Homenagem, carta e painéis sobre trabalho infantil, falsas cooperativas e dispensa coletiva encerram seminário "Justiça do Trabalho, 80 em 15"
O vice-presidente judicial do Tribunal Regional do Trabalho da 15ª Região, desembargador Francisco Alberto da Motta Peixoto Giordani, encerrou na tarde desta sexta-feira (3/12) o seminário "Justiça do Trabalho, 80 em 15" com a leitura da Carta de Campinas - um chamamento da comunidade jurídica e da sociedade civil para apreensões e expectativas sobre o Direito do Trabalho e a Justiça do Trabalho - e com uma homenagem ao jurista Antônio Ferreira Cesarino Júnior. Natural de Campinas, ele foi precursor do Direito do Trabalho no Brasil, tendo sido professor da Universidade de São Paulo e um dos maiores inovadores da educação jurídica. Ele faleceu em março de 1992, deixando amplo legado para todos que se dedicam ao Direito Laboral.
"Nossa homenagem não se limita a uma singela exposição. Aqui no TRT da 15ª Região, a homenagem é diária, diuturna e está em cada decisão que oferece a proteção devida aos trabalhadores", afirmou o desembargador Giordani. Ele lembrou que o Direito do Trabalho que Cesarino Júnior ensinou é essencial para a harmonia entre capital e trabalho. "Não se trata de mera peça da engrenagem da produção. Imaginem o que nosso homenageado diria se estivesse vivendo nosso tempo. Estaria tomado de melancolia, que enxergamos no rosto de milhões de brasileiros. Por isso, ressalto que nossa homenagem continuará, com os magistrados da 15ª Região e por meio de seus ensinamentos cada vez mais atuais", concluiu o magistrado.
Guarda-mirim, falsas cooperativas e dispensas na Embraer
No primeiro painel da tarde, o professor da Faculdade de Direito de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo Jair Aparecido Cardoso dialogou com os desembargadores Luciane Storel (TRT-15) e Ricardo Tadeu da Fonseca (TRT-9) sobre o julgamento da Ação Civil Pública 1001/1999, que transformou a jurisprudência e o tratamento dado no Brasil - tanto administrativa como judicialmente - ao então chamado trabalho assistido, oferecido por instituições conhecidas como guardas-mirins ou patrulheiros.
"A tese defendida na ACP pelo Serviço de Orientação Multidisciplinar para Adolescentes (Soma) de Americana era a de que eles recolhiam os adolescentes da rua e os encaminhava para o trabalho, reforçando que o trabalho era melhor do que a exposição à marginalidade", destacou a desembargadora Luciane Storel. No entanto, rememorou a magistrada, a ACP tinha como fundamento uma apuração feita pelo Conselho Tutelar local, que identificou uma série de violações ao Estatuto da Criança e do Adolescente. Os jovens eram submetidos a jornadas irregulares de 7h30, inexistia programa de reforço escolar ou de capacitação, as condições de higiene eram precárias, havia dispensa de adolescentes grávidas, além de penalidades vexatórias.
Após estudos sobre a legislação nacional, sobre debates internacionais e também sobre as convenções de direitos humanos e de direitos de crianças e adolescentes ratificadas pelo Brasil, como a Convenção sobre os Direitos da Criança de 1989 e seus protocolos adicionais, a magistrada votou - e foi acompanhada por unanimidade - defendendo a tese de que o trabalho educativo deve estar sempre subordinado à dimensão formativa, tratando-se de atividade predominantemente pedagógica e não lucrativa. "Ainda que com boas intenções, muitas instituições espalham o trabalho infantil e fazem mera intermediação de mão de obra, sob os auspícios de realizarem ações filantrópicas e sociais", destacou a magistrada, que apresentou vídeo com a transformação promovida pela decisão na atuação da Soma, hoje exemplar.
Para o desembargador Ricardo Tadeu, que à época atuava no MPT, a coragem da decisão relatada pela desembargadora Luciane Storel foi uma das causas para torná-la histórica. "Até a decisão da doutora Luciane, a jurisprudência referendava o trabalho assistido. Havia casos de meninas grávidas despedidas, casos gravíssimos de acidentes de trabalho, sem que nenhuma proteção trabalhista ou previdenciária fosse oferecida aos adolescentes". Ele lembrou que desde 1988 o Brasil adota a proteção integral da crianças e do adolescentes, com o ordenamento jurídico tratando-os como sujeitos de direito - não objetos -, a quem devem o estado, a família e a sociedade oferecer plena proteção, de forma prioritária.
O segundo painel da tarde foi presidido pelo desembargador Eduardo Benedito de Oliveira Zanella, que iniciou os trabalhos citando o geógrafo e historiador grego Heródoto, para ressaltar a importância do seminário para que a comunidade jurídica possa “pensar o passado para compreender o presente e idealizar o futuro“. Já os desembargadores José Otávio de Souza Ferreira e Luis Henrique Rafael apresentaram, respectivamente, um quadro histórico-jurídico e outro prático do cooperativismo, destacando o desvirtuamento dessa forma de trabalho para fraudar a legislação.
"O marco histórico internacional do cooperativismo é a Inglaterra do século XIX, com forte influência do cartismo. Não por acaso, a origem do cooperativismo como espontânea organização dos trabalhadores, para fazer frente ao capital e também ao Estado, coincide com o surgimento dos sindicatos e dos partidos políticos", destacou o desembargador José Otávio. No Brasil, recordou o magistrado, Campinas foi a sede da primeira cooperativa, que a partir de 1887 reuniu trabalhadores da Companhia Paulista de Estradas de Ferro, com o objetivo de proporcionar aos ferroviários alimentos e objetos pessoais com preços acessíveis. "E que tipo de cooperativismo foi demandado na Justiça do Trabalho a partir da década de 1990? O autêntico, o histórico? Não, o falso, que da noite para o dia transformou cortadores de cana e apanhadores de laranja em sócios-cooperados".
Tanto o desembargador José Otávio quanto o desembargador Luis Henrique Rafael ressaltaram que o que caracteriza o falso cooperativismo é a ausência de bens ou serviços comuns, a adesão e a subordinação involuntárias, cargas horárias pré-determinadas e a inexistência de objetivos sociais compartilhados. "São cooperativas criadas de cima para baixo, sem a participação dos trabalhadores, que, como a parte mais fraca, aceitam. O cooperado é aquele que trabalha em igualdade de condições, ele se ombreia aos colegas. Não é o empregado que vende sua força de trabalho para o patrão obter o lucro", destacou o desembargador Rafael.
Como exemplo de fraudes trabalhistas, o desembargador Luis Henrique Rafael, que atuou por 20 anos como procurador do trabalho, citou o caso de um supermercado que forçou 120 empregados a pedirem demissão para, logo em seguida, filiarem-se a uma cooperativa de informática. "O intenso trabalho realizado pelo MPT desde 1995, do qual eu fiz parte com muito orgulho, e o trabalho do TRT da 15ª Região formaram jurisprudência firme, depois adotada pelo TST, para extirparmos esse tipo de mão de obra. Infelizmente, as fraudes não terminaram. Ainda estão presentes na área da saúde, por exemplo. Por isso, precisamos seguir atuantes".
No último painel do seminário, três ex-presidentes do TRT-15 falaram sobre a dispensa sem negociação coletiva de aproximadamente 4.300 trabalhadores da Embraer, em 2009, caso que ainda tramita no Supremo Tribunal Federal. Os desembargadores Fernando da Silva Borges, Lorival Ferreira dos Santos e Flavio Allegretti de Campos Cooper, atualmente aposentado, lembraram a atuação dos membros do TRT-15 em um dos julgamentos mais paradigmáticos da Justiça do Trabalho.
"Foi firmado ali a premissa de que a negociação coletiva é imprescindível para dispensa em massa de trabalhadores, premissa essa confirmada pelo TST, com voto relatado pelo ministro Maurício Godinho Delgado'', frisou o presidente do painel, desembargador Fernando Borges.
Relembrando a atuação do relator do caso no TRT-15, desembargador José Antonio Pancotti, o desembargador Lorival ressaltou que o direito à informação, à boa-fé, à representação sindical, à dignidade humana e à transparência são imprescindíveis na negociação coletiva. "A Constituição Federal estabelece a obrigatoriedade da participação dos sindicatos nessas situações. Trata-se da inescusabilidade da negociação coletiva. Ninguém pode se recusar a sentar à mesa de negociação, a negar informação, sob o risco de violar os princípios da razoabilidade e da paz social", destacou.
Já o desembargador Flavio Cooper ressaltou a importância da atuação preventiva da Justiça do Trabalho, não apenas da tutela reparatória. "A dispensa em massa, de surpresa, sem a ciência dos trabalhadores, além de cruel é ilegal. Por isso, nós, operadores do direito social, precisamos nos perguntar como agiríamos hoje diante de crises econômicas que desencadeiem dispensas em massa. Será que teremos dentro do nosso arcabouço jurídico um ferramental para evitar uma situação dessa natureza?", questionou.
- 202 visualizações