Empresas são condenadas a indenizar família de trabalhador que morreu de malária
A 9ª Câmara do Tribunal Regional do Trabalho da 15ª Região, em votação unânime, condenou três empresas que integram um grupo econômico multinacional especializado em construção civil, engenharia e energia, a pagarem uma indenização por danos morais de R$ 200 mil, além de uma pensão vitalícia no valor de R$ 2.549,06 à esposa e ao filho de um trabalhador de 41 anos morto em decorrência de complicações da "malária grave por plasmodium falciparum”, doença adquirida em Angola, na África, onde trabalhou por um mês como técnico de manutenção de válvulas.
Contratado em 23/11/2021, o trabalhador seguiu em 30/11 para Angola, tendo retornado ao Brasil em 24/12/2021, quando iniciou com quadro sintomático de febre, mialgia e cefaleia. Procurou a Unidade de Saúde de sua cidade no período de 26 a 27/12/2021, e em 28/12/2021 foi transferido para o Hospital das Clínicas de Ribeirão Preto, local onde permaneceu internado até a data do seu óbito, ocorrido em 30/12/2021.
Uma das empresas, mesmo sem negar os fatos, se defendeu atribuindo à vítima a culpa exclusiva pelo infortúnio. Segundo ela, o trabalhador não teria observado os “procedimentos de segurança em caso de suspeita ou diagnóstico da malária”, além do que, “a demora no atendimento e o tratamento inicial realizado pelo hospital prejudicou e acarretou o falecimento”. A empresa também alegou que “não é possível assegurar que o empregado falecido tenha contraído a malária no período em que trabalhou em Angola”, isso porque “foram tomadas todas as medidas de segurança do trabalho – instruções, fornecimento de EPIs, kit viagem”, e, por fim, acusou o empregado falecido de não ter obedecido “às orientações de se manter no alojamento no período em que trabalhou em Angola, saindo a noite para festas, bares e casas de prostituição”.
O relator do acórdão, desembargador Marcelo Garcia Nunes, afirmou que não há dúvidas de que a malária contraída pelo trabalhador falecido “tem caráter ocupacional”, uma vez que ele “foi deslocado para zona endêmica (República de Angola - continente africano) para prestação de serviços em favor das reclamadas”. No mesmo sentido do julgado pelo Juízo da 1ª Vara do Trabalho de Sertãozinho, o acórdão reconheceu que, apesar de não serem consideradas de risco as atividades desempenhadas pelo trabalhador, deve-se aplicar ao caso “a figura da teoria da responsabilidade objetiva, dada a existência de risco no exercício da profissão, em ambiente insalubre, inóspito e que oferecia risco acentuado à integridade física do trabalhador.
Com relação ao alegado pelas empresas de que não seria possível assegurar que o falecido tenha contraído a doença em Angola, o colegiado ressaltou que “o tempo de incubação da doença, a chegada do trabalhador ao Brasil e o aparecimento dos sintomas são coincidentes, inexistindo falar-se que o adoecimento e morte tenham tido causa diversa, que não as advindas do local de trabalho”. Além disso, “a única testemunha ouvida nos autos afirmou que os primeiros sintomas da doença surgiram ainda no aeroporto de Luanda em Angola”, afirmou.
O colegiado também afastou a alegação de que culpa exclusiva da vítima, afirmando que não obstante “possa ter cometido excessos quanto à falta de cuidados, não há como comprovar que a contaminação ocorreu por sua culpa, até porque, reprisa-se, o labor foi executado em região endêmica”. Nesse sentido, "o continente africano, no ano de 2022 registrou 94% dos casos mundiais de malária e 96% das mortes, representando 233 milhões de casos de malária e 580.000 mortes. Além disso, foi observado também que em Angola, a malária foi responsável por 40% das doenças e 42% das mortes no país", concluiu.
Já com relação ao valor das indenizações, o colegiado ressaltou que os R$ 200 mil arbitrados pelo Juízo de primeiro grau, sendo R$ 100 mil para cada um dos familiares (esposa e filho) “atendem aos princípios da razoabilidade e proporcionalidade, haja vista ser necessário admoestar a ré com maior rigor para que conduta semelhante não se repita”. Já com relação à indenização por danos materiais, consistente em pensão mensal vitalícia, também “não merece reforma a decisão”, e “à luz dos artigos 186, 927 e 950 do Código Civil, fixo como pensão mensal, a título de indenização por danos materiais, devida aos sucessores, a partir de 30/12/2021 até 4/8/2053 (limites do pedido), considerando-se que na data do falecimento a vítima estava com 41 (quarenta e um) anos de idade, o valor de R$ 2.549,06 mensais, sendo R$ 1.274,53 para a viúva e R$ 1.274,53 para o filho, sendo que a este os valores serão quitados até completar 24 anos de idade, ou seja, até 26/6/2035, quando o montante passará a ser pago somente à viúva”. (PROCESSO N.º 0010380-72.2023.5.15.0054)
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