Quarto painel do 25º Congresso debate ética e responsabilidade social no uso da inteligência artificial nas relações de trabalho
O quarto painel do 25º Congresso Nacional de Direito do Trabalho e Processual do Trabalho encerrou os trabalhos desta quinta-feira, 14/8, com o tema “Inteligência Artificial – Ética e Responsabilidade Social: Novas Tecnologias e seus Impactos nas Relações Individuais e Coletivas de Trabalho”. A mediação ficou a cargo do corregedor regional do TRT-15, desembargador Renan Ravel Rodrigues Fagundes, e contou com as exposições dos juízes Ney Stany Morais Maranhão e Patrícia Vianna de Medeiros Ribeiro, especialistas em inteligência artificial (IA) no Poder Judiciário.
Na abertura, o desembargador Renan destacou que a inteligência artificial é um tema “extremamente atual” e de forte repercussão nas relações de trabalho, vividas hoje “na era dos algoritmos”. Segundo ele, compreender a extensão e os limites dessa tecnologia é fundamental para extrair o melhor de seu uso, o que exige letramento digital por parte de trabalhadores, magistrados e instituições.
A vida “onlife” e os desafios éticos
Doutor em Direito pela Universidade de Coimbra e pela Universidade de São Paulo, com estágio de doutorado na Universidade de Massachusetts (Boston), o juiz do TRT da 8ª Região (PA/AP), Ney Maranhão, fez uma ampla contextualização, apontando que vivemos uma “vida algoritmizada” e permanentemente conectada, a chamada vida onlife, conceito cunhado pelo filósofo italiano Luciano Floridi. A IA, explicou, deixou de ser apenas uma ferramenta para se tornar um ecossistema que permeia toda a vida social e profissional, influenciando desde o comércio e a indústria até a gestão de trabalhadores intelectuais.
O magistrado citou casos reais, como o uso de IA na seleção de currículos, na distribuição de tarefas e na avaliação de desempenho, alertando para riscos como decisões automatizadas sem supervisão humana e possíveis violações a direitos trabalhistas. “O problema não é mais saber se a máquina substituirá o ser humano, mas reconhecer que quem sabe usar a IA substituirá quem não souber”, afirmou.
Ao discorrer sobre os conceitos de upskilling e lifelong learning, Ney Maranhão alertou que a requalificação profissional e o domínio da IA generativa, como letramento digital e conhecimentos sobre engenharia de prompt, são condições essenciais para a sobrevivência no mercado de trabalho público e privado, ressaltando que o uso responsável da tecnologia deve ser acompanhado de parâmetros éticos claros. Finalizou enfatizando que “não se deve aceitar ser servo da inteligência artificial, mas ser senhor dessa inteligência”, para que os resultados valorizem a dignidade humana e a justiça.
Marco regulatório e riscos da “era agêntica”
Na sequência, falou a juíza Patrícia Medeiros, vice-presidente da Comissão de Inteligência Artificial do Instituto dos Advogados Brasileiros (IAB), com formação em IA pelo Conselho Nacional de Justiça, pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento e pela Universidade de Brasília, fundadora de laboratório de inovação no TRT da 1ª Região (RJ) e especialista em compliance e integridade no Judiciário. Ela abordou o Projeto de Lei 2.338/2023, que institui o marco regulatório da inteligência artificial no Brasil, já aprovado por unanimidade pelo Senado Federal, e que se encontra em tramitação na Câmara dos Deputados. Patrícia Medeiros participou da elaboração do texto, especialmente na parte relativa à proteção dos trabalhadores, e destacou que o país, junto com a Índia, está na vanguarda mundial no uso da IA — com 18% das empresas já integrando a tecnologia, acima da média global de 13%.
De acordo com a magistrada, já ingressamos na era das “IAs Agênticas”. Esses sistemas tomam decisões e executam tarefas de forma autônoma, sem supervisão humana, o que aumenta riscos como a impossibilidade de responsabilização por erros, vazamento de dados e introdução de vieses discriminatórios. Citou exemplos de uso de IA para avaliação de candidatos em processos seletivos com base apenas em fotos, advertindo que algoritmos mal configurados podem reforçar desigualdades históricas no mercado de trabalho.
Segundo a magistrada, sem critérios claros e auditoria independente, a gestão de performance por IA pode levar à precarização de empregos e ao surgimento de novas formas de assédio, como o “assédio moral algorítmico”, em que metas e avaliações são definidas por sistemas enviesados. Patrícia enfatizou que o PL 2.338/2023 precisa ser aprovado e que o texto traz um diferencial relevante no cenário internacional: a previsão de negociação coletiva obrigatória em casos de dispensa coletiva, algo que não está presente nem na regulação europeia nem na norte-americana. “O PL já é um avanço importante que se alinha às melhores práticas. Com as correções terminológicas e adequações que propusemos, o Brasil não só protegerá trabalhadores como será referência mundial em regulação responsável de IA”, disse. No entanto, a palestrante enfatizou a necessidade de criação de infraestrutura nacional de IA auditável pelo Estado brasileiro, de forma a reduzir a dependência tecnológica de big techs estrangeiras e garantir maior proteção aos trabalhadores.
Ao concluir o painel, o desembargador Renan agradeceu aos palestrantes pela contribuição ao debate e destacou a importância do acompanhamento dos avanços tecnológicos pelo Poder Judiciário, sempre com atenção à preservação da dignidade humana e à proteção social no mundo do trabalho.
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