fevereiro, dentro do caminhão, sozinho e passando muito mal. Com a ajuda do motorista que a havia trazido de Marília, ela levou o marido para a Santa Casa daquela cidade, onde ele morreu em 9 de março, após ser internado na UTI.
A família alegou desrespeito da empresa aos protocolos de saúde e falta de prestação de socorro ao empregado no exercício de suas funções. A empresa, por sua vez, negou sua responsabilidade, alegando “falta de prova de contaminação do obreiro durante a prestação dos seus serviços e que não há comprovação nos autos de que estivesse com COVID-19”. Afirmou também que “não houve recomendação médica para o motorista não viajar e que ele e a esposa insistiram para viajar para Marília”.
A decisão do Juízo da 1ª Vara do Trabalho de Marília, que julgou o caso, entendeu que de fato “não houve comprovação de que o trabalhador foi contaminado pelo coronavírus no exercício de suas funções”, mas reconheceu, pelo quanto foi apurado, que houve “negligência” da empresa de transporte “em relação à necessidade de afastamento do empregado, além de imprudência em mantê-lo na condução de veículo, mesmo sendo informada a precária condição de saúde e enviado atestado para afastamento do trabalho”.
A empresa ainda se defendeu, afirmando que “houve sim a determinação para que o motorista aguardasse em Pouso Alegre (MG) até que fosse possível providenciar o deslocamento do empregado até Marília (conforme a sua solicitação), já que todos os meios de transporte coletivos não estavam em funcionamento em razão da pandemia”. A empresa afirmou ainda que naquela ocasião (15/2/2021), o motorista “não informou que estava de atestado, tampouco informou que estava sob suspeita de COVID, tendo apenas informado que não estava bem e que gostaria de ir para a casa, em Marília (SP)”. A própria sentença reconhece que o atestado foi enviado pelo WhatsApp apenas em 16/2/2021, sendo que a empresa “não recebeu tal documento”.
Para a relatora do acórdão, a juíza convocada Dora Rossi Góes Sanches, “a responsabilidade subjetiva nas ações acidentárias envolve a presunção da culpa nos casos de não observância da legislação protetiva, já que incumbe ao empregador zelar pelo cumprimento das normas de segurança, higiene e saúde do trabalhador (artigo 157, inciso I, da CLT)”. O colegiado entendeu, neste caso, que o conjunto probatório comprovou a conduta culposa da empresa, “ao deixar de tomar medidas de segurança e assistenciais adequadas à situação, o que levou à circunstância de risco e morte do obreiro”. E no mesmo sentido que a sentença, ressaltou que “o exame deve, pois, centrar-se na conduta patronal após a ciência dos sintomas que evoluíram para o óbito, sendo os eventos ocorridos entre os dias 5.2.2021, data em que o reclamante iniciou viagem, conforme diário de bordo e 9.3.2021 (data do óbito)”.
De acordo com o preposto da empresa, o motorista só teve contato com o gerente, a quem teria reportado seus sintomas. O gerente confirmou que sabia do estado de saúde do motorista, quando este estava em Pouso Alegre, que ele “não se encontrava bem, pois estava com tosse, não se recordando de referência a outros sintomas”. Foi quando o motorista solicitou ao gerente para retornar ao seu município de residência, Marília, mas foi por ele “orientado a permanecer onde estava até que fosse possível providenciar o deslocamento, uma vez que os meios de transporte coletivos não podiam funcionar à época em razão da pandemia”. Em Pouso Alegre desde 12.2.2021, o motorista só deixou a cidade em 16.2.2021, com destino a Duque de Caxias, onde chegou em 17.2.2021. No atestado médico obtido em Pouso Alegre, no dia 15.2.2021, consta a necessidade de afastamento do trabalho por dez dias.
No mesmo dia, o trabalhador, por áudio, informou o gerente: “(Tosse)... rapaz do céu, tá dando falta de ar em mim, tosse constante e uma dor no rim, cara (geme e ofega). Nossa, o negócio pegou agora depois do almoço, cara. Não tô aguentando ficar em pé, cara (respira fundo, ofegando)”. O colegiado afirmou, assim, que “é possível verificar que a situação de saúde do empregado demandava cuidados imediatos. No dia 16.2.2021, às 9h, o atestado médico do qual constou a necessidade de afastamento do trabalho por dez dias foi encaminhado ao gerente, porém não foram adotadas providências imediatas para o afastamento do empregado de suas atividades.
Já em Duque de Caxias, no dia 17.2.2021, o motorista foi submetido a novo atendimento médico, do qual constou a necessidade de afastamento do trabalho por mais quatorze dias. Mesmo ciente de que a situação de saúde do motorista demandava cuidados, e depois de ter recebido contato telefônico de uma familiar do motorista, que reiterou o precário estado de saúde do empregado, o gerente orientou-o a pegar uma carreta vazia e retornar à filial de Sumaré-SP”.
No dia 18.2.2021, o motorista chegou a Sumaré, na filial da empresa, por volta das 20h, tendo sido de lá levado para Marília, por sua esposa, por meios próprios. Ela chegou ao local em que ele se encontrava, no pátio da empresa, por volta das 2h30min e 3h. Desde sua chegada à filial (20h) até a chegada de sua esposa no local (2h30/3h do dia seguinte), ele permaneceu sozinho no interior do veículo de onde foi retirado, conforme relatou a testemunha: “ele estava debruçado no volante e, ao ser inquirido se conseguia descer, ele respondeu que não”, quando então foi colocado no ombro dessa testemunha, que o retirou da cabine do caminhão.
O colegiado concluiu, assim, que desde o dia 15.2.2021, a empresa tinha ciência de que o motorista estaria “sem condições de exercer suas atividades, porém, não teve atitude compatível com a prudência que o caso demandava”. Mesmo que não tivesse encaminhado atestado médico, quando relatou os sintomas ao gerente, “a providência adequada diante da possibilidade de estar o empregado contaminado com doença infecciosa letal, seria o imediato afastamento do trabalho e a determinação para que fosse submetido a exame médico para o afastamento do trabalho”.
Diferentemente, porém, o relato quanto aos problemas de saúde enfrentados pelo empregado foi tratado como de menor importância, sendo a “avaliação” deste quanto à sua própria saúde escolhida como conveniente para que o motorista cumprisse com entrega de mercadorias, “viajando de Pouso Alegre/MG a Duque de Caxias/RJ e, posteriormente, ainda, determinado que se deslocasse de Duque de Caxias/RJ a Sumaré/SP, conduzindo veículo e, em Sumaré, deixado à própria sorte, até que sua esposa chegasse para transportá-lo”, salientou.
Por tudo o que foi apurado, o colegiado entendeu que houve “negligência” da empresa “em relação à necessidade de afastamento do empregado, além de imprudência, em mantê-lo na condução de veículo, mesmo sendo informada a precária condição de saúde e enviado atestado para afastamento do trabalho”. O acórdão ressaltou que “obviamente, não há como descortinar qual seria o desfecho da doença caso houvesse tempestivos cuidados médicos e o devido repouso”, porém, em razão da conduta da empresa em manter em serviço empregado que relatou sintomas de doença infecciosa e potencialmente letal, bem como ausência de condições de executar suas atividades “determinou a impossibilidade de se saber qual seria esse desfecho” e diante do “quadro de descaso, pouco pôde fazer a esposa do empregado que, utilizando dos meios que lhe foram possíveis, deslocou-se para buscar o esposo, para quem não foi dado, por seu empregador, o tratamento minimamente adequado, diante da situação que se apresentou”, concluiu. (Processo 0010178-95.2022.5.15.0033)
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